Historiadora analisa a apropriação cultural como mecanismo de opressão e esvaziamento de símbolos em palestra de abertura
O evento Vozes Negras em Foco iniciou sua programação nesse último sábado (26), com a palestra de Merylin Ricielli, pós-doutoranda em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A mediação foi realizada por Jane Aransiola, doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp.
O evento surgiu em 2011 a partir de uma sugestão feita por uma professora da graduação de Aransiola. “Eu sentia falta da representação da cultura negra na cidade e graças a uma professora veio a inspiração de promover um espaço de diálogo e representatividade”.
Ricielli abordou o conceito de apropriação cultural a partir da obra Apropriação Cultural, de Rodney William. Segundo ela, a prática ocorre quando “grupos dominantes se apropriam de elementos culturais de grupos subalternizados”, resultando no esvaziamento de seus significados originais.
A palestrante explicou que o debate não se limita ao uso de símbolos como tranças, dreads ou turbantes, mas envolve a compreensão do valor histórico e cultural desses elementos. “A grande problemática é o esvaziamento do sentido e do significado”, afirmou.
Ela também destacou a relação entre apropriação cultural, capitalismo e globalização. Para Merylin Ricielli, a cultura, ao ser transformada em mercadoria, perde seu sentido original e passa a ter apenas valor comercial.
A palestrante chamou atenção para a existência de privilégios raciais e sua influência na apropriação de símbolos culturais. “Um indivíduo branco pode usar dreads e ser visto como estiloso, enquanto um indivíduo negro é seguido dentro de um banco”, exemplificou.
Merylin propôs que a análise da apropriação cultural considere três aspectos: conhecer a origem do elemento, avaliar sua necessidade de uso e identificar relações históricas de dominação.
Sobre a diferença entre apropriação e admiração cultural, a historiadora afirmou que a segunda exige conhecimento e respeito. Ela apontou que muitos atos de suposta admiração resultam na descaracterização e apagamento de tradições.
Durante a palestra, a historiadora citou exemplos locais, como a Festa Alemã de Ponta Grossa. Segundo ela, por mais de duas décadas, apenas mulheres brancas foram escolhidas como majestades do evento. A primeira mulher negra foi eleita recentemente, fato que evidencia as barreiras sociais e raciais na representação cultural.
Merylin Ricielli concluiu que a discussão sobre apropriação cultural deve ir além da escolha individual, considerando os impactos coletivos e históricos. “A apropriação cultural é parte de um processo de resistência e preservação da memória negra”, disse.
Eunice Novaes, participante do evento, reconhece a importância de temas que abordam o recorte de raça nas relações: “Eu enquanto mulher preta em uma cidade mais conservadora como Ponta Grossa não vejo tantas abordagens raciais. Sempre que tem eventos, movimentos voltados à essa discussão, eu participo”. Após a palestra, o evento prosseguiu com outras atividades voltadas à reflexão sobre as experiências negras no Brasil contemporâneo.
Texto por Maria Gallinea e Lorena Santana