Torcer ou não torcer pela Seleção Brasileira: eis a questão.

Prof Mateus Gamba Torres
UNB – Departamento de História

Um pouco antes de começar a Copa, foi muito comum ouvir comentários de amigos e parentes no seguinte sentido: “não vou torcer pela seleção nesta Copa, olha o país do jeito que está!”. Meus amigos se referiam àsituação política e econômica brasileira, que não anda nada bem, com golpes, corrupção e problemas econômicos agravados nos últimos dois anos. Essas pessoas possuem a soberba de se considerarem o suprassumo das politizadas e considerar seu ato de antipatriotismo a maior das revoltas. Para eles,as pessoas que torcem consequentemente estãoalienadas de tudo que está acontecendo no país, são ignorantes, despolitizadas. Esse sentimento não é novo. Em 1970, muitos intelectuais de esquerda e pessoas perseguidas pela ditadura militar, exiladas, que notavam a utilização da Copa do Mundo de 1970 e a posterior conquista do tricampeonato mundial como a melhor propaganda de exaltação do regime, também tinham esse sentimento e já não torciam pela Seleção Brasileira.O timeera dos sonhos, considerado por muito o melhor de todos os tempos, a vitória foi esmagadora e a utilização dela pelos militares, uma realidade. Utilizaram o futebol como um argumento de que o Brasil estava indo maravilhosamente bem em todos os aspectos e que isso coadunava com o aspecto esportivo, de que tudo estavadando certo e que a conquista do tri seria mais uma prova de que tudo estava indo muito bem.O povo se alienaria pensando apenas na Copa e se esqueceria de seus problemas e dos problemas do país porque o Brasil foi campeão, e o governo, com toda a propaganda, exaltaria, como o efetivamente o fez, o título mundial e não falaria de outros problemas. O ditador Médici realmente utilizou,e muito, o discurso vitorioso do Tri como uma façanha relacionada à ditadura. Junto a isso, o crescimento econômico (desigual e feito com dinheiro emprestado, só para lembrar!), que era chamado de milagre econômico, fazia com que a classe média conseguisse comprar, com o crédito abundante, seus apartamentos pelo BNH e seus fuscas zero quilômetro. A classe média e os mais ricosefetivamente estavam felizes, não somente com a seleção, mas também com sua ascensão social, em detrimento da maioria da população que inchava as favelas devido ao êxodo rural e a desigualdade estabelecida pelo crescimento econômico excludente e de acumulação de capital. É difícil, para mim, crer que alguém ficasse efetivamente triste com a vitória da seleção; todos e todas, dos mais diversos matizes sociais brasileiros, vibraram com o Tri. Era uma sensação construída junto com o sentimento de pátria e nacionalidade: nós somos os melhores do mundo no esporte mais popular do mundo! Porém,para mim também é difícil aceitar que as pessoas com condições sociais de miséria absoluta não soubessem que, passada a alegria, o seu estado continuava o mesmo, o governo ausente da mesma forma, e aceitar que a economia e a política, para essas pessoas,teria melhorado por causa do Tri. Normalmente quem acha que a população pobre pensava dessa forma só reforça o estereótipo do pobre ignorante, que é alienado, que não sabe pensar por si só e que não percebe a realidade em sua volta, quando sua vida melhora ou piora após a ação de um governo. Nos dias de hoje, noto muito dessa postura em pessoas com tendências políticas à esquerda, muito parecido com 1970; porém, um novo fenômeno agora acontece com a direita: ela também não torce mais para o Brasil. Por que? A esquerda até podemos entender:gente que foi contra o golpe e por isso se revolta contra tudo que está aí. Mas, surpreendentemente, o mesmo acontece também com pessoas que apoiaram a queda de Dilma Roussef e agora acham que nem tirando o PT o Brasil tem jeito. Essas pessoas são as mesmas que acham que o povo não sabe votar, que é ignorante, que vai ficar alienado com a política e não vai perceber os supostos danos que o PT fez para o país se o Brasil ganhar a Copa do Mundo. Gente desesperançosa, que achava que tirando o PT do governo as coisas melhorariam, mas quebrou a cara, pois colocouno lugar um corrupto incompetente junto com um bando denunciado em vários processos de corrupção. Agora torcem contra a seleção por causa da situação que perceberam que criaram. Por que torço pela seleção? Porque me recuso a considerá-la propriedade de um governo. Governos passam, o Estado não. O Estado brasileiro é perene, assim como a seleção, e os governossão provisórios, periódicos. Abrindo mão de torcer estamos abrindo mão de algo que é nosso, que faz parte da nossa cultura e que pertence ao povo brasileiro, e não ao governo A ou B. Algo que nos dá orgulho, algo que nos dá alegria, algo pelo que somos apaixonados e nos faz, sim, ficar felizes, pois somos pentacampeões no esporte mais popular do mundo. Para uma gente acostumada com as derrotas da vida, um pouco de vitória vista em seu compatriota de camisa verde amarela lhe dá um pouco de alento. Além disso, não existe nada mais brasileiro do que os jogadores da seleção. Em sua maioria negros e pobres, a história da maioria dos jogadores se confunde com a história da maioria do povo brasileiro. Gente que não tinha dinheiro para almoçar antes do treino, que tinha que trabalhar para pagar o passe do ônibus para treinar, pessoas criadas nas periferias e filhos de mães abandonadas pelos pais. Essas pessoas conseguiram apenas e tão somente com o seu esforço vencer, através do futebol, as barreiras econômicas e o destino, talvez funesto, que a esperava caso o futebol não lhe desse essa oportunidade. “Ah”, mas dizem essas mesmas pessoas, “eles são milionários, ganham dinheiro demais só para jogar futebol”. Interessante que isso é dito pelas mesmas pessoas que adorariam que sua empresa ou comércio ou seu emprego lhes desse tal rendimento. Qual dessas pessoas não adoraria ganhar o que ganha um jogador de futebol da seleção? Mas essas mesmas pessoas dizem, “é só futebol”! No entanto,acredito que, se elas ganhassem tal salário, independentemente do que fizessem, jamais achariam injusto, ou seja, é uma postura extremamente hipócrita. É bem verdade que a concentração de renda de uns causa pobreza em outros, e não concordo com isso, o Estado deve regular essa concentração através de uma política tributária justa; afinal, me considero comunista.Porém, o sistema em que esses jogadores foram criados é o capitalista, ou seja, vença pelos próprios meios e ganhe o máximo de dinheiro possível, sistema essedefendido com unhas e dentes pela parcela que foi pedir a queda do “comunismo” do PT. Quer dizer, a classe média pode ficar rica, mas o negro, pobre da favela não. Como pedir para essas pessoas pensarem diferente quando foramcriadas nesse sistema? Sabemos de casos de acusações de sonegação de impostos, que devem ser punidos, mas isso não invalida o fato de que nos salários dos jogadores não foi investido um real de dinheiro público e, se as empresas estão lhe pagando, é porque prestam um serviço como outro qualquer. Por fim, vejam como é dura a vida de um jogador de futebol: treinos, cobrança, concentrações, etc, isso falando apenas dos jogadores da seleção que ganham bem, sendo que a maioria dos jogadores profissionais no Brasil ganha parcos salários por seu trabalho. E é um trabalho duro! Levar lazer para as pessoas dá trabalho. Traz alegria, alento e felicidade a uma população que não é acostumada a ter nada disso. Por isso digo a plenos pulmões, e sem medo de parecer alienado: Que venha o Hexa! Que esses brasileiros vençam. Em nome de sua história e em nome de seu povo.

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