Arquitetura hostil em Ponta Grossa: cidade para quem?

 

Mesmo com lei que proíbe, é comum encontrar locais com elementos urbanos que impedem uso público

Gradil, pontas de metal, bancos com divisórias, blocos de concretos e cercas: esses são alguns dos elementos urbanos criados para evitar a circulação,  permanência e o uso público de determinados espaços, principalmente para pessoas em situação de rua. Esse conjunto de técnicas, medidas e construções é chamado de arquitetura hostil. O Estatuto das Cidades, a lei Padre Júlio Lancellotti nº 14.489/2022, proíbe esse tipo de construção e estabelece a retirada dessas estruturas. 

Em Ponta Grossa, são encontrados exemplos em vários pontos da região central e do comércio, como no Clube Ponta Lagoa, localizado na rua Marechal Deodoro da Fonseca; no Banco Itaú, na rua Dr. Colares, nos Correios, que fica na rua Augusto Ribas, entre outros locais. 

Clube Ponta Lagoa Foto: Pietra Gasparini

A arquitetura hostil não afeta apenas pessoas que estão em situação de rua, mas também dificulta a acessibilidade de todos que fazem uso dos ambientes públicos, tornando a cidade excludente. Situações do cotidiano são  impactadas por esses elementos hostis, como explica a professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicesumar, Andressa Woytowicz Ferrari. 

“Em paradas de ônibus, por exemplo, a falta bancos para evitar a longa permanência de pessoas em situação de rua impede o descanso de pessoas idosas, mães com crianças, ou qualquer um que precise deste apoio”, pontua, complementando que mesmo elementos que inicialmente não são julgados como hostis, como muros altos de condomínios residenciais, retratam hostilidade e são sinais claros de segregação social que dividem  e tornam os espaços públicos impessoais. 

A professora ressalta que a arquitetura hostil não é apenas um aspecto físico, mas um problema social, econômico e político que precisa ser analisado de forma mais profunda. “A arquitetura hostil leva a sociedade a normalizar a hostilidade, pensar que é algo natural e que podemos ser cada vez menos empáticos uns com os outros”. Por isso, ela entende que os espaços públicos precisam ser pensados para todos, para que a segregação social seja evitada e combatida.  

De acordo com a defensora pública e vice-presidente da Associação dos Defensores Públicos do Paraná (ADEPAR), Ingrid Lima, o objetivo dessas construções hostis é afastar a população em situação de rua dos espaços comuns, e isso se caracteriza como aporofobia, um conceito para designar a aversão a pobres. “A aporofobia está totalmente ligada a políticas públicas que excluem as pessoas em razão da sua condição de pobreza. O intuito dessas construções é que essas pessoas não sejam vistas e sejam cada vez mais afastadas dos locais de convívio da comunidade”, afirma.

A profissional cita o programa Moradia Primeiro como uma das soluções efetivas para que o número de pessoas em situação de rua diminua. O projeto é uma iniciativa do governo federal baseado no modelo Housing First (Casa Primeiro),  originalmente desenvolvido nos Estados Unidos, e que atualmente possui dois projetos pilotos no Brasil: um em Curitiba, no Paraná, e outro em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. 

Com a proposta de oferta de moradia, o projeto conta com serviço de assistência social e saúde. Além disso, propõe que essas pessoas sejam acompanhadas por equipes multidisciplinares para que possam se restabelecer. Em Ponta Grossa, existe o Ministério Melhor Viver que busca o acolhimento e ressocialização de pessoas em situação de rua, visando restaurar a dignidade através da oferta de oportunidades. 

De acordo com dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos, em 2023, foram registradas 570 pessoas em situação de rua em Ponta Grossa. Segundo Ingrid Lima, para que essa situação seja resolvida, a construção de políticas públicas efetivas que envolvam áreas sociais básicas, como saúde, educação, e emprego são fundamentais. 

 

A defensora pública ressalta que a sociedade precisa compreender que existem inúmeras vulnerabilidade além da pobreza, como vínculos familiares interrompidos e questões de saúde. Ao entender isso e construir essas políticas públicas, é possível ter um olhar mais humanizado para essa população.

 

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