Assentamento Maria Rosa do Contestado comemora dez anos de luta, agroecologia e resistência no Paraná

Em uma década, o assentamento do MST conquistou importantes marcos. Entre eles estão a produção 100% agroecológica, as doações de alimentos durante a pandemia e a criação da ecovila.

                                                                                                     Por: Leonardo Correa

O Acampamento Maria Rosa do Contestado, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Castro (PR), ao completar neste ano, uma década de existência, resgata histórias e experiências que fizeram o assentamento se erguer e estabelecer. O acampamento é um exemplo de resistência histórica, organização comunitária e produção agroecológica.

Antes de se transformar em local de moradia e produção de alimentos saudáveis, a área da União, conhecida como Fazenda Capão do Cipó, era usada ilegalmente pela Fundação ABC, entidade privada formada por cooperativas do agronegócio e pelo Centro de Treinamento Pecuário (CTP), também coordenado pelas cooperativas. Desde abril de 2014, havia um pedido de reintegração de posse por parte da União contra a Fundação, com multa diária de R$20 mil reais. Além de usar a terra de forma irregular, o Centro degradava o solo com o uso de agrotóxicos.

O processo do INCRA para a ocupação da terra iniciou no início dos anos 2000. Em 24 de agosto de 2015, os organizadores do movimento e 130 famílias ocuparam a área, estabelecendo o assentamento, de forma pacífica e sem conflitos. 

O produtor agroecológico, integrante da coordenação da comunidade Maria Rosa e dirigente estadual do MST Célio Meira, afirmou que o acampamento de Castro é o mais integrado do Paraná. Célio explicou que o movimento transforma a percepção do mundo: “dentro do movimento eles fazem enxergarmos o mundo por outro lado, aqui temos que deixar o individualismo de lado e trabalharmos a coletividade”. 

O produtor também compartilhou ataques da grande mídia, que frequentemente dissemina informações negativas e distorcidas sobre a comunidade. Entre os estigmas mais comuns estão acusações de tráfico de drogas, ausência de leis e suposta violência, construindo uma imagem de desordem que não condiz com a realidade. Essas narrativas reforçam preconceitos e dificultam o reconhecimento do trabalho agroecológico e da organização social construída pelas famílias do assentamento. 

O acampamento Maria Rosa tem regras a serem seguidas para a boa convivência e funcionamento do assentamento, entre elas, está a coletividade, não uso de agrotóxicos, sem adubação química e o não plantio de sementes transgênicas. 

Em 2018, o acampamento conquistou uma certificação agroecológica, e durante a pandemia começou a comercializar produtos via cooperativa, a Confran (Cooperativa dos Trabalhadores Rurais da Reforma Agrária Maria Rosa Contestado), fortalecendo a produção e distribuição local. A cooperativa, que reúne cerca de 157 sócios, abastece escolas de sete municípios, participa do Mercadão aos sábados e realiza trocas de produtos por materiais recicláveis, promovendo economia circular e sustentabilidade. Entre os produtos estão mandioca, abóbora, macarrão caseiro, lasanha, doces, bolachas e pães, produzidos na agrovila e na agroindústria comunitária, com lucros divididos de forma igualitária entre as famílias.

As responsáveis pela produção das massas, bolachas e doces  são as integrantes do Coletivo Mulheres, que atualmente, são 16 com a “mão na massa”. O coletivo tem parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e a Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESol) que possui a Feira de Economia Solidária UEPG (FESU), onde a produção do Maria Rosa  é comercializada. 

Rosane Mainardes, integrante da coordenação da agroindústria e secretária do espaço,  destacou a importância da agroindústria para a vida das famílias “A agroindústria aqui é fundamental porque garante renda para as famílias e faz com que nossos produtos cheguem não só às escolas, mas também às mesas de muitas outras pessoas da região.” 

