A teledramaturgia no Brasil é fato, acessível a todas as camadas, a todas os seguimentos e faixas etárias. Nesse sentido, poderíamos dizer que a teledramaturgia é democrática. -Só que não. Qual o grau de nocividade dela para o expectador? Quando deixamos de refletir sobre o que ela apresenta?
A teledramaturgia é um produto, do qual somos consumidores. Mesmo que eu posso dizer que não assisto, a grande maioria assiste. Desta forma, o reflexo da teledramaturgia se apresenta nas relações sociais, no cotidiano, na legitimação da desigualdade, da manutenção de estereótipos, na invisibilidade do negro, personifica a estética do branqueamento. Sendo assim, direta ou indiretamente ela nos afeta.
Então, precisamos refletir sobre as novelas que consumimos, como um produto que adquirimos cotidianamente. A teledramaturgia é materialidade para o exercício crítico, ela precisa ser pensada como um elemento ideológico legitimador da desigualdade racial no Brasil. O pesquisador e escritor mineiro Joel Zito Araújo, autor do livro e documentário “A negação do Brasil, depois de “garimpar” informações nos arquivos da Globo, da Cinemateca, com autores, diretores e atores, ele pôde concluir: “Quando a novela não é de temática sobre escravidão, em que o negro obviamente faz papel de escravo, ele interpreta empregados, motoristas, porteiros”. Para Zito o papel do negro, qualquer que seja, raramente tem destaque na trama, as empregadas domésticas podem até ser engraçadas, porém não apresentam uma história própria, estas mulheres negras que desempenham papeis que estão sempre apoiados aos personagens brancos.
No momento, vivemos um retrocesso na questão da abordagem racial, com ínfima participação de negros, mesmo quando retratam o estado da Bahia em que a população negra apresenta um percentual de 76,3%, ela é retratada por um elenco majoritariamente branco, havendo a negação do negro e o branqueamento explícito. A trama anterior: A força do Querer de 2017, se desenvolveu no Estado do Pará, que é constituído por 76,7 % de negros, no entanto, o elenco novamente hegemonicamente branco, sendo que uma das protagonistas branca dançava o Carimbo, dança tipicamente de origem indígena, e africana. Podemos afirmar que a ideia Freireana do mito da democracia racial é uma falácia, constatamos a inexistência de negro nas novelas. Quando há uma preponderância de atores negros em novela ou trata-se de tema de escravidão, ou em espaço como favelas, presídios, marginalidade em situações que só reforçam o preconceito atuando no imaginário coletivo de forma a naturalizar o racismo e a manutenção de estereótipos de inferioridade do povo negro, justificando que deve retratar a “realidade”, o compromisso com a verdade somente quando reforça estereótipos. Não para retratar a cultura, a diversidade, a sociedade, como no caso em evidência a nova novela das 21h em que a Bahia é branca e muito mais.
É lamentável perceber o caráter ideológico destas produções, no processo de solidificação do preconceito, do racismo, da desapropriação cultural e na ratificação de subalternidade, marginalidade e invisibilidade da maioria da população brasileira. Somos mais de 53%, entre negros e pardos, na sociedade brasileira. Sendo assim, é preciso um exercício crítico, uma vez que somos consumidores de novelas que não nos representam, que alienam e não fortalecem a nossa contribuição cultural,econômica e social no Brasil. Ratificando assim, apenas a marginalidade e invisibilidade do povo negro, ou seja nega a existência da maioria da sociedade, seu próprio consumidor. Sendo este um desejo das elites, este processo de branqueamento a cada geração, há uma pressão estética enorme, a qual não é positiva, ela é muito colonizada e está a serviço de uma política e na manutenção da desigualdade social e na manutenção desta sociedade.
Precisamos nos defrontar no espelho com a aquilo que somos, compreendendo a importância do povo negro e a sua contribuição para a construção da sociedade brasileira,trata-se de uma maioria negra que compõe e contribuiu e contribui econômica, cultural mente com este país, atitude que vai na contramão da cultura do branqueamento que valoriza os traços arianos, exercendo um papel perverso e cruel com o ator negro e com seu povo, invisibilizando-ose reforçando cotidianamente o mito da democracia racial,agindo de forma a enfraquecer, abalar a auto estima, a sua representatividade e o poder político de que quem constitui a maioria da população deste país. A teledramaturgia brasileira ao falar de seu povo não pode ignorar sua composição étnica, negando-a. Afinal, qual é o papel da arte? Qual o papel da teledramaturgia no Brasil?
Não é exorbitante ou mesmo excessivo reiterar que o problema nacional não é única e exclusivamente dos negros, ou da população indígena. É um problema do Brasil, é uma questão relacional entre os vários seguimentos constituintes da sociedade brasileira, ou seja, brancos, negros, índios e amarelos. “A sua superação é uma portanto uma tarefa de todos e exige uma reeducação coletiva do nosso imaginário, do nosso sentido, da nossa afetividade, em direção ao um conceito multirracial onde a contribuição civilizatória não pode ser somente européia”.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Editora Senac, 2000.
http://atarde.uol.com.br/bahia/noticias/1546867-bahia-apresenta-o-maior-numero-de-negros
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/11/para-tem-maior-percentual-dos-que-se-declaram-pretos-ou-pardos-diz-estudo.html