‘Impostora: Yellowface’ – Uma Sátira Ácida Sobre Apropriação Cultural e Identidade Racial

Novo livro da autora R.F. Kuang, que chega às prateleiras do país neste mês, traz pautas importantes, como o yellowface, um tema ainda carregado de misticismo e desconhecimento pela população brasileira

 

 

A recente obra “Impostora: Yellowface”, de R.F. Kuang, surge como um catalisador crucial para uma reflexão mais profunda sobre apropriação cultural e identidade racial. O livro, com seu enredo envolvente e crítica mordaz, coloca em foco o conceito de yellowface, uma prática de apropriação cultural onde indivíduos não asiáticos assumem estereótipos ou papéis asiáticos, frequentemente de forma insensível e reducionista. A obra de Kuang não apenas expõe essas práticas, mas também explora as complexidades da identidade racial através de uma sátira aguda, na qual a protagonista da obra é uma mulher branca que pratica yellowface.

 

O que é yellowface?

 

O termo yellowface refere-se ao uso de maquiagem, trajes e outros dispositivos para simular características asiáticas em atores não asiáticos, historicamente com o objetivo de reforçar estereótipos ou para preencher papéis que poderiam ser melhor representados por atores asiáticos. Esta prática, que remonta a filmes como “The Good Earth” (1937), onde um ator branco foi pintado de amarelo, perpetua uma visão distorcida e desrespeitosa das culturas asiáticas.

 

Conversas Necessárias

 

Beatriz Amaral, criadora de conteúdo literário, acredita que “Impostora: Yellowface” é um importante ponto de partida para discussões sobre yellowface e apropriação cultural. Segundo Amaral, apesar da apropriação cultural já ser um tema debatido, inclusive nas redes sociais, falar em relação às pessoas amarelas ainda é um tópico obscuro. Por isso, ela observa que o livro pode servir como uma “porta de entrada” para que o público aprenda mais sobre questões de racismo amarelo e apropriação cultural.

 

Amaral também aponta a forma como a obra aborda a apropriação cultural em comparação com outras mídias: “A Kuang faz de uma forma muito genial, que eu acho que é uma forma meio dúbia, porque a gente acompanha a protagonista, que é a pessoa que faz yellowface.” Ela destaca a habilidade do livro em desafiar o leitor a considerar a ética das ações da protagonista, apesar de entender seus dilemas.

 

Para Victor Kiyoshi, também criador de conteúdo literário, essa obra é como um meio eficaz de provocar reflexão.”A história é narrada pelo ponto de vista da pessoa branca, então eu vejo que a obra de Kuang é um ótimo gatilho para o início dessas conversas.” Ele aprecia a forma como o livro permite ao leitor refletir sobre os temas abordados sem simplificar ou reduzir a complexidade das questões.

 

Crítica ao Mercado Editorial

 

Ambos entrevistados concordam que “Impostora: Yellowface” oferece uma crítica significativa ao mercado editorial e às práticas de publicação. Para Amaral, é importante ter alguns cuidados quando o(a) autor(a) escreve sobre um grupo étnico do qual não faz parte. Ela destaca a necessidade de uma leitura sensível e a importância de envolver vozes da própria cultura ao tratar de temas de identidade racial.

 

Para Kiyoshi, a autora fez uma boa escolha em deixar uma pessoa branca fazer a narração da história. Assim, proporciona uma crítica mordaz e direta às práticas de apropriação cultural no mercado editorial.

 

Experiências Pessoais e Impacto Emocional

 

Os críticos refletem sobre como suas identidades pessoais influenciam a interpretação de “Impostora: Yellowface”. Amaral, que tem descendência japonesa, acredita que é muito mais enriquecedor ouvir uma história contada por alguém que faz parte daquele grupo. Ela destaca que, apesar de não ter sofrido bullying, suas vivências moldam a visão crítica sobre o livro.

 

Kiyoshi, por sua vez, relata que a leitura do livro lhe trouxe uma sensação de cura e alívio. “Foi uma leitura tão boa e divertida, sinto que o livro me ajudou a ‘curar’ uma parte que existia muita raiva por viver em uma sociedade racista”, afirma. Ele aprecia como o livro aborda questões raciais sem provocar uma raiva duradoura, o que é raro em discussões sobre racismo.

 

“Impostora: Yellowface”, de R.F. Kuang, não é apenas uma sátira sobre a apropriação cultural, mas também uma obra que provoca uma reflexão crítica sobre o mercado editorial e a representação racial. Através das perspectivas de Beatriz Amaral e Victor Kiyoshi, entendemos a importância de abordar essas questões com nuance e cuidado. A obra de Kuang, ao explorar o yellowface e suas implicações, oferece uma oportunidade valiosa para uma conversa mais ampla sobre identidade, representação e ética na literatura e na mídia de pessoas amarelas.

 

Texto por Maria Gallinea e Ticyane Almeida

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