Instituído pela ONU em 2007, o Dia Internacional da Democracia é celebrado a cada ano em 15 de setembro.
Profª Drª Fernanda Cavassana

Costumo dizer sempre para meus estudantes que evoluímos vagarosamente. Cada avanço parece resultar da pequena equação de dois passos à frente, um para trás. Há períodos marcados por progressos que se seguem de outros, ainda bem que mais curtos, retrógrados, usualmente reacionários ao progresso anterior, recém alcançado. Assim evoluímos progressivamente enquanto sociedade. Assim também evoluímos enquanto democracia e para institucionalizar essas evoluções.
As democracias modernas só se consolidaram graças às instituições, que tendem a defender não apenas valores como a liberdade, mas também prezar pela real equidade, garantindo que os direitos humanos e cidadãos sejam ampliados e acessíveis a todes. E as nossas, instituições democráticas do Brasil, têm se mostrado fortes, acima de interesses individuais ou comportamentos autocráticos de determinados atores ou grupos políticos. Isso deve ser comemorado, este mês, hoje e todos os dias.
A institucionalização pode ser compreendida como o processo que cria estabilidade e legitimidade a um conjunto de princípios duradouros, estipulados para regular a vida social e política. Trata-se, portanto, de regras, papéis, funções e ações conhecidas pela sociedade e pelos poderes e áreas. É aquilo que é esperado, convencionalmente normalizado para se ter uma estrutura estável. Por isso, nossas instituições não são apenas nossos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ou a Imprensa e Partidos Políticos, embora estes sejam exemplos mais palpáveis e visíveis. As eleições também são instituições da nossa democracia, assim como a nossa Constituição.
Ideologicamente, a Democracia é um projeto de ordem social que visa garantir a distribuição do poder e o tratamento igualitário de seus cidadãos e cidadãs. Para tanto, define direitos e deveres, bem como define como se dará a distribuição da autoridade política para organizar e tornar possível essa sociedade. Enquanto um governo de muitos, espera-se que a soberania seja delimitada pelo povo, embora seja necessário instituir papéis, ritos e funções para que isso se efetive. Por isso, também, somos uma democracia representativa, temos diferentes representantes em diferentes áreas para representar o povo, bem como meios de participar e garantir a manifestação da vontade popular.
Portanto, a participação cidadã também é relevante para a democracia. Temos formas mais institucionais de participação, como o voto, mas também outras formas relevantes de contribuir com a política democrática diariamente. Como monitorar as instituições por meio de seus canais de comunicação ou colaborar com o debate público, por meio de informações e opiniões. Com a Internet, por exemplo, temos a possibilidade de participar de canais mais oficiais como o e-democracia ou acompanhar os perfis em páginas oficiais das instituições, órgãos, coletivos e atores políticos individuais. Iniciativas da sociedade civil também contribuem com o debate democrático qualificado, como o portal Elos, por exemplo.
Contudo, o princípio democrático de liberdade de expressão nunca deve ser confundido como uma autorização de se manifestar sem respeito às regras, às pessoas, à democracia. Ou cometer crimes como calúnia, racismo, homofobia, violências verbais ou pedidos antidemocráticos de retorno à ditadura. O que tem se visto em grau elevado é um uso excessivo e criminoso da comunicação on-line, para ampliar a desinformação e propagar discurso de ódio, inclusive atentar contra nossa democracia. E é isso que tem que ser combatido, pelos meios legais e democráticos. Para isso, nós temos a nossa Constituição.
A Constituição brasileira de 1988 representou o restabelecimento da cidadania e soberania popular no país, que comemora 40 anos de democracia desde o fim da ditadura militar, em 1985. Ela é a instituição responsável por delimitar os direitos fundamentais e a Justiça do país, além de estabelecer as regras que garantam a separação e autonomia dos Poderes de nosso Estado. A atuação independente do Executivo, Legislativo e Judiciário é, pois, relevante para equilibrar e contrapor o Poder e impedir que um se sobressaia sobre os demais. E, ressalte-se, todos eles exercem papéis centrais na garantia de defesa à democracia.
Este ano, o grande exemplo, do Brasil para todo o mundo, é o julgamento de um ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Independentemente do resultado, trata-se de uma resposta institucional relevante, de contrapeso de poder em defesa da nossa democracia.
Jair Bolsonaro é um político brasileiro que, corriqueiramente, atentou contra os Direitos Humanos. Graças à característica de memória das plataformas e acervos digitais é possível recuperarmos e termos acesso a diversas entrevistas, trechos de programas de televisão e rádio, falas no Congresso Nacional – onde esteve por três décadas – em que, explicitamente, Bolsonaro ataca cidadãos e instituições, especialmente as minorias.
Ainda assim, foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil em 2018 e esteve à frente do país até 2022, quando perdeu o segundo turno das eleições por uma margem muito pequena de diferença de votos válidos. Ao longo de seu mandato, incluindo o período da pandemia de Covid-19, enquanto líder e maior representante político do Brasil, manteve comportamentos antidemocráticos, como descaso ataque a minorias, às instituições, a Ciência, a jornalistas e aos veículos de imprensa. Como mostra sua condenação recente, chegando a orquestrar um golpe contra o Estado Democrático de Direito na tentativa de não sair do poder.
A grande visibilidade do julgamento de um ex-presidente e de várias outras pessoas que detinham cargos importantes no primeiro escalão de seu governo se deve por diferentes motivos, é claro. Contudo, ressalto que a maior relevância desse acontecimento se deve a um julgamento contra um Golpe de Estado desde a redemocratização. Isso é histórico, porque demarca a primeira vez em que um ex-presidente e militares de alta patente foram julgados por atentar contra o Estado Democrático de Direito no Brasil. Vale ressaltar que todo o processo de julgamento seguiu os ritos constitucionais, incluindo o amplo direito à defesa.
A condenação de Bolsonaro e de seus aliados foi consequência de um ataque constante desse grupo às instituições democráticas – incluindo aí as eleições e o Poder Judiciário – e arquitetado por meio de diferentes estratégias ao longo dos últimos anos. Exploraram, inclusive, o aparato estatal, por meio de diferentes órgãos e cargos. O ataque às sedes das instituições em Brasília, em 08 de janeiro de 2023, não foi isolado, mas consequência de estímulos constantes para que se tentasse efetivar o maior golpe contra a Constituição, os três Poderes e o resultado das eleições desde a redemocratização.
Enquanto país, conquistarmos essa condenação é uma vitória histórica das nossas instituições democráticas. Responsabilizar diretamente pela primeira vez no Brasil, agentes do Estado que atentaram de forma sistemática contra a democracia é provar que ninguém está acima da lei. É reconhecer um dos princípios mais legítimos da nossa democracia, que é a igualdade. O que não vale só para os direitos, mas também deveres cidadãos.
Sobre a autora:
Fernanda Cavassana é Doutora em Ciência Política (UFPR), Jornalista (UEL), Professora de Humanidades Digitais no curso de Comunicação e Multimeios da UEM. cavassanaf@gmail.com