Segundo professores e pessoas da comunidade LGBTQIAP+, a lei é vista como implementação de poder por aqueles que a idealizaram
A proibição da linguagem neutra tem gerado polêmicas em Ponta Grossa e, desde setembro deste ano, está vedado o uso da linguagem neutra ao menos nas escolas públicas municipais e particulares da cidade. Esse foi o pedido formulado na lei 14.036, de 2021, de autoria dos vereadores Leandro Bianco (Republicanos) e Pastor Ezequiel Bueno (Avante), que compõem a bancada evangélica da Câmara de Vereadores, e aprovada pela prefeita Elizabeth Schmidt (PSD). A proibição do uso de pronome neutro acontece não apenas nas salas de aula, mas também na grade curricular, material didático das escolas e editais de concurso público, por exemplo.
A linguagem neutra ou não binária surgiu com o avanço das redes sociais, por volta de 2010, como reconhecimento e visibilidade de indivíduos LGBTQIAP+. A proposta é que, além de incluir pessoas que não se identificam pelos pronomes masculinos ou femininos, ela também visa alterar a grafia de palavras como “todos” para “todes” – termo utilizado para se referir a um grupo que possui muitas pessoas num mesmo lugar.
Para a professora do curso de Letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Marina Legroski, todo esse argumento nada mais é que conservadorismo. “A inclusão de movimentos da comunidade LGBTQIAP+ assusta por ser um fenômeno social que existe através da linguagem”, revela a professora. A professora avalia como os alunos se sentem diante de uma lei que proíbe a forma a qual um ser humano prefere ser chamado. “A lei está desvalidando pessoas que fazem o uso da linguagem neutra, por isso alunos se sentem coagidos a não retratar o tema, não só na sala de aula, mas no dia-a-dia”, analisa.
Ela ainda destaca a imposição de poder que as pessoas tendem a ter sobre a modificação da linguagem. “O fato dos pronomes neutros serem discutidos mostram um avanço de uma minoria que busca ser incluída e esses debates nunca são pacíficos”, afirma. Segundo a professora, para incluir um não precisa excluir o outro. Ela ainda explica que como os objetos não possuem gênero, a norma culta para se referir a eles não tem alteração com o uso da linguagem neutra.
Para a aprovação da lei em Ponta Grossa, nenhuma pessoa não-binária ou pertencente a instituições que visam defender a diversidade sexual foi ouvida no plenário. Rô Freitas é uma pessoas transfeminina, formada em Letras e pesquisa linguagem, descolonialidade e cisgeneridade. Ela explica que uma pessoa não-binária não necessariamente reivindicar ser chamada por pronomes neutros. Rô busca analisar como a escola produz a cisgeneralidade como norma. “Não é somente sobre ensinar a linguagem neutra, mas um projeto sobre quem pode circular na escola ou no mundo, uma vez que a linguagem não é separada da cultura e muito menos do corpo”, diz a pesquisadora sobre a lei aprovada.
A professora e mestranda de Biologia, Arthur Feola, chegou a preferir ser chamada por pronomes neutros antes de entender melhor sua identidade de gênero. A professora afirma que a lei não muda o contexto social, pois as pessoas vão falar cada vez mais sobre os gêneros neutros. “O tratamento inferior de pessoas que não se se encaixam na dita norma desse sistema binário, branco, hétero, colonial e sem deficiências vão limitá-las dentro das escolas”, reforça Arthur. Ela ainda destaca a necessidade de focar cada vez mais em perspectivas sociais e de educação.
Limitações impostas pela ausência da linguagem neutra
A Secretaria Municipal de Educação de Ponta Grossa (SMEPG) informou que não participou do processo de criação da lei. E ainda explica que o currículo praticado nas escolas municipais de Ponta Grossa segue e respeita os princípios contidos na Constituição Federal e trabalha conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/96), com base as Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular.
Um professor de educação infantil da cidade, que prefere não ser identificado, revela uma situação que ocorreu dentro da sala de aula, onde um aluno perguntou se ele conhecia pessoas que preferem ser chamadas por pronomes neutros. O professor, que também faz parte da comunidade LGBTQIAP+, confirmou para o aluno que conhecia. “Eu me surpreendi com a pergunta e em nenhum momento questionei a ele o que era o pronome neutro, pois precisei ser cauteloso com a situação”, destaca.
O mesmo professor avalia que a lei é inconstitucional, não somente pelo fato de que as comunidades acadêmicas não foram consultadas, mas por outras questões. “Como se não bastasse a lei que proíbe o uso de linguagem neutra nas escolas vai contra o artigo 7º da Constituição Federal de 1988, em que considera a linguagem como formadora de cada cidadão e estratégias gramaticais de neutralização de gênero são ferramentas de igualdade na democracia brasileira”, explica. Ele ainda menciona outra violação com base no artigo 205 que diz que a educação deve priorizar o desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Além do Paraná, há outros 15 Estados com projetos de lei sendo discutidos nas assembleias legislativas para proibir o uso da linguagem neutra nas escolas. A principal justificativa dos autores da lei é que a linguagem neutra afeta a norma culta da língua portuguesa, além de afirmarem que ela extingue os gêneros masculino e feminino. Entretanto, se nenhum dos dois gêneros condiz com a forma que uma pessoa se identifica ao se olhar no espelho, a discussão da linguagem neutra torna-se fundamental.
Imagem: Arquivo Elos