Em um país marcado pela desigualdade de renda e disparidades regionais, o incentivo à leitura enfrenta barreiras que vão desde a falta de bibliotecas até o alto custo dos livros
Em um país marcado pela desigualdade de renda e pela disparidade regional, o incentivo à leitura enfrenta barreiras que vão desde a falta de bibliotecas até o alto custo dos livros. Contudo, iniciativas comunitárias e avanços na tecnologia têm sido alternativas importantes para melhorar esse cenário. A seguir, vamos explorar os principais desafios, os dados mais recentes e as iniciativas que buscam transformar o acesso à leitura no Brasil.
O panorama atual da leitura no Brasil
A última Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural e publicada em 2019, revela dados preocupantes sobre os hábitos de leitura dos brasileiros. Segundo o estudo, cerca de 44% da população não lê livros e 30% nunca compraram um livro. A média de leitura por pessoa no Brasil é de apenas 2,5 livros por ano (considerando leitura completa), enquanto em países como França e Japão, essa média chega a 10 livros anuais.
Essa realidade é influenciada por uma série de fatores, entre eles o baixo índice de alfabetização funcional. De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), 29% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são considerados analfabetos funcionais, ou seja, têm dificuldades em interpretar textos mais complexos. Essa carência de habilidades de leitura e interpretação compromete o interesse pela leitura e o desempenho escolar, criando um ciclo vicioso que afasta cada vez mais a população dos livros.
Desigualdades regionais e econômicas
As desigualdades regionais têm um papel central na dificuldade de acesso à leitura. Regiões mais ricas, como o Sudeste, concentram o maior número de bibliotecas, livrarias e eventos literários, enquanto o Norte e o Nordeste enfrentam uma escassez de infraestruturas de incentivo à leitura. Ainda segundo dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), mais de 30% dos municípios brasileiros não possuem uma biblioteca pública. Isso é especialmente grave em localidades pequenas e remotas, onde a população muitas vezes depende exclusivamente desses espaços para acessar livros.
Além disso, o preço dos livros é um obstáculo para muitas famílias. De acordo com uma pesquisa de 2020 da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o preço médio de um livro no Brasil gira em torno de R$ 40 a R$ 60, o que torna a aquisição de livros difícil para a população de baixa renda, especialmente em um contexto de crise econômica e alta inflação. Essa situação contrasta com a realidade de países como Argentina, onde políticas de incentivo à leitura permitem acesso mais barato a livros, e com países da Europa, onde há subsídios e incentivo à produção literária.
A importância das bibliotecas públicas e escolares
As bibliotecas públicas e escolares são fundamentais para garantir acesso gratuito à leitura, especialmente para jovens e crianças. No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) mostra que a cada dez escolas públicas no Brasil, quatro não possuem uma biblioteca ou sala de leitura. A Lei 12.244/2010, que estabeleceu o prazo até 2020 para que todas as instituições de ensino possuíssem uma biblioteca, ainda não foi plenamente implementada. A ausência desses espaços agrava a desigualdade no acesso à leitura e prejudica o desenvolvimento educacional dos alunos.
Para tentar mitigar essa realidade, algumas escolas e organizações têm investido em bibliotecas itinerantes e em projetos de incentivo à leitura. No Ceará, por exemplo, a Secretaria de Educação do Estado criou a iniciativa “Bibliotecas em Movimento”, que leva livros para escolas e comunidades em áreas de difícil acesso. Em São Paulo, projetos como o “BiblioSesc”, realizado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), utilizam caminhões adaptados para circular em regiões com poucas livrarias e bibliotecas.
O papel das iniciativas comunitárias
As iniciativas comunitárias têm sido um pilar fundamental para o acesso à leitura no Brasil. Projetos como o Leia para uma Criança, da Fundação Itaú Social, têm como objetivo distribuir livros gratuitos para crianças em idade pré-escolar, visando o desenvolvimento do hábito de leitura desde a infância. Segundo dados da própria fundação, o programa já distribuiu mais de 57 milhões de livros desde o seu lançamento em 2010, alcançando milhões de famílias em todo o país.
