Ato em Ponta Grossa reúne terreiros e entidades em defesa da liberdade religiosa

Manifestantes protestaram contra a fala da prefeita Elizabeth Schmidt e reafirmaram o caráter laico do Estado brasileiro.

Por Leonardo Correia

  Neste sábado (4) ocorreu o “Ato pela liberdade religiosa – Ponta Grossa é do povo” e reuniu cerca de 200 pessoas. A concentração começou a partir das 15h na Praça dos Polacos, região central da cidade. O ato contou com uma caminhada até o Parque Ambiental. Foi uma manifestação pacífica pela liberdade de todos os cultos. 

Manifestação pela liberdade religiosa reforça em Ponta Grossa a importância do respeito à diversidade de fé e à convivência democrática. Foto: Leonardo Correia.

  Participaram do ato os terreiros: Pai José de Aruanda, Caboclo Ubirajara,  Boiadeira 7 Porteiras,  União das Águas e Caboclos da Lei. O instituto Sorriso Negro também comapreceu. 

  “Estamos aqui pelas falas de exclusão da atual prefeita da cidade, em que os atos da prefeitura viraram um palco de fé, mas apenas aquelas fés que somente cabe à prefeitura, à fé evangélica. Estamos aqui reunidos hoje para mostrar que Ponta Grossa também resiste e tem diversas religiões e provar que o estado é laico, para não beneficiar somente uma religião”, pontua a designer Alana Costa  e vice-presidente do terreiro Pai José de Aruanda.

  Após a declaração da prefeita Elizabeth Schmidt, durante a cerimônia de entrega das chaves da cidade, realizada na Igreja Cristã Presbiteriana (ICP) em que afirmou que Ponta Grossa “pertence ao Senhor Jesus”, diversos grupos religiosos e sociais emitiram uma nota pública expressando indignação. O documento é assinado por terreiros de Umbanda, entidades da sociedade civil e pelo Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, que classificam a fala como uma afronta à laicidade do Estado e ao direito de liberdade religiosa garantido pela Constituição.

  O vídeo produzido por Alana Costa defende  que o Brasil é laico e denuncia que uma autoridade máxima usar do seu poder e de seu cargo para beneficiar e discursar sobre somente uma fé se configura como privilégio institucional e apagamento de toda a população da cidade. 

Mulheres na Umbanda atuam não apenas como líderes e médiuns, mas também na transmissão de poder, na cura e na organização da comunidade religiosa. Foto: Leonardo Correia.

  O país é construído sobre uma ampla diversidade de tradições espirituais, como o catolicismo, o protestantismo, o espiritismo kardecista, o budismo, o islamismo, as religiões de matriz africana e as crenças indígenas. Alana publicou mais um material em seu perfil que integra a denúncia. O post expõe leis nacional, estadual e municipal em defesa e garantia da liberdade religiosa, projetos de leis (PLs) recusados e exibe  experiências de violência contra pessoas que praticam religiões de matriz africana e como as leis muitas vezes são falhas.

  A intolerância religiosa é crime, de acordo com a Lei nº 9.459/1997, que considera discriminação ou preconceito contra religiões. A intolerância religiosa é um crime de ódio, sendo inafiançável e imprescritível. Também é crime tipificado pela Lei nº 7.716/1989. Seu artigo 20 prevê pena de reclusão de um a três anos e multa para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião. Tais leis foram possíveis graças às lutas, ações e movimentos das religiões marginalizadas e excluídas da sociedade.

  O presidente do Instituto Sorriso Negro, José Luiz Teixeira que esteve presente na concentração, comenta: “Este ato é o mais democratico religioso que podemos ter, vivemos em um país laico. Na atualidade sou  presidente de uma comissão de combate ao racismo e a maioria da religiosidade presente aqui é africanizada, a gente entende que, se todos respeitam o amém todos podem respeitar o axé”.

  No Paraná, os casos de intolerância religiosa têm crescido de forma alarmante.  A reportagem “Casos de intolerância religiosa crescem mais de 100% no Paraná; veja como a Defensoria Pública vai atuar” do portal Bem Paraná mostra que em 2024, o Disque 100 registrou 90 denúncias de intolerância religiosa, um aumento de 114% em relação ao ano anterior. Em todo o Brasil, o número de denúncias de intolerância religiosa no mesmo ano foi de 2.472, conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC)

  A psicóloga Bruna Martinello também faz parte da casa Pai José de Aruanda, participou da concentração e declarou: “a questão da exclusão, discriminação e não lembrar que as religiões são amplas e várias. Todos precisam ser respeitados de maneira igual, estar presente aqui com outros terreiros é um ato de resistência, união, mostra que a gente tem voz e que a nossa religião fala de amor, caridade. Estar aqui para ajudar as pessoas e talvez quebrar aquele preconceito da população sobre a umbanda e ressignificar isso de alguma forma”

Os atabaques, que representam um elo entre o mundo espiritual e o físico, ajudam evocar a energia dos Orixás e guias espirituais através de seus ritmos. Foto: Leonardo Correia.

  A reportagem realizada pelo Governo do Estado Paraná “Estado recebe lideranças religiosas e discute nova Lei de Combate à Intolerância” mostra que em Ponta Grossa, por exemplo, há registros notórios de intolerância religiosa: a Mesquita Imam Ali foi invadida por vândalos que queimaram exemplares do Alcorão e destruíram símbolos religiosos, numa clara manifestação de ódio religioso.

  O Estado do Paraná está se movimentando institucionalmente para responder a esses casos: em 2022, foi apresentado um anteprojeto de Lei Estadual de Proteção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância, que prevê mecanismos administrativos contra grupos que propagam discurso de ódio religioso e racial. 

  A Defensoria Pública do Paraná tem papel ativo nesse combate: o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUPIER) traçou estratégias para ampliar proteção aos povos de terreiro, e a instituição mantém um “Observatório da Intolerância” para coletar dados oficiais de violações como discriminação religiosa, atentados a templos, injúrias, visando orientar ações jurídicas e políticas públicas melhores. Leia mais no documento Protocolo de Consulta Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Curitiba e Região Metropolitana.

 

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