Escrevo este texto a três dias do segundo turno das eleições de 2018, e só tenho certeza de uma coisa: Já perdemos. E não digo isso a partir de um ponto de vista partidário. Não, afirmo isso com a indubitável certeza (e tristeza) de que não importa qual seja o candidato a vestir a faixa presidencial pelos próximos anos, perdemos todos, porque o debate político civilizado no Brasil não é mais a regra. E sem ele, a democracia e os direitos humanos tendem a, no mínimo, se esvaziarem de seu sentido mais profundo: o coletivo.
Porque a política e o direito não funcionam – ou, ao menos, não deveriam funcionar – apenas para um indivíduo ou um grupo específico. Devem ter como horizonte todos nós, todos os seres humanos enquanto sociedade, pela interdependência que nos conecta. A título de exemplo, se um empregado for demitido de seu trabalho, poderá mais facilmente se recolocar no mercado de trabalho quanto maior for seu nível de escolaridade, o que ajudará a economia – e, assim, o país – como um todo.A efetivação ao direito de um, no caso a educação, acaba por auxiliar a todos.
E é exatamente pela incompreensão do caráter coletivo da política e do direito, elevada a níveis absurdos nestas eleições, que eu me preocupo. No 1º lugar nas pesquisas, há um candidato à Presidência da República se recusando a comparecer aos debates¹, e que afirma o seguinte: “as minorias têm que se curvar para as maiorias”². Em 2º, há o candidato cuja legenda parece insistir numa política quase unipartidária e que, até alguns dias atrás, mais parecia um mero interlocutor do ex-presidente Lula³ – que, (des)méritos da condenação à parte, encontra-se encarcerado em Curitiba.
Isso não significa, por óbvio, que ambos os candidatos são iguais. Não são. Jair Bolsonaro é, claramente, preconceituoso e reconhece ser ignorante em vários assuntos de ordem econômica, sem contar seu parco capital político⁴. Fernando Haddad, por outro lado, tem mais desenvoltura política e demonstra mais empatia que seu opositor (o que não é uma tarefa difícil, convenhamos); porém, tem no próprio partido o seu “calcanhar de Aquiles”.
Mas ainda que tenham propostas muito diferentes e projetos antagônicos, é impossível não constatar: ambos os eleitores têm muitas semelhanças, dentre as quais uma certa aversão aos opositores, enxergando o “lado de lá” de forma homogênea. Para vários eleitores do PT, todo aquele que vota no Bolsonaro é fascista e preconceituoso. Já segundo inúmeros cidadãos favoráveis ao ex-capitão do Exército, o eleitor do Haddad é um “petralha bolivariano” a favor da corrupção.
Ora, milhões são os eleitores tanto de um como do outro candidato e, portanto, qualquer generalização é falha. Para todo o eleitorado brasileiro, os principais problemas do país, em ordem decrescente, são saúde, violência, corrupção, desemprego, e educação5. O que muda é a forma como cada cidadão busca as respostas a tais problemas, adequando-se, segundo suas percepções, ao candidato que melhor se harmoniza a estas preocupações.
Assim, todos os eleitores, a princípio, buscam um país melhor, mas o nosso preconceito sobre o outro nos permite enxergar apenas o que pensamos existir. E é óbvio notar que esta ideia preconcebida acerca do outro também existe em relação às notícias. Supostos fatos estapafúrdios viralizam em questão de horas e, não por coincidência, inúmeros são os sites voltados à checagem destes, nesta “terra cibernética sem lei”.
Recentemente, ao criticar o PT, Mano Brown disse algo que, em verdade, cabe a boa parte de todo o eleitorado nacional: “a cegueira que atinge lá, atinge a nós também”. Passamos a enxergar somente o reflexo de nossas próprias experiências e preconceitos, esquecendo-nos que, depois de findas as eleições, todos continuaremos brasileiros, morando no mesmo país, sob um mesmo governo. Parece, aliás, que nas eleições de 2014 não nos atentamos a tais fatos e, desde então, a polarização só fez aumentar.
O caráter coletivo da política e do direito precisa ser retomado, de forma que possamos conversar todos e, mesmo sem chegar a um consenso, consigamos nos respeitar, civilizadamente. Porque o (pseudo)argumento de que “a culpa não é minha, eu votei no(a) candidato(a) X ou Y” resume nossa democracia às eleições, nos desresponsabilizando da continuidade dos rumos políticos da nação. Enfim, quero enxergar na sociedade um caráter coletivo, e fazer parte dele. Espero que voltemos a ganhar todos juntos, qualquer que seja o resultado eleitoral. Porque, por ora, ainda estamos perdendo…
Boas eleições. E um ótimo país pra todos nós.
Pedro Miranda.
25 de outubro de 2018.
[2] https://istoe.com.br/frases-de-bolsonaro-o-candidato-que-despreza-as-minorias/
[4] Nunca disse que o texto seria imparcial. Mas espero conseguir manter a objetividade. Fica ao leitor o julgamento.