Quando entrevistei Maria Aline fundadora da associação Florescer, para as gravações do meu Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo, lá em 2017 – a série de micro documentários “Mãe que Luta” – ela descreveu sua primeira experiência com óleo de canabidiol (CBD) como mágica. “O Vitor passou de quase 200 crises diárias para cinco, depois duas” – frase obtida durante as gravações da série de microdocs Mãe que Luta, 2017. Link: https://www.youtube.com/watch?v=wo0FzHYjL8U
Ela encontrou na planta uma nova vida para seu filho, diagnosticado com a Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) ou encefalopatia epiléptica da infância, uma síndrome pediátrica persistente que acomete 1 a 4% (Fonte: SÍNDROMES EPILÉPTICAS NA INFÂNCIA. UMA ABORDAGEM PRÁTICA; Paulo Breno Noronha) das epilepsias da infância, provocando crises que persistem a fortes medicamentos. E o que parecia mágica deu início a Associação Cannábica de Ponta Grossa – a Florescer. A associação propõe a circulação de informações, realização de palestras e eventos educativos quanto ao uso medicinal, recreativo, redução de danos no cenário da criminalização e apoio em assuntos legais
O óleo de canabidiol (CBD), extrato da maconha que não possui efeito psicoativo, manuseado e extraído por Maria Aline, vem da planta cannabis sativa e pode ser utilizado para Epilepsia; Esquizofrenia; Esclerose Múltipla; Mal de Parkinson; Autismo; Insônia; Ansiedade e outras enfermidades que afetam o sistema nervoso.
Este medicamento despertou um interesse significativo no desenvolvimento de terapias e outros produtos de consumo derivados da cannabis e seus componentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece as potencialidades que a cannabis e seus derivados podem oferecer, recomendando às Nações Unidas que as preparações de CBD puro sejam retiradas do regime proibitivo, onde está com seu irmão Tetrahidrocanabinol (THC – componente psicoativo da cannabis).
Em junho de 2018 o Comitê de Especialistas em Dependência de Drogas (ECDD) da OMS avaliou rebaixar para para o cronograma 1 (remoção total da lista de drogas que causam dependência) derivados de cannabis não THC, que atualmente é controlada em um nível internacional. Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizou uma consulta pública para “favorecer a produção nacional de terapias feitas à base de Cannabis com garantia de qualidade e segurança, além de permitir a ampliação do acesso da população a medicamentos”.
Mas porque o CBD ainda vive na sombra de seu “parente” psicoativo? O Canabidiol é uma das 400 substâncias contidas na maconha. No entanto, especialistas como Rafael Santos questionam a extração feita de forma manual, comparando a ao único medicamento contendo CBD com a venda facilitada no Brasil – o Mevatyl. Em trecho da entrevista concedida ao projeto SEMEAR, ele diz – “é difícil saber a procedência da semente utilizada (ainda que importada), se ela contém algum químico, aditivo, bactéria, fungos, metais pesados e, principalmente, a concentração dos canabinóides. Há uma diferença entre a padronização feita em laboratório, com todo um conhecimento especializado […] e um extrato caseiro, que apesar de ter um efeito terapêutico, não possui controle de qualidade.”
Como o valor do Mevatyl chega a quase 3 mil reais, as famílias que utilizam o medicamento com a finalidade medicinal, estão, de acordo com Rafael, sujeitas a pequenas doses de THC. Este componente psicoativo, por sua vez é marginalizado no Brasil desde o século XIX, com um histórico enraizado em questões raciais e a mazelas sociais.
Criminalização enraizada nas mazelas sociais
A planta emerge como um potencial medicinal e divino há 2700 anos a.C, quando o imperador chinês Shen Nung manuseava a planta como um chá feito para tratar a falta de memória e reumatismo. Seu potencial anticonvulsivante foi reconhecido em 1839 no artigo INDIAN HEMP, OR GUNJAH – escrito pelo químico e pioneiro nos estudos da cannabis William O’Shaughnessy Brooke. No entanto, é no século XX, tempos de crescentes reviravoltas sociais, que a maconha é criminalizada mundialmente e têm até mesmo seu viés de pesquisa no campo da medicina interrompido.
Atribui-se aos Estados Unidos o pontapé da ilegalidade atribuída ao consumo da então popularizada – maconha. A Lei Seca, nos anos 20, proibia a produção e comercialização de bebidas alcoólicas, popularizando então psicoativos como a maconha, cocaína e ópio. Mas antes da criminalização apoiada na Lei Seca americana, a primeira cidade do mundo a penalizar o uso da planta foi o Rio de Janeiro, em outubro de 1830 penalizando escravos e negros que fumassem maconha em pequenos cachimbos de bambu com uma cuia de barro – utensílio chamado de “pito do pango”, que acabou se tornando o nome da lei proibitiva. As raízes racistas da proibição eram apoiadas na racionalização de que ‘vícios do povo’, tal qual o candomblé e a capoeira, fossem apropriados pelas famílias de ‘boa índole’ – as distanciando ainda mais do modelo de civilização europeu.
Neste contexto a cannabis e suas propriedades medicinais foram negligenciadas durante anos. O ressurgimento (visibilidade) dos estudos em relação a maconha tem alta com o argumento de que a legalização colocaria fim ao narcotráfico, que movimenta com a venda da maconha, só no Brasil cerca de R$ 6,68 bilhões, fator que contrapõe-se com o valor de mercado especulado pelo consumo legal no contexto do capitalismo.
Por Anna Cuimachowicz