“A pobreza menstrual, além de ser uma questão de saúde pública, é também a pobreza de informação”, afirma a voluntária do Casulo Casa Colaborativa
Discutir menstruação continua sendo um tabu na sociedade. Sendo algo passado de geração em geração, o ato de menstruar se torna uma vergonha e a pessoa, uma pária. Quem nunca precisou pedir um absorvente emprestado e toda a troca ocorreu como se fosse um contrabando? Ou ao invés de avisar que estava menstruando utilizou-se de eufemismos como “estou de chico”? São situações como essas que impedem uma maior abertura sobre o assunto e, consequentemente, auxiliam na perpetuação da falta de acesso a produtos relacionados à menstruação pela população economicamente vulnerável, situação que é conhecida como pobreza menstrual.
O absorvente, considerado um item básico de higiene íntima e presente em todos os banheiros de eventos, não é visto assim por toda a população. Tributado como um produto cosmético e não de higiene, o elemento não é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que impede pessoas de baixa renda de ter acesso a eles. Segundo o Impostômetro, sustentado pela Associação Comercial de São Paulo, o absorvente possui uma tributação média de 34,48%, o que pode ser comparado com produtos supérfluos como pipoca de micro-ondas, com 34,99%. “A pobreza menstrual, além de ser uma questão de saúde pública é, também, a pobreza de informação e de conversas sobre o assunto menstruação”, aponta Juliane Carrico, organizadora da campanha de arrecadação de itens de higiene pessoal no Casulo Casa Colaborativa, em Ponta Grossa.
Ao longo da vida, são necessárias mais de 8.880 unidades de absorventes por pessoas menstruantes. Segundo o movimento Livre Para Menstruar, parte dos clubes Girl Up para acabar com a pobreza menstrual no Brasil, mulheres que se encontram na faixa etária dos 5% mais pobres – com renda anual de R$ 1.920,00 reais -, precisam trabalhar até 4 anos apenas para arcar com os absorventes utilizados. São nessas situações que pessoas nessas situações arriscam a saúde genital ao improvisar absorventes com tecidos, papéis, sacolas e, em alguns casos, miolo de pão.
A pobreza menstrual no Brasil
Uma em quatro jovens já faltaram à escola por não poderem comprar artigos de higiene pessoal, expõe a pesquisa realizada pela marca de absorventes Always. Isso, de acordo com o levantamento realizado pela Unicef e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), representa mais de quatro milhões de meninas sem acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, variando de produtos como absorventes até banheiros com sabonetes. Além disso, mostra que 900 mil mulheres não têm acesso a água canalizada em seus domicílios.
A Organização Não-Governamental (ONG), Rosas de Luxemburgo, que oferece apoio profissional para mulheres em situação de vulnerabilidade em Ponta Grossa, também contribui na arrecadação de itens juntamente com o Casulo. Considerando que ainda faltam diálogos entre o poder público e a população, o projeto funciona como uma ponte para levar os itens às mulheres em necessidade, sendo as primeiras contempladas aquelas que cumprem pena em regime de monitoração eletrônica, uso da tornozeleira e, também, egressas do sistema penitenciária. “Acreditamos que a quebra do tabu que envolve a pobreza menstrual já é um começo muito significativo. Começar ocupar espaços levando esse debate já é o primeiro passo para dar visibilidade ao tema”, afirmam.
Maria Vitória*, de 18 anos, é moradora de Ponta Grossa e conta com o auxílio de projetos sociais para poder menstruar com liberdade. Dividindo a casa com outras três mulheres, sua mãe, uma tia e uma irmã, Maria relata que já precisou utilizar papel higiênico para poder ir à escola, uma vez que ocorria um revezamento entre as quatro para decidir quem ficaria com o pacote. “Era um sentimento muito estranho ir na casa das minhas amigas e elas terem vários pacotes de absorventes no banheiro. Eu nem sabia que existiam tipos diferentes de absorventes”, expressa. Além disso, ela aponta que a falta de diálogo sobre isso na escola fazia com que ela sentisse vergonha em pedir ajuda da coordenação, visto que o assunto menstruação era praticamente proibido.
Ainda, a jovem explica como a falta de políticas públicas sobre o assunto prejudicou a sua aceitação com o fato de menstruar. “Nunca entendi o porquê não existia a distribuição de absorventes nos postos, mas de camisinha sim. A menstruação não é uma escolha, sexo é”, explica Maria Vitória. Sobre isso, adiciona que esse segredo ao redor da menstruação fez com que ela considerasse algo biológico errado e que não deveria ser comentado fora do ciclo pessoal. Para a voluntária Juliane Carrico, grande parte desse sentimento vem da formulação da sociedade. “Existe muito machismo e patriarcado estruturado onde vivemos. Em algumas culturas, a pessoa no momento da menstruação não pode praticar algumas atividades, porque é algo ‘sujo’”, relata.
Políticas públicas e arrecadações de itens de higiene
A prefeitura de Ponta Grossa, através da Secretaria Municipal de Políticas Públicas Sociais, vai começar um plano de ação de combate à pobreza menstrual. Reunindo-se com lideranças que já realizam esse tipo de ação, passaram a atender a demanda da população de baixa renda e extrema pobreza, por intermédio dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Além de iniciar acordos com o Departamento da Mulher do Governo do Estado, para promover a campanha que prevê a isenção de impostos dos produtos de higiene pessoal e o reconhecimento do item como uso básico da saúde feminina.
O projeto Rosas de Luxemburgo, juntamente com o Casulo Casa Colaborativa lançaram uma campanha de arrecadação de absorventes no mês de maio. No primeiro mês, arrecadaram 3.500 absorventes – o que corresponde a 80 mulheres atendidas. Com isso, a campanha permanece ativa, visto que “ parte do entendimento que a demanda de pobreza menstrual é uma demanda constante na vida das mulheres”, exemplifica Rosas. As doações podem ser feitas através das redes sociais, pela Casulo, pelo Rosas de Luxemburgo, e mais 4 pontos de coleta que toparam participar da campanha, o Terreiro Caboclos da Lei, o Studio Split, Galeria Prette, Studio Élevée e o Vittace Jardim Carvalho.
Imagem: Reprodução.