Terceiro dia do Fenata traz peças que causam reflexões no público
Mescla de projetor, retroprojetor, teatro e dança integram o espetáculo. Foto: Victor Schinato
O terceiro dia do Festival Nacional de Teatro, 9 de novembro, trouxe mais uma coletânea de peças que trabalham os direitos humanos. O evento, realizado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) , terminou no dia 13 com, pelo menos, 4 apresentações por dia.
No terceiro dia, foram apresentados “Memória Matriz”, da Cia Lumiato Teatro De Formas Animadas de Brasília; “Retilíneo”, do Batalhão Cia. de Teatro vindo de Curitiba; assim como “AnDança da Morte e dUmZé”; “Alberto, o Menino que queria voar”; “Aquele que diz Sim, aquele que diz Não”; e “Entre a Cruz e a Bengala: uma aventura nada clara”.
Memória Matriz: experiências coletivas costuradas com luz:
No palco A do Ópera, de Brasília, a Cia. Lumiato Teatro de Formas Animadas trabalhou o teatro de sombras juntamente com dança contemporânea e com fotografias antigas. A dramaturga e atriz Soledad Garcia, decidiu durante a pandemia, a partir de seu próprio acervo de fotos, contar sua história familiar, e a forma como homens foram sistematicamente “riscados” de sua vida.
A partir disso, se teceu uma história que abarca experiências femininas, com temas como descoberta sexual, relação materna, pressão para o casamento, gravidez e aborto. A narrativa, construída a partir de luz e sombras, teve início como uma exposição interativa e performática em Brasília. Mas, a companhia de arte estuda o teatro de sombras contemporâneo desde 2012, quando começou as experimentações.
A interação entre a atriz e o cenário mutável é fundamental para o simbolismo do espetáculo. Foto: Victor Schinato
Quanto à técnica, a produção da peça demorou anos entre pesquisa, preparação e execução. O acervo pessoal de Soledad, fotografias analógicas reveladas, precisou ser transformado em slides acrílicos para projeção em um retroprojetor antigo. Aliado a isso, técnicas de ilustração, costura e colagem foram utilizadas para produzir o efeito desejado pela equipe da companhia de teatro. Tudo colabora para a construção do que, de acordo com a equipe responsável pela dramaturgia, representa uma memória que conecta todas as mulheres.
A atriz principal, Katiane Negrão, afirma que durante toda sua carreira teve foco em desenvolver sua consciência corporal e performar sua fisicalidade da melhor maneira, com influências de dança contemporânea e teatro experimental.
Os artistas estudam formas não-brancas de teatro. Foto: Victor Schinato
Retilíneo: histórias paralelas de opressão, violência e a existência do teatro negro
De Curitiba, com artistas de várias partes do Brasil, a Batalhão Cia. de Teatro apresenta o espetáculo “Retilíneo”. A peça, uma narrativa nem um pouco linear, apresenta 4 tramas emaranhadas: uma criança negra acompanhando a chegada dos navios negreiros na África; uma mãe preta preocupada com seu filho fora de casa; um escravo sendo vendido num mercado; e um jovem negro voltando para casa a noite depois de uma festa.
No decorrer da narrativa, é possível perceber que a situação, independente da época, nunca teve muitas alterações. Tanto a criança, quanto o jovem, encontram uma figura violenta que tiram deles qualquer segurança, conforto, e vida. Assim como o escravo e a mãe não ocupam posições muito diferentes, ambos sendo explorados pelo sistema e presos de maneira que a existência não passa de sobrevivência e preocupação com o futuro e familiares.
A partir do roteiro em diferentes fases da opressão, o espectador acompanha o nascimento, agravamento e perpetuação da violência contra pessoas pretas. Com intervenções didáticas que ironizam diferentes comentários presentes na sociedade brasileira, sejam termos com conotação racista, atitudes que remetem ao racismo estrutural, ou comentários que invalidam toda uma comunidade.
O coletivo de artistas é composto por pessoas de diferentes partes do Brasil. Foto: Victor Schinato
“Nós tivemos uma vivência teatral onde, na tentativa de nos colocar como um adereço ou cenário benquisto pelo teatro branco, ou de representar discursos e anseios brancos em cena”, afirma a atriz Isabel Oliveira sobre a trajetória da companhia no teatro. A partir dessa exclusão de histórias não centradas em pessoas brancas, os artistas se inclinaram para o teatro negro.
De acordo com o Relatório Pele Alvo: A Bala Não Erra o Negro, organizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSec), a cada 100 pessoas mortas pela polícia, 65 eram negros. Ainda, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, organizado com dados fornecidos por secretarias de segurança pública e instituições policiais, mostra que a taxa de mortalidade em intervenções policiais para pessoas pretas é de 3,5 a cada 100 mil pessoas. Enquanto isso, pessoas brancas tem uma taxa de 0,9; indígenas configuram uma taxa de 0,7; e pessoas amarelas contam com 0,5.
Segundo o anuário, entre 2022 e 2023, o Paraná teve um aumento de 630% nas queixas de racismo, um salto de 220 ocorrências para 1606.
Por Victor Schinato