O Lésbicas que Pesquisam (LQP) é um catálogo online que reúne informações sobre pesquisadoras lésbicas e suas pesquisas. O site do projeto entrou no ar em agosto deste ano e reúne pesquisadoras de todas as áreas do conhecimento. O Elos conversou com a idealizadora e criadora do LQP, Maria Eduarda Magro, sobre o catálogo e a realidade das mulheres lésbicas na academia.
Magro é graduanda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, desenvolve uma pesquisa sobre o Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier no período da ditadura civil-militar brasileira. Junto com duas amigas, desenvolveu o LQP.
1 – Como surgiu a ideia de fundar o Lésbicas que Pesquisam?
A ideia de fundar o LQP ocorreu quando eu e minha parceira, a Eduarda Soletti, estávamos assistindo uma palestra em um evento que estava acontecendo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), promovido pelo Departamento de História. Era uma mesa com três palestrantes, ambos historiadores gays. Um deles comentou “ah, esta é a mesa dos viados”, para destacar a visibilidade que os homens gays estavam ganhando naquele momento. Nós duas questionamos quando seria possível ocorrer a mesa das lésbicas. A partir desse ponto, começamos a refletir sobre a visibilidade lésbica na acadêmica e a desenhar a ideia do Lésbicas que Pesquisam, como forma de visibilizar a existência das lésbicas na academia. Não só com trabalhos voltados a lésbicas, mas de todas as áreas do conhecimento.
2 – Qual a importância de divulgar os trabalhos produzidos pelas lésbicas?
Mostrar que o conhecimento produzido na academia não se trata apenas de um conhecimento heterossexual, branco e elitista. Assim, expor que existe outra forma de conhecimento sendo produzido. Além disto, existe a importância de desmistificar as ideias retrógradas que vinculam as lésbicas à degeneração. É importante trazer a visibilidade através da produção intelectual, para divulgar as lésbicas como detentoras e produtoras de conhecimento.
3 – Como foi o processo de catalogar as pesquisadoras?
Assim que pensamos em fundar o Lésbicas que Pesquisam, a ideia era catalogar essas pesquisadoras. Nos inspiramos na iniciativa “Mulheres também sabem”, que é um catálogo de pesquisadoras mulheres na área de humanas, mas queríamos abranger todas as áreas. Por isso, o LQP é formado por lésbicas de diferentes áreas e níveis de titulação. Para catalogar as pesquisadoras, fizemos uma página no Facebook e divulgamos um formulário,em que as mulheres interessadas poderiam se cadastrar. O formulário ficou no ar de agosto de 2017 a janeiro de 2018. O site foi desenvolvido por uma parceira do projeto, que não tem formação na área, e por isso o processo foi lento. Ela concluiu o desenvolvimento em agosto deste ano, quando disponibilizamos o catálogo. Agora, o cadastro é feito pelo site. Mas o processo é o mesmo, são as pesquisadoras que se cadastram, a partir de uma vontade própria.
4 – Você considera que lésbicas sofrem preconceito no ambiente acadêmico? Por que acredita que isto ocorre?
Acredito sim que as lésbicas sofrem preconceito no ambiente acadêmico, principalmente as que não performam a feminilidade, por serem o estereótipo do que é considerado uma mulher lésbica. Estas mulheres sofrem preconceito em todos os ambientes e também na academia, normalmente com comentários relacionados a aparência, hábitos e a capacidade intelectual. Inclusive, isto é relatado em uma pesquisa que desenvolvemos sobre a comunidade lésbica da UFRGS. Não é algo generalizado, mas existe. E isto ocorre pelos posicionamentos machistas e misóginos dos professores e colegas. Por uma ideia antiga, e que é reproduzida, de que esse não é um lugar que mulheres devem circular, porque foi construído para receber homens de famílias ricas.
5 – Como você acredita que o ambiente acadêmico pode se tornar mais inclusivo?
Criando políticas de respeito às diversas formas de expressão da sexualidade e identitárias. O primeiro passo é que as instituições reconheçam a diversidade dos estudantes e torne como uma pauta criar políticas para atender as necessidades que essas pessoas possuem e agir a respeito das violações que sofrem dentro e fora do ambiente acadêmico. Precisa ser uma iniciativa institucional que iria influenciar no comportamento docente e discente. Eu realmente acho que o ambiente acadêmico só pode se tornar mais inclusivo se partir de uma iniciativa institucional de reconhecer que o público da universidade é amplo, deve ser acolhido e respeitado.
6 – Quais os planos futuros do Lésbicas que Pesquisam?
É sempre visar a expansão e divulgação do projeto. Antes, atuávamos só no Facebook, agora estamos no site e Instagram. O nosso plano futuro é conseguir uma maior visibilidade do nosso catálogo, e como consequência, dar uma maior evidência às pesquisadoras que participam do LQP. Além disso, nós temos um projeto chamado “50 lésbicas para lembrar”. Pesquisadoras do Brasil, México e Uruguai, estão pesquisando individualmente sobre a vida de uma mulher lésbica que seja lembrada por algum motivo. É um trabalho que vem sendo desenvolvido desde o começo de 2018. Nós estamos em uma etapa após um processo seletivo que ocorreu no começo de 2019, de conclusão das pesquisas e elaboração da primeira versão dos textos. Isto tudo significa que está sendo produzido um conhecimento inédito. O nosso maior plano para o futuro é publicar o livro dessas lésbicas que não podem ser esquecidas.
Por Daniela Valenga