Encerramento da 10ª Semana de Enfrentamento às Violências Contra Crianças e Adolescentes abordou parentalidade positiva

Minicurso debateu a educação sem violência e os limites da legislação protetiva no Brasil 

Karen Stinsky 

Foto: Karen Stinsky

A 10ª Semana de Enfrentamento às Violências Contra Crianças e Adolescentes encerrou na última quarta-feira (21) com o minicurso “A parentalidade positiva como forma de prevenção à violência contra crianças”. A atividade teve como objetivo promover ações de conscientização e foi ministrada pelas professoras do curso de Direito, Maria Cristina Baluta e Dirceia Moreira, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O evento integrou a programação alusiva a 18 de maio, data que marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 

De acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), realizado em 2018, os casos de violência física são predominantes contra crianças, representando cerca de 25% de todas as formas de abuso infantil. Aproximadamente 80% dessas ocorrências envolvem vítimas com menos de quatro anos de idade. Segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP), esses números são imprecisos devido à subnotificação e à dificuldade de identificação dos casos. Entre os principais fatores que dificultam o registro estão a ausência de testemunhas, a resistência dos agressores em admitir suas ações, o fato de muitas vítimas serem pré-verbais ou estarem gravemente feridas e/ou emocionalmente abaladas para relatar o ocorrido, além de muitas vezes as lesões serem inespecíficas. 

Para a professora Maria Cristina Baluta, o mapeamento dos casos e, ainda, a regulamentação das políticas de proteção à infância, sofrem déficits importantes. De acordo com ela, é necessário observar as violências contra crianças a partir de três instâncias específicas: branca, negra e indígena, considerando as particularidades sociais e históricas. Além disso, ela apontou que cerca de 90% dos casos de violência infantil ocorrem dentro do ambiente familiar. “A legislação sempre se preocupou com a criança fora de casa, mas a que está dentro do lar é invalidada como sujeito de direitos. Ela é vista apenas como propriedade dos pais”, afirma. 

Foto: Karen Stinsky

A docente também abordou os estilos parentais, dividindo-os em quatro categorias: o autoritário, pautado na imposição e obediência – exemplificado pela frase: “você vai fazer porque eu estou mandando”; o permissivo, que se traduz em: “faça o que quiser”; o negligente, caracterizado por: “o que eu tenho a ver com isso?”; e, por fim, o democrático (ou autoritativo), que considera o comportamento e a fase de desenvolvimento da criança, sendo representado pela postura indicada por: “vamos conversar sobre isso”. De acordo com a professora, a parentalidade positiva se fundamenta no bem-estar da criança em todas as suas dimensões — física, mental e social.

Segundo a professora Dirceia Moreira, historicamente as crianças são inviabilizadas. Mesmo com a existência de leis e políticas públicas voltadas à proteção infantil, essas normas ainda são subjetivas e suscetíveis a múltiplas interpretações. “Esse é o problema do tratamento jurídico disso. Apesar de haver leis muito bem regulamentadas, elas são abertas à interpretação, o que interfere nessa ‘elasticidade’ do que é considerado moderado e do que configura maus-tratos ou tortura”, pontua. A professora destaca ainda que a responsabilidade por essa interpretação cabe ao Poder Judiciário, majoritariamente composto por homens, brancos, heterossexuais e de classe média, o que pode influenciar diretamente nas decisões e no reconhecimento das violências praticadas contra crianças. 

Moreira também ressalta que as formas mais comuns de violência infantil ocorrem no processo de educar. Conforme apontam os dados do Atlas da Violência 2024, nos casos envolvendo infantes (0 a 4 anos) e crianças (5 a 14 anos), a residência aparece como o principal local das ocorrências, registrando, respectivamente, 67,5% e 65,6% das notificações. Já a violência ocorrida em escolas representa 5,4% dos casos. No entanto, por exemplo, no caso de infantes 22% das notificações não é possível identificar o local da violência, o que evidencia a necessidade de aprimorar a coleta e o detalhamento das informações. Para a professora, os dados demonstram que a violência infantil se tornou uma prática cultural, o que exige ações de transformação. “Nosso papel é discutir, debater e informar que há possibilidade de criar e educar as crianças sem violência”, enfatiza.

Foto: Karen Stinsky

Segundo o Manual de Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violências, publicado em 2018, crianças e adolescentes podem ser submetidos a diversos tipos de violência. Entre elas, destacam-se: violência extrafamiliar, institucional, social, urbana, macroviolência, bullying, violência virtual, cultos ritualísticos, violência doméstica ou intrafamiliar, violência física, sexual, psicológica e negligência. Além dessas, o manual também aponta formas específicas, como a síndrome de Munchausen por procuração, violência química, intoxicações e envenenamentos, filicídio, autoagressão, práticas de atividades de risco, lesões autoinfligidas e tentativas de suicídio.

No Brasil, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes foram especificamente reconhecidos por meio da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também estabelece diretrizes sobre situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, incluindo menções específicas aos maus-tratos e às medidas cabíveis em casos de violação desses direitos por parte de pais ou responsáveis.

A 10ª Semana de Enfrentamento às Violências Contra Crianças e Adolescentes foi uma iniciativa do Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assessoria sobre Infância e Adolescência (Nepia). A programação ocorreu dos dias 15 a 21 de maio e contou com a parceria da Comissão Municipal Intersetorial de Enfrentamento às Violências contra Crianças e Adolescentes (Ceves) e dos projetos de extensão Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e Juventude (Neddij), Núcleo Maria da Penha (Numape), Núcleo de Estudos sobre Violência Intrafamiliar (Nevin), Processos Migratórios e Intercâmbios: Inclusão Social e Diversidade Cultural (Promigra) e Parentalidade Positiva na Primeira Infância (Papoprin).

Foto: Karen Stinsky

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