Em média, uma mulher sofre crime de feminicídio a cada 7 horas no Brasil

“Eu vejo que quando nós passamos por isso [violência], estamos sozinhas”, “A palavra da mulher ‘vale menos’ do que a do homem”, “Ninguém fala que precisamos de apoio” e “Eu escutei que gostava de apanhar”. Essas são algumas afirmações feitas por uma mulher vítima de violência doméstica e tentativa de feminicídio. As frases retratam como as mulheres violentadas recebem retaliações das pessoas próximas quando decidem denunciar os crimes sofridos pelos seus parceiros. No Brasil, em média, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, ocorreram 1.319 casos de feminicídios no país no ano passado, dados que representam uma taxa de mortalidade pelo crime de 1,22 mortes a cada 100 mil mulheres. Apenas no Paraná foram registrados 89 casos de feminicídios, porém muitas das violências sofridas não são denunciadas.

Acompanhe a entrevista com a ginecologista e médica-legista especializada em violência contra mulher, Maria Letícia Fagundes, sobre os atendimentos para mulheres vítimas de violência doméstica e políticas públicas relacionadas ao tema.

Elos: Como as políticas públicas auxiliam no combate à violência?

Maria Letícia Fagundes: Eu vejo que todas as políticas públicas funcionam. Só que isso deve ser provocado para ser usado, se a vítima não buscar ninguém poderá ir na casa dela ajudá-la, o que é triste.

Elos: Como a lei que criminaliza o feminicídio ajuda essas mulheres?

Maria Letícia Fagundes: A lei é extremada, quando ela não tem mais chance de existir em um lugar de não violência. Acho que a lei deve ser reavaliada em quesito de penalização pois nesse quesito é muito falho, já vi relatos de tentativa que o violentador pegou 18 meses de penalização. E dessa forma o violentador continuará cometendo esses crimes.

Elos: Como funciona o ciclo da violência?

Maria Letícia Fagundes: Falamos em ciclo da agressão, mas vemos que o feminicídio não é simples agressão e sim o máximo da agressão. Quando uma mulher morre ela não poderá nunca mais denunciar. Esse ciclo começa com outras violências, a patrimonial, moral e sexual e as mulheres acabam aceitando esses comportamentos dos parceiros até o dia que vira uma tentativa de feminicídio. Muitas dessas mulheres mal sabem que estão sofrendo essas violências até que é tarde demais, e esse é o ciclo da agressão.

Elos: Em relação ao atendimento das vítimas de violência, como é feito o atendimento?

Maria Letícia Fagundes: Depende do crime que a mulher sofreu. Se for um uma violência psicológica, ela não passa pelo médico legista; ela vai direto para o pessoal da psicologia. Quando é violência psicológica, moral e patrimonial eu não tenho contato, apenas quando é violência física, tentativa de feminicídio e violência sexual. A abordagem deve ser a mais respeitosa possível para que a vítima sinta-se revitimizada. Todos os cuidados são necessários quando falamos de violência.

Elos: Qual a relação entre o aumento de casos de violências com as políticas públicas?

Maria Letícia Fagundes: O crescimento das violências atrapalham nas próprias políticas públicas que não recebem investimento e que estão à míngua, pois antes as mulheres iam direto para a perícia e agora precisam agendar a perícia e ficar esperando, o que causa mais desconforto à vítima. Não temos muitas pessoas para nos atender, não temos investimento e isso é muito grave. Dizemos para a vítima: “Denuncie!”. Porém, com a demora para receber a medida protetiva ela poderá sofrer ainda mais do violentador. Mesmo com a medida protetiva, a Patrulha Maria da Penha, responsável pela vistoria e proteção dessas mulheres, visitam-as uma vez por mês. Mas sem investimento e com o aumento da violência contra as mulheres, essa visita mensal pode passar a não existir.

Elos: Como é possível humanizar o atendimento?

Maria Letícia Fagundes: Não é só possível, ele deve ser humanizado. E isso começa na capacitação de quem trabalha com os atendimentos de violência e rever seus valores pessoais, não pode julgar o que a vítima passou pelas suas concepções do que é certo ou errado. Só com essas simples atitudes o atendimento já será humanizado.

Elos: Como mulher, o que você sente ao atender uma mulher que sofreu violência?

Maria Letícia Fagundes: É muito difícil atender uma pessoa que acabou de passar por violência. Muitas vezes elas vêm sujas de sangue e isso me humanizou mais como médica. Eu abri mão de alguns privilégios quando decidi assumir os atendimentos de violências domésticas e não me arrependo disso.

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