Manifesto solidário às famílias desalojadas de ocupação cobra política habitacional da Prefeitura de PG e esclarecimentos sobre operação policial

Quem determinou uma operação policial, sem processo e autorização judicial, com
cerca de 200 soldados, em poucas horas, para desocupar área tomada por famílias de
sem casa? Foi exatamente isso que aconteceu no primeiro fim de semana de
Fevereiro na cidade de Ponta Grossa (PR). Em reconhecimento ao direito
constitucional à moradia e em repúdio ao descumprimento da decisão do Supremo
Tribunal Federal, que suspende os despejos e remoções durante a pandemia,
manifestamos nosso apoio às famílias desalojadas por uma ação policial e exigimos
resposta do poder público a respeito do caso.
No fim da tarde do dia 4 de Fevereiro de 2022, cerca de 60 famílias sem casa
ocuparam uma área da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), da Prolar e de
propriedade particular, no Parque dos Sabiás, bairro Cará-Cará, em Ponta Grossa,
parte do referido terreno, até 2021, pertencia à Prolar (Prefeitura de PG), de acordo
com apuração e informações veiculadas na mídia local. A ocupação foi coordenada
pela Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL).
Poucas horas depois, às 4 horas da madrugada do sábado (5/02), quando as famílias
dormiam sob lonas, aproximadamente 200 policiais cercaram a área, desmontaram as
barracas e retiraram as famílias do local. Os ocupantes sequer conseguiram registrar a
ação policial pois, segundo relatos, tiveram celulares apreendidos pela polícia. O
coordenador da FNL em Ponta Grossa, advogado Leandro Dias, que inclusive teve o
aparelho celular apreendido durante a operação (e sem condições de acionar a OAB),
foi detido e, no batalhão da PM, assinou termo circunstanciado, sendo liberado na
manhã de sábado. De acordo com informações divulgadas na mídia local, a polícia foi
acionada por representantes da administração municipal de Ponta Grossa e do
governo do Estado. No entanto, não há processo público sobre tais autorizações.
Em primeiro lugar, é preciso cobrar providências diante do crescente problema de falta
de moradia no Estado e em Ponta Grossa, onde a situação se agravou durante a
pandemia. A própria Cohapar, em Fevereiro de 2021, reconhece um déficit
habitacional de 23 mil unidades só em Ponta Grossa. Esse número coloca a Cidade
em quarto lugar no Estado entre os municípios com maior déficit de moradias no
Paraná (atrás apenas de Curitiba, Londrina e Paranaguá). A estimativa estadual é de
que faltam cerca de 512 mil unidades para famílias paranaenses e a carência de
moradias em PG representa 12,82% do déficit total do Estado.
Os registros documentais confirmam que, em Ponta Grossa, não existe projeto de
habitação popular pela administração local, há cerca de 10 anos. Como se vê, o
problema não é de agora, mas se agravou com a pandemia, que piorou as condições
de vida da maioria da população pobre. Não custa lembrar que o grupo político que
administra a Cidade repete a promessa de um condomínio para idosos em Ponta
Grossa em disputas eleitorais desde 2016 (também em 2020) e, até o momento, não
teve nenhuma iniciativa concreta que amenize o problema habitacional também aos
idosos na Cidade.
É, igualmente, inaceitável que os responsáveis pela gestão pública na Cidade e no
Estado tratem o problema socioeconômico da falta de moradia como um caso de
polícia e que precisa ser resolvido sem aval judicial, em operações noturnas, às 4h da
madrugada, quando as pessoas que sequer têm um teto para morar precisam sair em
busca de outro espaço para abrigo.
O acesso à moradia é um direito humano fundamental, com previsão constitucional,
artigo 6º, em que se exige a ação do poder público para dar efetividade a esse direito.
Na omissão do poder público, os movimentos sociais agem. Se a Prefeitura e o
Governo PR não resolvem o problema da moradia, o que justifica
criminalizar famílias que lutam pelo reconhecimento desse direito?
Num dos momentos mais delicados da história da humanidade em que os mais
vulneráveis se viram literalmente na sarjeta, na rua e no desespero, a resposta do
poder público municipal seria resolver o drama das famílias, de refugiados
venezuelanos, de crianças, por meio de uma ação da Polícia? Os problemas sociais
serão pautados pelo Estado policialesco? E a cidadania, a solidariedade, a dignidade
humana em que escala estariam nesta ótica administrativa?
Por tudo isso, denunciamos as precárias condições de moradia na Cidade, que
deixam milhares de pessoas morando de favor, em fundos de vale expostos aos
esgotos nos arroios, em áreas distantes da região central e sem acesso aos serviços
básicos, que impõem reais condições de exclusão social a quem não pode custear um
plano de casa própria. Vale lembrar que Ponta Grossa possui a maior área urbana
entre as grandes e médias cidades do Paraná, com incontáveis lotes e terrenos sem
uso, na espera da especulação imobiliária, enquanto milhares de pessoas vivem a
falta de um lote e casa para morar sem depender dos crescentes custos do aluguel de
moradia.
E, por fim, é preciso lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em
7/12/2021, manter suspensas as desocupações, destacando que a ONU-Habitat
estimula os países a parar todos os despejos e remoções durante a pandemia, pois
afetam as populações pobres e vulneráveis. E, neste aspecto, a desocupação, além
de não apresentar aval judicial, sequer informa processo para justificar a decisão de
Governo/Prefeita para acionar a polícia militar em uma operação noturna contra
famílias sem casa.
Com base em qual processo de desocupação o governo do Estado e a Prefeitura de
PG solicitaram intervenção policial? O que justifica a urgência da ação policial na
madrugada, se não havia processo formalizado em que os entes públicos poderiam
reivindicar a desocupação da área? O Ministério Público foi consultado sobre a
situação? E a justiça emitiu alguma decisão? Quem e com base em quais critérios
decidiu acionar a força policial para retirar as famílias da área do Parque dos Sabiás,
na madrugada de 5/02, em Ponta Grossa? Os questionamentos acima deixam claro o
desrespeito ao Estado de Direito, à Constituição e aos Direitos Humanos.
É neste contexto que, em menos de três meses, aconteceu uma segunda ocupação
de área urbana pública em Ponta Grossa. A única ‘solução’ que a Prefeitura e o
Governo do Estado apresentaram foi uma operação policial fortemente armada para
desalojar famílias sem casa. É preciso que a população, as entidades sociais, os
representantes políticos, grupos de mídia, o poder judiciário e demais organizações
cobrem providências, compromissos e responsabilidades urgentes dos atuais
gestores.
É com este objetivo que, ao mesmo tempo em que nos solidarizamos com as milhares de famílias sem casa que esperam pela garantia de um direito constitucional, pedimos apoio e iniciativa do Ministério Público Estadual (MP PR) e da OAB PR para que a Prefeitura e o Governo do Estado informem as condições legais em que a operação policial foi realizada na madrugada de 5/02/2022 e, em seguida, esclareçam o que efetivamente está em andamento para minimizar e, gradualmente, resolver o problema da falta de moradia em Ponta Grossa, Região e Estado do Paraná.


