Espelho, espelho meu! _Quem sou eu? Identidade Racial e Cotidiano Escolar

A nossa existência é marcada por inúmeros questionamentos. Podemos afirmar que talvez o mais latente e presente em nosso cotidiano diz respeito à nossa identidade. Nesse jogo de mostrar e esconder, de anulação e silenciamento nos deparamos com ela. Essa identidade cujo amadurecimento é tão lento num processo contínuo de descobertas acerca de nós mesmos e dos outros. Hall (1987) salienta que nossa identidade está em constante transformação ela se afirma sobretudo na relação com o outro, o diferente.

Nos espaços coletivos, como as escolas, esta relação com o diferente se dá de forma muito latente já que os adolescentes imersos neste mundo de consumo desenfreado tomado por chapinhas e alisantes, direcionados para um ideal de beleza centrado na branquitude, ser negro é ser ousado. Crescemos numa sociedade em que o silenciamento era arma de sobrevivência. Este silenciamento tenaz não simbolizava a ausência de tensões raciais no Brasil, ao contrário, as questões raciais eram varridas para debaixo do tapete. Um tapete fofo e grande que escondia e esconde as tensões existentes no espaço escolar.

É preciso que os professores rompam o silêncio da desigualdade, do mal estar gerado por situações em que o preconceito é evidenciado em sala de aula. É preciso ter clareza que não se pretende aumentar o fosso da desigualdade, apenas indicar/mostrar como ele se manifesta e ainda, elaborar estratégias para lidar com as questões raciais na escola. A percepção destes silenciamentos, dos risos e comentários preconceituosos integra o trabalho do professor. Contudo, este sujeito precisa intervir nestes momentos de modo que os alunos e alunas afro-descendentes reconheçam sua ancestralidade e não a escondam embaixo do tapete do preconceito e da vergonha de si.

É preciso que as meninas e meninas se apoderem de seus corpos como espaço de liberdade de ser e existir que os cabelos crespos, encrespam-se mais e mais e que a tez preta marque o território de resistência dos que vieram antes, de longe. Meu corpo é território da liberdade, a liberdade de ser, de existir, de resistir, de contar e recontar outras histórias. O corpo, é território a ser descoberto, lido e interpretado, vivo onde se inscrevem histórias diversas. Sobre minha pele preta inscrevem-se trezentos anos de luta e resistência do povo negro banhada pelo sangue de Zumbi dos Palmares, com a força e altivez da rainha Nzinga. Neste corpo encontra-se a força e a garra dos Joaquins e Joaquinas e outras tantas Marias e Dandaras.

Contudo, a chama da resistência está difícil de se manter. A comemoração do dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, previsto em calendário escolar foi silenciado nas escolas, as

oficinas, palestras e demais atividades outrora realizadas sucumbiram-se ao açoite das demandas finais do ano letivo em que se estabeleceram novembro para a finalização das atividades avaliativas. Os momentos de afirmação de identidades, subjetividades transformou-se numa caça desenfreada por alunos, notas, provas e trabalhos. Os trabalhos envolvendo a escola ficaram restritos às atividades individuais, solitárias de alguns professores. Essa sobrecarga de trabalho pode indicar outra coisa. Seria esta uma maneira de levar o corpo docente à exaustão para tirar-lhes a capacidade de reflexão sobre sua ação pedagógica e/ou impedir que este espaço, a escola, seja ressignificado como espaço de luta e resistência dos grupos marginalizados socialmente?

Em momentos de nó na garganta, o grito por igualdade é sufocado. A sobrevivência se faz com passos firmes, mais temerosos. Cada vez mais parece ser imperioso “pisar neste chão devagarinho” como cantou Dona Ivone de Lara.

Por Maria Antônia Marçal
Professora de História da Rede Estadual de Educação, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe uma resposta