Discussão sobre aborto não pode ser interrompida por mentiras e distorções

Imagine entrar em seu perfil no Facebook, Twitter ou Instagram e topar com milhares de comentários agressivos, xingamentos e até ameaças. Tudo por causa de uma postagem com informações verdadeiras, retiradas de fontes confiáveis como a ONU (Organização das Nações Unidas) e as leis brasileiras. Pesado, não?

Aí você descobre que as pessoas não estão falando da sua publicação. Elas estão te atacando porque alguém mentiu sobre seu texto, dizendo que é algo diferente do que ele de fato é.

Foi o que aconteceu há alguns dias com as jornalistas da revista AzMina. Depois de o site publicar uma reportagem sobre aborto, as contas da revista, das repórteres e das editoras nas redes sociais receberam enxurradas de mensagens. De xingamentos (que nem dá para reproduzir sem tornar este texto impróprio para menores) até acusações de crime e ameaças.

O texto da revista traz apenas informações, como qualquer reportagem. Informa quais são as condições em que a lei brasileira permite fazer um aborto e quais são as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS, um órgão da ONU) para a realização de um aborto seguro. Simples e claro.

Só que a reportagem virou munição para influenciadores digitais que se dizem defensores de valores familiares. Em postagens cheias de exclamações e indignação, bradaram a seus milhares de seguidores que a reportagem de AzMina é “propaganda do aborto”, um “manual de como fazer aborto”.

Daí para as jornalistas virarem “defensoras do assassinato de crianças” e “criminosas” merecedoras de todo tipo de ofensa foi um pulo. Não importava mais que o texto da revista não diz que as mulheres devem abortar, não ensina a fazer um aborto nem manda ninguém assassinar criança alguma.

Não importou nem para a ministra dos Direitos Humanos, que usou seu Twitter para acusar as jornalistas de criminosas e usou o cargo para encaminhar uma denúncia sem sentido ao Ministério Público Federal.

O aborto é um tema espinhoso. Há quem seja contra em qualquer hipótese, há quem ache que deve ser permitido só em alguns casos, há quem defenda que seja liberado para quem quiser. Em meio a isso tudo, é fundamental lembrar: trata-se de um assunto de saúde pública, mais do que de crenças pessoais.

Mulheres que foram estupradas e que podem fazer aborto de acordo com a lei não têm acesso a esse serviço na rede pública e apelam a receitas caseiras, remédios ou outros métodos que podem deixá-las doentes ou até matá-las. As complicações por abortos realizados sem apoio médico adequado custaram cerca de R$ 500 milhões para o SUS em 10 anos. É questão de política pública, de interesse de todos.

Justamente por isso, o aborto precisa ser discutido. E só é possível fazer bons debates com informações como as publicadas pela AzMina e outros veículos jornalísticos. Mas se grupos e pessoas distorcerem fatos para gerar ataques aos jornalistas sempre que meios de comunicação tocarem nesse assunto, a discussão é que será abortada. Junto com a saúde pública de qualidade para todas as mulheres.

Marina Iemini Atoji

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