Ponta Grossa (PR), 8 de Fevereiro de 2022.


Assinam este documento (Manifesto):

  • APP Núcleo Sindical de Ponta Grossa (APP Sindicato PG)
  • Associação dos Portadores de Lesões por Esforço Repetitivo do Paraná (AP-LER)
  • Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
  • Comitê Pontagrossense de Solidariedade à Palestina
  • Comissão 6ª Semana Social Brasileira (SSB) em PG
  • Conselho de Leigos Regional Sul 2 (CNLB)
  • Curso de Serviço Social da UEPG
  • Jornalismo, direitos humanos e formação cidadã (ELOS UEPG)
  • Mandato do Deputado Estadual Professor Lemos (PT – Paraná)
  • Mandato do Deputado Estadual Tadeu Veneri (PT – Paraná)
  • Movimento Coletivo Lutas Populares PG
  • Núcleo de Estudos e Pesquisas Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais (NEPEPPPS)
  • Núcleo de Estudos em Defesa dos Direitos da Infância e Juventude da UEPG (NEDDIJ)
  • Núcleo de Estudos, Pesq e Extensão em Pedagogia, Ped. Social e Ed. Social (NUPEPES)
  • Pacto Pela Vida e Pelo Brasil em PG
  • Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (MsJor) UEPG
  • Sindicato dos Empregados no Comércio de Ponta Grossa
  • Sindicato dos Docentes da UEPG (Sinduepg/ANDES-SN)
  • Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SinDiJor PR)
  • Sindicato dos Metalúrgicos de Ponta Grossa
  • Sindicato dos Serv. Públicos Fed. em Saúde Trab Prev. Ação Social (SINDPREVS/PR)
  • Sindicato dos Técnicos e Professores da UEPG (SINTESPO)
    Contato/Informações:
    Prof. Sérgio Gadini. Fone: (42) 98812 1207
    Prof. Jeaneth Nunes. Fone: (42) 99801 0340

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