O direito humano de fugir

Não é uma questão de opção, mas de sobrevivência

Classificações são criações de natureza burocrática. São frias, metódicas e, por vezes, divisórias. Em certos momentos da história humana, elas separaram grupos, ajudaram a desenvolver preconceitos e até resultaram em guerras. Como método jurídico, dentro dos padrões estabelecidos pelas leis internacionais de direitos humanos, as classificações têm o mesmo poder de derrubar barreiras – ou de construí-las. Exemplos recentes disso são a crise de refugiados no mediterrâneo e a expulsão de imigrantes ilegais dos Estados Unidos. Taistermos, refugiado e imigrante, têm implicações políticas significativas sobre como esses indivíduos são recebidos em um país, as proteções e direitos que recebem e até mesmo como a sociedade receptora pode reagir à sua chegada. O problema é que, muitas vezes, a distinção entre eles é incompreendida.

Fundamentada no Artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que reconhece o direito das pessoas de buscar asilo em outros países, a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951)é a peça central da proteção internacional de refugiados. A Convenção entrou em vigor em 22 de abril de 1954 e foi sujeita a apenas uma emenda na forma de Protocolo (1967), que removeu os limites geográficos e temporais da Convenção de 1951. A Convenção de 1951, como um instrumento pós-Segunda Guerra Mundial, foi originalmente limitada para pessoas que fugiam de eventos ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951 e dentro da Europa. O Protocolo de 1967 removeu essas limitações e, assim, deu cobertura universal à Convenção. Assim, apartir dessa Convenção, os refugiados são classificados como vítimas de circunstâncias que não controlam, como guerras e conflitos. Já os imigrantes são definidos como indivíduos que escolhem se mudar, usualmente em busca de oportunidades sociais ou/e econômicas.

Apesar de os refugiados estarem no centro da ajuda humanitária global, eles são frequentemente recebidos com resistência governamental. Países europeus e os Estados Unidos concordam com o princípio de não-repulsão – uma promessa de não devolver uma pessoa a um país onde sua vida ou liberdade seria ameaçada. Talnorma humanitária é projetada para fornecer refúgios seguros, porém, devido aos ‘fluxos mistos’ de refugiados e imigrantes, essa questão se torna complicada. Assim, enquanto tentam cumprir as obrigações humanitárias, muitos desses países também buscam controlar suas fronteiras e, consequentemente, barram a entrada de pessoas de acordo com classificações que, apesar de fundamentadas a partir de leis internacionais, caem constantemente em áreas cinzentas.

A motivação de uma pessoa para se movimentar não deveria simplesmente entrar nas categorias ‘forçadas’ ou ‘voluntárias’. Uma pessoa pode, simultaneamente, fugir deperseguição e ainda buscar oportunidades econômicas ou sociais. Países em desenvolvimento, por exemplo,hospedam cerca de 86% da população global de refugiados, mas estão mal equipados para fornecer todos os serviços necessários para a sobrevivência dessas pessoas. Com isso, há um fluxo cada vez menor de ajuda internacional, o que força muitas dessas pessoas a se mudarem novamente em busca de lugares seguros e uma vida melhor. Essa constante mudança pode alterar osstatus de refugiados desses indivíduos, mesmo que elesainda possam estar com a sua segurança em risco. Assim, o que países desenvolvidos precisam reconhecer é que indivíduos que migram têm diversos motivos para se realocarem. Aqueles que atravessam fronteiras estão respondendo às pressões econômicas, sociais e políticas sobre as quais têm pouco controle, não apenas por que sua liberdade ou segurança estão em risco.

O direito de fugir, ir embora de uma situação pouco desejável ou, simplesmente, de se movimentar está cada vez mais se tornando uma questão crítica dos direitos humanos. Por isso, apesar de complexas, as classificações são importantes e centrais para o desenvolvimento de políticas de migração. Sem elas, podemos voltar a um estado em que a decisão de uma pessoa de ir e vir será pautada de acordo com cor, etnia, religião, sexualidade, gênero ou qualquer outro traço cultural que fuja do padrão.

Marina Demartini

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