Colunista Pedro Fauth Miranda
É sabido por todos que a educação deve ser uma política prioritária para um país que pretenda ter trabalhadores qualificados, cidadãos responsáveis e uma sociedade social e economicamente bem desenvolvida. A cada eleição, o tripé educação, saúde e segurança volta à boca dos candidatos, fazendo o povo acreditar que este ou aquele irá, de fato, concretizar a velha frase de Stefan Zweig – “o Brasil é o país do futuro”.
O Governo atual foi eleito, dentre outros elementos, pelo discurso a favor da “Escola sem partido”, colocando-se contrário à ideologização dos alunos. Contudo, torna-se cada vez mais evidente que a contrariedade se dá, apenas e tão somente, em relação às ideologias que se oponham ao Governo. Tanto é assim que, no dia 25 de fevereiro de 2019, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), sob chancela de Ricardo Vélez Rodríguez, enviou às escolas um e-mail, requerendo que os responsáveis pelas mesmas gravassem os alunos cantando o hino nacional diante da bandeira, além da leitura, aos estudantes, de uma carta escrita pelo ministro cujo texto terminava com o slogan de campanha de Bolsonaro, qual seja: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”
As inúmeras violações jurídicas deste pedido são tão evidentes que a simples leitura de dois dispositivos legais já as comprova facilmente:
Constituição Federal: art. 37, § 1º. A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Estatuto da Criança e do Adolescente: art. 100, Parágrafo Único, V – a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada.
De fato, as ilegalidades do pedido – além das reações majoritariamente contrárias – fizeram com que, menos de uma semana depois, o MEC já tenha recuado da medida – atitude, aliás, que vem se tornando regra deste Governo, haja visto os outros vários recuos de, por exemplo, Ricardo Salles, Sérgio Moro e do próprio Jair Bolsonaro.
Ocorre que, não obstante seja preocupante que um dos mais importantes Ministérios tenha feito um requerimento violador tanto das regras publicitárias de políticas sociais, como dos direitos da personalidade dos estudantes, é igualmente necessário apontar a própria ideologia por detrás do pedido.
Para tanto, vale analisar a manifestação da líder do Governo no Congresso Nacional, Joice Hasselmann, sobre o assunto:
TERREMOTO! MEC enviou e-mail pedindo às escolas q cantem o HINO NACIONAL no 1º dia da volta às aulas. Sugeriu q as crianças sejam filmadas. Já podem imaginar o MIMIMI! É crime resgatar nossa identidade e valorizar os SÍMBOLOS NACIONAIS? Este é o novo MEC, este é o BRASIL de volta!
À parte o fato de a representante considerar puro “mimimi” os direitos à privacidade dos alunos, é necessário destacar o mencionado resgate à identidade e valorização dos símbolos nacionais, os quais, inclusive, também constam do texto constitucional: Art. 13, §1º. São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais.
Ora, é inegável que o respeito aos símbolos nacionais faz parte da cidadania, mas tal atitude não é sinônimo de um ufanismo cego. A História nos mostra quais as consequências de uma devoção sem questionamentos à pátria, considerando que o povo de uma nação é mais importante que outro.
É preciso compreender, por exemplo, o porquê de termos adotado uma frase positivista em nossa bandeira – “Ordem e Progresso” – e o que ela significava naquele tempo, bem como as suas consequências para hoje. No mesmo sentido, fazer uma criança simplesmente cantar o hino nacional, sem que ela o compreenda, é tão eficaz quanto obrigá-la a ouvir os pais sem o reconhecimento do valor de suas lições. Afinal, o que significa “lábaro que ostentas estrelado”? No penúltimo verso, o filho teu adora a pátria ou a própria morte? E que igualdade é essa, conquistada a braço forte, segundo a qual, 7 em cada 10 alunos do Ensino Médio têm nível insuficiente em português e matemática; quase 50% das escolas públicas não possuem bibliotecas; e a evasão escolar atinge muito mais pobres e pretos?
A simples veneração a símbolos nacionais não fará estes números melhorarem. Ao contrário, tais atitudes retiram da educação o seu poder crítico e transformador, porque é dela que deve nascer o questionamento da realidade. E, portanto, cabe aos brasileiros indagarem, sempre e constantemente – qualquer que seja o Governo, o período histórico, a ideologia dominante ou a conjuntura presente – se este é o Brasil desejado, fazendo com que o nosso “futuro espelhe essa grandeza”.