A existência tem se colocado em nosso país como algo desafiador. Ser quem somos tem sido perigoso. Arrisco dizer que temos vivenciado em nosso cotidiano circunstâncias que, sempre existiram, e tem se tornado cada vez mais frequentes. Ser preto e preta no Brasil é arriscado demais. Sabemos que seja você quem for: de empregada doméstica a cantor (Seu Jorge nos dá o tom) enfrentamos no nosso cotidiano intensas batalhas para existirmos. Por outro lado, se você não se identifica como preto ou negro no Brasil , o racismo mal bate a sua porta. Este fantasma simplesmente não existe.
Os noticiários evidenciaram nesta semana ( 17/10 á 23/10) crimes tipificados como racismo envolvendo brasileiros. O jogador da seleção brasileira de futebol Vinicius Junior narrou ao Fantástico o aumento do crime de racismo no futebol (2). O atleta experienciou o racismo na Espanha. O influenciador digital Eddy Jr (3) também relatou que sofreu acusações de cunho racista alcançando o patamar de ameaça de morte. A agressora, Elizabeth Morrone e seu filho. Seu Jorge (4) realizou um show em Porto Alegre no dia 14/10/22, no clube Grêmio Náuticos União, onde ele foi hostilizado pelo público ao se colocar contrário à lei de maioridade penal. No show ele apresenta um jovem que integra a banda e salienta que uma segunda chance é possível. Poderíamos listar inúmeros outros casos que vieram a público nos últimos meses em que o racismo foi documentado através de gravações e registros de boletins de ocorrência. Poderíamos nos perguntar: o que isto evidencia?
Este elemento nos mostra que o racismo ainda se materializa em nosso cotidiano de formas diversas engendrando maneiras de impedir o acesso e a permanência de negros e negras em determinados espaços. Se pensarmos que 56% da população brasileira é negra e, por outro lado, no caso de mortes pela polícia 84% são negros, dados da Folha de São Paulo de julho de 2022 (5). Estes dados nos oferecem elementos para pensar a violência racial que se encontra institucionalizada nas diferentes esferas de nossa sociedade.
A constituição de 1988 consolidou a luta por cidadania à população negra no Brasil. No entanto, colocar em marcha a letra da lei tem se tornado cada vez mais difícil em nosso cotidiano. Assim, no dia 20 de novembro, dia da Consciência negra, devemos mais do que nunca problematizar e reivindicar espaços de atuação da população preta em nosso país. No Paraná, a eleição da candidata Carol Dartora à deputada federal, mulher negra e de Renato Freitas, homem negro que ocupará a cadeira de deputado estadual nos apresenta um cenário de possibilidades de ressignificações num território criado e instituído pela branquitude e, que paulatinamente, vem sendo tensionado por um grupo social que sempre fora alijado dos seus direitos como cidadãos.
Neste sentido, o sentimento de pertença para a população negra está atrelada à ocupação de espaços. Por outro lado, os discursos de negação de tudo que sugere o “politicamente correto” utiliza a violência como arma daqueles que cultuam o mofo da sociedade patriarcal. Assim, o passado colonial parece sustentar as narrativas e atitudes de determinados grupos em nossa sociedade, os “herdeiros da casa-grande”. O fato é que resistimos durante mais de trezentos anos aos nossos algozes. Muitos negros negaram sua negritude para continuar existindo como algozes daqueles que lutavam pela liberdade.
Nossa luta continua pautada na sabedoria de nossos ancestrais, no rabo de arraia, na escolha das palavras corretas, no silêncio e no exercício da fala. No grito por justiça e no compasso da esperança. Sabemos que a ocupação de espaços provoca mudanças e traz a exigência de novos olhares sobre as violências cotidianas praticadas no Brasil e, mais do que isso, reivindica por meios institucionais, que a lei se materialize e se movimente no sentido de garantir direitos à população negra. É chocante nos defrontarmos com tantas notícias acerca de um crime como o racismo. Por outro lado, falar dele é colocar em ação uma lei que sempre silenciou as vítimas e nunca puniu o agressor.
Axé! seguimos na luta hoje, amanhã e sempre!
(1) Professora de História da Rede Estadual de Educação do Paraná. Doutoranda em História pela UEM na linha História, Cultura e Narrativas. Sou uma mulher preta, mãe de Vicente, Joaquim e Estela, por eles eu sonho com um mundo multicolorido como deve ser.