Outra iniciativa importante é o Projeto Literatura nas Praças, que disponibiliza acervos em praças públicas de diversas cidades e incentiva a troca de livros entre a população. Esse tipo de ação cria um ambiente de leitura em espaços acessíveis e inclusivos, beneficiando principalmente as pessoas que não têm condições de comprar livros ou frequentar bibliotecas.
A Roda de Leitura, desenvolvida em comunidades no Rio de Janeiro, também é um exemplo de sucesso: ao criar um espaço de compartilhamento de histórias, o projeto promove a literatura como um meio de expressão, oferecendo à população local a oportunidade de interagir com autores, contadores de histórias e educadores.
Tecnologias e o acesso digital como alternativa
Com o avanço da tecnologia, o acesso à leitura digital tem se mostrado uma alternativa viável e promissora, especialmente durante a pandemia de COVID-19, quando o fechamento de bibliotecas e livrarias físicas restringiu ainda mais o acesso aos livros. A popularização de aplicativos de leitura digital, como o Kindle que é pago, e plataformas de livros gratuitos, como o Domínio Público e a Biblioteca Digital Camões, oferecem milhares de obras gratuitamente para download.
Um exemplo é o BibliON, uma biblioteca digital pública lançada em 2021 pelo Governo do Estado de São Paulo. Com acervo de cerca de 15 mil títulos, a plataforma oferece livros gratuitamente e facilita o acesso para leitores de baixa renda. No entanto, o acesso à leitura digital ainda enfrenta barreiras, como a necessidade de dispositivos eletrônicos e uma conexão à internet de qualidade, algo que, segundo o IBGE, 37% dos domicílios brasileiros ainda não possuem.
A Bienal do Livro e o acesso à cultura literária
Eventos literários de grande porte, como a Bienal do Livro, ainda não conseguem alcançar todo o potencial de acessibilidade e inclusão social. Apesar de ser um dos maiores eventos literários da América Latina, com uma programação diversificada que inclui palestras, lançamentos e atividades culturais, o custo da entrada e a localização em centros urbanos limitam o acesso para uma parcela significativa da população. O autor independente Paulo Novais, que está em seu décimo terceiro livro, destaca que a Bienal “ainda não é um evento para toda a população, pois o custo de deslocamento e o preço dos ingressos são barreiras para pessoas que vivem nas periferias e em áreas mais distantes do centro”. Segundo ele, o evento precisa de políticas que ampliem o acesso para comunidades de baixa renda, promovendo mais atividades inclusivas e facilitando o transporte e a distribuição de ingressos gratuitos.
Desafios e caminhos para o futuro
O acesso à leitura no Brasil enfrenta um caminho árduo frente à falta de políticas públicas. Investimentos na formação de professores e mediadores de leitura são igualmente necessários, pois são eles que desempenham o papel de incentivar o interesse pela leitura em crianças e adolescentes. Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil precisa aumentar a porcentagem de escolas com bibliotecas e capacitar profissionais para atuar nesses espaços, com vistas a promover uma educação de qualidade.
Iniciativas comunitárias, os avanços na tecnologia e a atuação de ONGs e fundações, por sua vez, têm sido importantes para tornar os livros mais acessíveis e criar uma cultura de leitura no país. Para que o Brasil se torne uma nação de leitores, é fundamental que todos os setores da sociedade trabalhem juntos, investindo em educação e promovendo o acesso à leitura como um direito essencial para a formação cidadã e o desenvolvimento social.
A jornada para o aumento da leitura no Brasil é longa, mas, com um esforço conjunto, é possível mudar esse panorama e criar uma sociedade mais informada, crítica e conectada com o poder das palavras.
Por Maria Gallinea e Roberto Indzejczak