26 anos: A origem do termo “ideologia de gênero” e o resgate das suas ramificações pelo país

Além da história da expressão, a reportagem realizou um mapeamento da temática na Câmara de Vereadores de Ponta Grossa

Desde 2015, Ponta Grossa registrou três projetos propostos e 27 menções ao termo “ideologia de gênero” via atas de sessão na Câmara dos Vereadores. O primeiro projeto apresentado em 2018 e arquivado, diz respeito à alteração na Lei Orgânica do município N° 04/2018. 

Neste ano de 2021, foram indicados dois Projetos de Lei relacionados à educação: o de número 117/2021, aprovado pela Câmara, vai contra a utilização da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas da cidade, e o de número 120/2021 propõe o veto de orientações pedagógicas e conteúdos curriculares que disseminem orientação sexual, “ideologia de gênero” que possam intervir na personalidade dos estudantes.

Com relação às menções, cerca de 85% são de teor negativo e saem em defesa da família tradicional e cristã. E 14,8% das citações argumentam favoravelmente a igualdade racial, de gênero e de respeito à diversidade e orientação sexual.

Origem do termo

Apesar da expressão “Ideologia de gênero” ter ganho notoriedade nas campanhas eleitorais de 2018, a discussão tem origens antigas fora do Brasil. 

As primeiras citações sobre ideologia de gênero são datadas de 1995, em textos produzidos pela Igreja Católica criticando o uso da palavra pela Organização das Nações Unidas. De acordo com Marcio Ornat, Teólogo, Geógrafo, Doutor em Geografia, Docente DEGEO UEPG e Pesquisador do Grupo de Estudos Territoriais, o discurso tomou grandes proporções primeiramente na Europa a partir de 2003 com o livro Lexicon encomendado pelo Vaticano, que consiste em 90 definições sobre gênero, sexualidade e bioética, dentre elas:

Em 2007, a tradução do livro foi feita para outros idiomas, dentre eles o português. Logo após a publicação do material pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a expressão “ideologia de gênero” ganhou popularidade na agenda política do país. 

Segundo Marcio Ornat, apesar do termo atualmente ser utilizado pela bancada evangélica, o movimento é originário do catolicismo fundamentalista (possui interpretações literais da Bíblia). “Chamar de ideologia de gênero é uma afronta a tudo aquilo que foi produzido até hoje no campo dos estudos de gênero, porque ele deforma, ele deslegitima tudo aquilo que foi trabalhado até agora”, explica. 

Educação

Artigo 2°: superação das desigualdades educacionais: “Ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Este é o trecho recortado do Plano Nacional de Educação (PNE) sancionado pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 25 de junho de 2014, utilizado para validar e legitimar os argumentos daqueles que estavam convencidos da existência da “ideologia de gênero”. A diretriz teve repercussões com campanhas na internet, manifestações em nível nacional e reuniões privadas com deputados e senadores para a retirada do artigo que propunha a igualdade.  

Ponta Grossa

As proporções da discussão se ramificaram nas Câmaras de Vereadores de todo o país. Em Ponta Grossa ocorreu a partir da votação do Plano Municipal de Educação (PME) durante junho e julho de 2015. As metas propostas continham as mesmas diretrizes do PNE. Marcio Ornat estava presente no dia das manifestações. “No dia da votação teve princípio de tumulto, lembro da grande pressão que as pessoas fizeram em frente a Câmara, com faixas dizendo “Não ideologia de gênero”, ”Família” e ”Não se meta com meus filhos”, recorda o teólogo. Após os protestos, as menções à diversidade foram retiradas do PME. 

A votação de 2015 foi o marco inicial à falácia da ideologia de gênero na Câmara de Vereadores, com três menções no mesmo ano. 

Os anos com maior índice de citações ao termo foram 2017, com oito, que podem ser associadas ao início da campanha eleitoral nacional com o destaque do conservadorismo no Brasil, um exemplo disso é o movimento Escola sem Partido; Em 2020 o número de declarações com a expressão “ideologia de gênero” foi o mesmo de 2017. 

Os posicionamentos, durante os seis anos mapeados pela reportagem, concretizaram ações a longo prazo no município. No dia 30 de agosto de 2021, a prefeita de Ponta Grossa, Elizabeth Schmidt, sancionou a lei automaticamente, ou seja, ela apenas assinou, que proíbe a linguagem neutra nas escolas, já citada anteriormente. De acordo com a mestranda em estudos de linguagem, Ro Freitas, a discussão da linguagem neutra não diz respeito apenas ao ensino da Língua Portuguesa.

“Sou uma pessoa não binária, transfeminina, e sei que o PL 117/2021 não é  apenas sobre educação de língua. Não existe língua sem corpo. Quero dizer que, na verdade, quando se propõe esse projeto é muito mais sobre quem e que saberes podem ou não podem estar e circular na escola, e que silenciamentos vão ser intensificados” expõe.

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