Lei de Cotas: um passo importante nos horizontes da universidade pluriétnica brasileira

O projeto de Lei que criou uma política de ação afirmativa nas instituições federais de ensino foi aprovado e sancionado pela Presidência da República em agosto de 2012 na forma da Lei 12.711/2012. A Lei estabeleceu a obrigatoriedade da reserva de vagas nas Universidades e Institutos Federais, combinando frequência à escola pública com renda e cor (etnia).

É uma das importantes conquistas no campo de acesso à educação superior por parte de segmentos sociais historicamente excluídos, entre eles os povos indígenas, já que promove a igualdade de oportunidade para todos os brasileiros, na sua ampla diversidade sociocultural e imensa desigualdade econômica. Entretanto, não pode ser vista como um fim em si mesma ou como a salvaguarda de todos os problemas de desigualdade e exclusão educacional no país, como observou à época o professor Gersem Baniwa. “É um ponto de partida para se pensar o enfrentamento mais pragmático das desigualdades associadas à exclusão e discriminação racial, sociocultural, econômica e étnica” afirmava, destacando que “o alcance da Lei depende de ações e estratégias a serem adotados pelo Ministério da Educação e pelas Instituições Federais de Ensino” (LUCIANO, Gersem José dos Santos, Museu Nacional, UFRJ, 2012).

Na sua reflexão, calcada na experiência como pesquisador e formulador de políticas para a educação superior indígena, lembrava que a Lei vinha para fortalecer experiências pioneiras no processo de política afirmativas na área, tais como os programas de educação tutorial, a formação intercultural de educadores indígenas e os vestibulares diferenciados, através de vagas suplementares. Experiências impulsionadas pela Constituição Federal de 1988 e legislações internacionais, bem como pela iniciativa de professores indígenas, e não-indígenas, para fazer valer o direito à educação diferenciada, como direito coletivo, comunitário.

O acesso institucionalizado aponta, assim, para oshorizontes de uma universidade pluriétnica gestada nos desafios de um campo com importância estratégica para a construção de espaços e experiências de convivência multicultural entre povos indígenas e a sociedade nacional, através da troca de saberes, orientada pela interdisciplinaridade, qualidade e compromisso social com a melhoria de vida das comunidades indígenas.

No processo de institucionalização da Lei de Cotas éprimordial a ligação entre o acesso, acompanhamento e permanência dos estudantes indígenas. Tais trajetórias acadêmicas configuram alteridades coletivas em uma sociedade multicultural, em que é preciso enfrentar práticas discriminatórias, racismo e fazer valer seus direitos, cobrando dos governos a constituição de um Estado diferente que possibilite a igualdade de condições de vida para todos.

Nessa perspectiva, a recente mobilização dos estudantes indígenas e quilombolas contra o anúncio de cortes de Bolsa Permanência, pelo Ministério da Educação, é exemplar.

Após várias manifestações em Brasília, audiências públicas nas universidades e resistência contra qualquer retirada de direito, o MEC garantiu 2.500 novas bolsas para alunos matriculados no primeiro semestre, conforme publicado no site do ministério. A abertura do MEC para o cadastro de novos indígenas é uma conquista dos estudantes indígenas e quilombolas. Contudo, diante da conjuntura de severos cortes orçamentários e dos contínuos ataques aos direitos indígenas e quilombolas, continuam vigilantes e querem que o Programa de Bolsa Permanência* se torne projeto de lei, pois é a condição material para os povos continuarem ocupando e pintando de jenipapo e urucum a academia.

*O Programa de Bolsa Permanência (PBP) é uma ação do Governo Federal, por meio do MEC, em conjunto com vários órgãos, que visa democratizar o acesso e a permanência no ensino superior de estudantes indígenas, quilombolas e daqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Carmem Rejane Antunes Pereira

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