Coluna: Capacitismo, estigma e inclusão: como (re)pensar o sujeito com deficiência?

Agosto de 2021 foi recheado de discussões envolvendo pessoas com deficiência (PCD). Tradicionalmente neste mês, ocorre de 21 a 28 a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, com atividades e reflexões que minimamente ganham espaços midiáticos nos grandes meios. Neste ano, houve eventos adicionais que ampliaram esse debate: os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020, que ajudaram a viabilizar questões caras para o movimento de luta da pessoa com deficiência; e a fala discriminatória do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que afirmou que crianças com deficiência “atrapalham” o ensino dos demais estudantes, acreditando ser, em alguns casos, “impossível a convivência”.

Provavelmente o leitor já deve ter acompanhado alguns desses assuntos nos últimos dias. O exercício que proponho é pontuar elementos importantes que nos ajudam a (re)pensar posturas e tratos para com os sujeitos com deficiência em nossas convivências sociais cotidianas.  

Boaventura de Sousa Santos, pensador português, tem uma reflexão bastante provocativa, que fala o seguinte: “Devemos lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem, lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize. Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.

Voltando à fala do ministro da Educação do governo Bolsonaro, vemos que ela estimula a segregação e exclusão de crianças com deficiência em escolas especiais, ao invés de buscar construir políticas públicas de inclusão desses indivíduos na esfera social como um todo, provocando o convívio entre “diferentes”; tão determinante e estimulador para o desenvolvimento das pessoas. É importante sinalizar que ao defendermos projetos de inclusão não desmerecemos, tão pouco deslegitimamos os trabalhos desenvolvidos por muitas associações que mantêm escolas e serviços para assistir às especificidades desse grupo. É justamente pela ausência de políticas de inclusão que o trabalho realizado por essas instituições ocupa uma lacuna que não deveria existir.

Ao defender a matrícula e a experiência de crianças com deficiência no ensino regular comum, é evidenciada uma compreensão chave que devemos levar conosco: a humanidade nos torna cidadãos e cidadãs iguais em direitos e responsabilidades. Reivindicamos, portanto, compreender a deficiência como uma das características e particularidades que todos nós – seres humanos – temos em nossas vidas. Cada pessoa tem muitas outras características que, juntas, compõem sua identidade. 

Aproveitando o ganho, pensemos nos atletas paralímpicos. É comum a mídia e, consequentemente, a sociedade se referir a eles como super-heróis, guerreiros, “vencedores” ou exemplo de superação única e exclusivamente por competir “apesar” das deficiências. “Só de ser atleta já superou a deficiência, é um guerreiro”. Não é bem isso. Podem ser guerreiros por serem atletas de rendimento que treinam e vencem como qualquer outro sem deficiência e que competem mesmo sem políticas de incentivo para o esporte (como é o caso do Brasil contemporâneo).

Assim, caso essa leitura não seja feita, corremos o risco de cair numa armadilha de endossar discursos meritocráticos e capacitistas. O capacitismo assume perfil discriminatório e preconceituoso, uma vez que reduz as potencialidades e capacidades das pessoas às suas deficiências em diferentes âmbitos da sociedade, incluindo no esporte, ou seja: é o preconceito que as pessoas com deficiência sofrem quando alguém diz, de forma explícita ou implícita, que elas não têm capacidade de fazer algo. Dizer que alguém é um exemplo de superação apenas por causa da deficiência é reduzir sua trajetória. É ser capacitista. As PCD não são “coitadinhas” e não querem nossa pena ou dó.

A reivindicação é de não olhar a deficiência ou o fato de as pessoas terem a “superado”, mas compreender aquele atleta como um sujeito dedicado, talentoso e competente no esporte. As pessoas com deficiência têm muito mais a mostrar além da própria deficiência. “Pessoas especiais” não é sinônimo de pessoas com deficiência, claro que elas podem ser especiais, como tantas são especiais nas vidas uns dos outros, um amigo, um familiar, um professor, etc. Uma dica bastante válida: na dúvida, priorize a pessoa antes da deficiência.

Uma mensagem final para refletirmos: incluir PCDs não é favor, nem merecimento para eles, é direito como de qualquer um; pessoas com deficiência não nascem para, tão pouco precisam, inspirar ninguém, ainda mais por fazerem o que todos fazem. Todos nós temos dificuldades, PCDs não são especiais por vencê-las. Que possamos lutar e construir um mundo onde nossas particularidades não sejam elementos de segregação, ódio, preconceito e exclusão.

Felipe Collar Berni é jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Pesquisa cidadania comunicativa de pessoas com deficiência

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