“A pandemia só fez com que as doenças emocionais emergissem dos processos inconscientes”, afirma psicóloga
O último Atlas de Saúde Mental, emitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2021, mostrou que o mundo não alcançou grande parte das metas de saúde mental em 2020, período que se iniciou a pandemia da Covid-19. A meta prevista para programas de prevenção e saúde mental era de 80%, porém apenas 52% dos países cumpriram a meta, ainda de modo relativo e apenas 25% possuem parâmetros para incorporar políticas de saúde mental na saúde primária. Desde então, fatores como o isolamento e a falta de investimentos em saúde pública e recursos humanos ajudaram a piorar esse quadro. Ainda, a Nova Agenda de Saúde Mental para as Américas mostra que as américas são a única região da OMS em que as taxas de suicídio têm aumentado nos últimos anos.
Um dos grupos mais afetados foram os jovens adultos que estão no início de sua carreira profissional, e que devido ao aumento de jornadas estressantes de trabalho (mesmo durante o isolamento), ficaram mais suscetíveis à síndrome de burnout, que tem como característica o esgotamento mental e físico. Sintomas como depressão, estresse, ansiedade e distúrbios de sono são os mais sentidos. Esta é apenas uma das consequências na população. Segundo a psicóloga Joseli Silva, especialista em avaliação psicológica e atuante há 10 anos na área, dificuldades na elaboração de luto diante das perdas, isolamento social, sentimentos negativos em relação ao futuro e lapsos de memórias também fazem parte dos reflexos percebidos na saúde mental pós-pandemia.
Além disso, durante o isolamento, ocorreu a ascensão de plataformas e redes sociais. Embora elas tenham trazido mais informações acerca de diversos transtornos e o reconhecimento de seus sintomas, é necessário cautela no seu uso. Segundo uma pesquisa feita em 2018 pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade, 40% dos brasileiros já fizeram um auto diagnóstico pela internet, uma ação que pode ser prejudicial. De acordo com a psicóloga Joseli, o uso inadequado de medicamentos além de trazer dependência química, pode atrasar um diagnóstico assertivo. Por isso, tratamentos terapêuticos individuais e em grupo e psiquiatria são recomendados.
Sobre a piora de quadros no pós-pandemia, a psicóloga e professora de Psicologia na CESCAGE, Kathleen Van de Riet, diz que o período de isolamento apenas aflorou casos já sensíveis. “A sociedade brasileira já estava doente, acho que isso é um conceito que a gente precisa entender. Já existiam as doenças mentais”.. Ainda, a docente enfatiza que o isolamento, além de ressaltar sintomas existentes, fez com que indivíduos sensibilizados revisassem suas próprias vidas e, por consequência das circunstâncias acentuadas, não pudessem se distrair em ambientes como trabalho ou lazer.
Na busca por tratamento das sequelas deixadas pelo agravamento de quadros no pós-pandemia, Kathleen ressalta que existe uma parcela que procura ajuda, e outra que não. “Isso é também bem geracional. Nós vemos pessoas mais jovens indo buscar ajuda, e nós temos pessoas mais velhas que não buscam essa ajuda psiquiátrica e psicológica”. Além da recusa na procura por profissionais, a psicóloga evidencia a crescente no uso não prescrito de medicamentos psiquiátricos.
Quanto a questões no diagnóstico, segundo a psicóloga, existe um excesso nos diagnósticos de transtornos, em especial a depressão, quando o indivíduo está passando por um episódio depressivo. O transtorno depressivo persistente, como é chamada a depressão, se caracteriza pela longa duração dos episódios depressivos, ultrapassando os dois anos. O diagnóstico precoce pode acarretar na prescrição de uma medicação não apropriada e que, apesar de ter efeitos físicos imediatos, tem consequências como dependência.
