Neste ano, duas vereadoras sofreram afrontes dentro da Câmara Municipal de Ponta Grossa ao usarem a tribuna
Mesmo na segunda década do século XXI, o patriarcado e o machismo institucionalizado são barreiras duras que as mulheres enfrentam no campo da política. Insultos e desrespeitos são discursos destinados às mulheres em meio a um sistema social marcado por preconceitos no Brasil.
A historiadora Michele Rotta, professora do Colégio Estadual Professora Linda Salamuni Bacila em Ponta Grossa, considera que o tratamento discriminatório para as mulheres tem origem histórica. “São as heranças históricas da sociedade forjadas a partir do praticado. O homem e o homem rico decidiam sobre o futuro da sociedade brasileira. Essas marcas não se diluem tão rápido”, analisa. Ela observa ainda que, em um contexto mais recente, é o machismo estrutural que está permeado nas relações familiares e no trabalho. “O machismo é uma ideia colocada em prática que não está só nos homens, está nos homens e também nas mulheres porque isso está constituído na sociedade”.
Os desafios para as mulheres eleitas para um cargo público permanecem após as eleições. Segundo a professora Camilla Tavares, do curso de Jornalismo e do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, há um processo de construção de estereótipos que precisa ser enfrentado. “As mulheres, depois de atravessarem todas essas barreiras e serem eleitas, encontram outras questões que fazem com que a mulher não seja vista como um ser que pertence a essa classe política. Ela é vista através de estereótipos de pessoa que cuida, de fragilidade, que não pertence de fato a esse lugar”.
Durante a sessão da CPI da Pandemia realizada em 5 de maio, senadores governistas discutiram devido ao fato do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), permitir que a bancada feminina questionasse o ex-ministro da saúde Nelson Teich antes dos senadores titulares da comissão. Dentro os 11 membros, nenhuma é mulher, o que não impede que as senadoras questionassem os depoentes da CPI.
Por não aceitar que a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) da bancada feminina falasse antes dos demais integrantes, o senador Ciro Nogueira disse: “Não ficou definido em momento nenhum. Ninguém respeita mais as mulheres do que o meu partido. Agora, se foi um erro das lideranças não indicar as mulheres, a culpa não é nossa”.
Outro caso de diminuir a mulher ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP). No final de dezembro do ano passado, a deputada estadual Isa Penna (Psol) foi assediada pelo deputado Fernando Cury (expulso do Cidadania) durante uma sessão de orçamento para o estado de São Paulo na ALESP.
A deputada Isa Penna estava de costas para os demais deputados conversando com o presidente da Assembleia. Fernando Cury chegou por trás da deputada apalpando os seios. A reação da deputada foi afastar o braço de Fernando. Atualmente o deputado está afastado do seu cargo sem direito a salário.
A professora de Sociologia Soraya Pink, do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen em São José dos Pinhais, explica que essa situação também é um assédio moral. “Esse caso de São Paulo é muito mais que um assédio, é uma coação, um assédio moral. Eu sou homem, eu sou maior. Existe essa idéia de que o homem é superior. Por causa disso temos a cota de 30% para mulheres para tentar diminuir essa desigualdade política”.
Luta e sororidade
No dia sete de abril, a vereadora Joce Canto (PSC) usou da Tribuna da Câmara para falar sobre o valor a ser pago do vale-mercado em Ponta Grossa em debate da sessão. Na sequência, o vereador Daniel Milla (PSD) usou o adjetivo “descontrolada” para se referir à fala da parlamentar. Joce Canto descreve a situação como desmerecimento e diz que nenhuma mulher pode se calar. “Vejo isso como uma forma de desmerecimento de uma parlamentar eleita democraticamente. Todos têm direito a ter voz. Nós mulheres temos uma luta ainda maior para podermos ser ouvidas, tivemos a luta para votar e ser votadas”. Para ela, quando uma mulher levanta a voz, isso soa como um descontrole e desrespeito. “Estamos aqui para lutar pelo nosso direito de ter voz em qualquer tom. Mulher pode tudo, menos se calar”, ressalta.
A vereadora Josi do Coletivo do Psol usou de seu discurso para defender a parlamentar. “Desde o nascimento nós somos tolhidas e quando cresce, ela é histérica, é descontrolada, precisa de remédio controlado. Se a Joce Canto, se eu, se a Missionária Adriana falamos com energia, não podemos ser chamadas de descontroladas, de histéricas. A mulher pode falar com energia sim”, defende Josi.
Em relação ao discurso, Daniel Milla (PSD), presidente da Câmara de Vereadores, disse que iria denunciar a parlamentar na Corregedoria da Câmara, alegando que o discurso contra o machismo institucionalizado seria voltado a ele.
A professora Camilla Tavares explica que essas situações ocorrem devido à presença cada vez maior das mulheres em espaços públicos. “Estamos tendo uma mudança em um espaço majoritariamente masculino, agora tem mulheres ocupando esses espaços. Estão os homens tem seu espaço tensionado por outras pessoas que representam outros grupos”, explica.
De acordo com a professora, os embates chamam a atenção para as dificuldades que se colocam para as mulheres. “A sociedade é machista, a sociedade é patriarcal porque não enxerga a mulher como um ser político num espaço público. É uma dificuldade que enfrentamos, mas que estamos avançando aos poucos”, analisa.
A vereadora Missionária Adriana (SD) foi procurada para relatar sua experiência como parlamentar na Câmara Municipal de Ponta Grossa, mas não deu retorno até o fechamento desta reportagem.