Com a homologação do acordo, em dezembro de 2023, as famílias do acampamento Maria Rosa do Contestado conquistaram a segurança jurídica sobre a terra, colocando fim a uma disputa que já durava oito anos. Além do direito de permanecer no local, elas passaram a ter acesso a aproximadamente 300 hectares destinados ao assentamento, onde puderam ampliar a produção agroecológica, fortalecer a cooperativa e garantir melhores condições de vida. O acordo também definiu que 30% dos cursos do Centro de Treinamento Pecuário (CTP) sejam destinados a beneficiários da Reforma Agrária, abrindo novas oportunidades de formação e qualificação para os trabalhadores.

O Movimento Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST) foi oficializado  em 1984, com os trabalhadores rurais que protagonizaram essas lutas pela democracia da terra e da sociedade, no 1º Encontro Nacional, em Cascavel, no Paraná,. Neste ato, decidiram fundar um movimento camponês nacional, o MST, com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país. Para conferir toda a histótia do MST basta acessar: https://mst.org.br/nossa-historia/inicio/ 

O Assentamento Maria Rosa destacou-se como um dos maiores doadores de alimentos durante a pandemia de Covid-19 no estado do Paraná. A comunidade agroecológica produziu centenas de toneladas de alimentos orgânicos, como frutas, verduras, legumes e grãos, que foram doados a pessoas em situação de vulnerabilidade na região. Só a produção do assentamento Maria Rosa contribuiu com cerca de 430 toneladas de alimentos doados, reforçando seu papel fundamental na segurança alimentar durante o período crítico da pandemia. O assentamento é reconhecido pela produção 100% agroecológica e pela forte organização comunitária, que possibilitou essa grande mobilização solidária.

Nos assentamentos, a terra floresce em alimento saudável e coletivo. Só em 2023, famílias
do MST doaram mais de 7 mil toneladas de alimentos no Brasil.

 

Desafios e políticas públicas para a reforma agrária 

Os desafios ainda são expressivos e refletem a realidade da reforma agrária no Brasil. A Pesquisa “Assentamentos rurais no Brasil: uma releitura” de Paulo Freire Mello 2016 aponta que muitos assentamentos enfrentam déficit de infraestrutura e dificuldades de acesso a crédito: 21% das famílias não têm água suficiente; apenas 42% contam com energia elétrica durante todo o ano; só 11,6% dispõem de fossa séptica; e 67,9% avaliam as estradas como ruins ou péssimas. Além disso, quase metade das famílias (47,8%) nunca acessou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). No campo da assistência técnica, o quadro também é limitado: em 2010, das 924 mil famílias assentadas no país, apenas 32% tiveram acesso a esse tipo de suporte, realidade que não havia melhorado até 2015, segundo dados do INCRA.

A reportagem do portal MST “Assentamentos do MST denunciam falta de orçamento para infraestrutura e direitos básicos” mostra que os assentamentos seguem enfrentando falta de orçamento e infraestrutura básica. Problemas como dificuldade de acesso à água potável, estradas em más condições, ausência de saneamento adequado e crédito insuficiente continuam sendo apontados pelas famílias camponesas e pelo próprio MST.  Essa é uma luta histórica por infraestrutura, crédito e políticas públicas para garantir permanência e qualidade de vida às famílias. Apesar do lançamento do Programa Terra da Gente e do aumento dos recursos do Plano Safra da Agricultura Familiar, os avanços ainda não foram suficientes para resolver de forma estrutural os déficits históricos, já que não há investimentos garantidos para moradia, agroindústria, energia, educação e espaços comunitários. Além disso, entraves burocráticos, judiciais e a atuação de um Congresso conservador dificultam a efetivação das políticas públicas, prolongando a precariedade e a luta pela permanência das famílias nos assentamentos.

Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) nos dois primeiros anos de mandato do governo Lula, que busca retomar a pauta da reforma agrária, foram regularizadas 52.553 famílias e reconhecidas outras 47.024, com a inclusão de 22.459 famílias em assentamentos diferenciados e 19.003 em assentamentos tradicionais. Ainda assim, o avanço é considerado insuficiente, a proposta era incluir 326.132 famílias até 2026, mas até agora apenas 141.039 foram incorporadas ao programa, pouco mais de 40% da meta. Para que o objetivo seja alcançado, será necessário assentar cerca de 185 mil novas famílias entre este ano e o próximo.

 

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