“Será que eu consigo, através de outras vias, talvez, gerar tratamentos mais eficientes? Não só a terapia”, questiona a profissional. De acordo com Kathleen, o tratamento integrativo envolve atividade física, sono saudável e boa alimentação.
Kathleen enfatiza que, atualmente, a procura pela saúde mental é de caráter integrativo e não especializado. “Quando a gente fala de saúde mental, ela depende muito da saúde física. Isso é uma coisa que as pessoas não entendem, o nosso cérebro, o nosso corpo, eles estão juntos, a gente trata como se não tivesse”.
Quanto a como anda o mercado da psicologia atualmente, principalmente no cenário da saúde pública, Kathleen afirma que existem medidas positivas, mas que o sucateamento de funcionários públicos é um dos grandes fatores que contribuem para que não sejam sempre efetivos. “A gente tem falta de psicólogo em todas as áreas públicas. Isso não é nenhuma discussão, é um fato”. A psicóloga ainda afirma que as políticas públicas são atendidas de maneira mínima, mas que é importante que elas existam.
A estudante do curso de Serviço Social, Fernanda Moll, diagnosticada com depressão, ansiedade e transtorno de personalidade borderline (TPB), afirma que houve uma piora na sua saúde mental durante a pandemia. O diagnóstico demorou cerca de 2 anos. Seu tratamento é feito através do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), sendo que na pandemia ocorreu de forma online, mas com poucas consultas.
Após a quarentena, Fernanda relata ter desenvolvido crises de pânico, e atribui isso a necessidade prévia de isolamento social e a ideia de que, se saísse em público, estaria em risco. A estudante concorda com a psicóloga Kathleen e reforça que, atualmente, com as sequelas do pós-pandemia, a saúde mental da sociedade como um todo não está bem.
O atendimento público à saúde mental é disponibilizado através do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Em Ponta Grossa, o CAPS-AD (Álcool e drogas), oferta atendimento 24 horas. Cada unidade atende uma necessidade, com serviços para crianças e adolescentes e pessoas com transtornos mentais. Ainda, existe o Ambulatório da Saúde Mental (ASM), no bairro São José. Em caso de ideação suicida, o Centro de Valorização da Vida está disponível durante todo o dia, no número 188.
Ambulatório de Saúde Mental –
Para acesso ao serviço, o usuário deve ser encaminhado pela Unidade de Saúde via SISREG (Sistema de regulação). Horário de atendimento: Segunda a sexta-feira das 07:00 às 17:00 horas. Endereço: Rua Princesa Isabel, 228. Bairro São José, em frente á igreja São José. Fone: 3220-1021 CAPS AD – Um serviço específico para o cuidado, atenção integral e continuada às pessoas com necessidades em decorrência do uso de álcool, crack e outras drogas. Serviço porta aberta, ou seja, não necessita de encaminhamento. Horário de atendimento: Aberto ao público das 07:00 às 19:00 de segunda a segunda. Endereço: Rua Vicente Spósito S/N (ao lado do terminal de Uvaranas). Fone: 3220-1021 CAPS II – É um serviço de atenção diária que atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes e outras situações que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Serviço porta aberta, ou seja, não necessita de encaminhamento. Horário de atendimento: Segunda a sexta-feira das 08:00 às 18:00 horas. Endereço: Avenida Antônio Rodrigues Teixeira Júnior, 229. Jardim Carvalho. Telefone: 3220-1021 CAPS IJ (Infantojuvenil) – É um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Serviço porta aberta, ou seja, não necessita de encaminhamento. Público Alvo: de 3 anos até 18 anos incompletos (17 anos, 11 meses e 29 dias). Horário de atendimento: Segunda a sexta-feira das 08:00 às 18:00 horas. Endereço: Rua Reinaldo Ribas Silveira, 156. Ronda. Telefone: 3220-1021 RAMAL 3. Informações retiradas do site da Fundação Municipal de Saúde. |
Por Bruna Sluzala e Victor Schinato
Infográficos por Bruna Sluzala