DIREITOS HUMANOS É COISA DA ESQUERDA!?

Ideia recorrente em qualquer debate sobre direitos humanos é aquela que atribui às ideologias de esquerda o domínio exclusivo sobre tal matéria, como se a direita não se importasse com estes direitos, os quais serviriam apenas aos bandidos. Em sua simplicidade derivativa do senso comum, tal pensamento incorre, dentre vários outros, em um grave equívoco: reservar a uma única doutrina um ideário que, historicamente, serviu – e ainda serve – a inúmeras delas, de várias vertentes.

Seguindo no tema proposto, é preciso ter em mente que os Direitos Humanos formam um todo complexo, ao qual, no decorrer da História, foram sendo agregados inúmeros direitos de naturezas diferenciadas. Grosso modo, três são as naturezas – ou, mais tecnicamente – dimensões dos Direitos Humanos. Vejamos, resumidamente, quais são elas:

– 1ª dimensão: foi concretizada em 1789, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que sintetizou, em seu artigo 2º, os diretos buscados pela Revolução Francesa: liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. A luta de então decorria contra um Estado Absolutista cujo poder despótico controlava, ao bel-prazer do Governante, a vida dos cidadãos, e, portanto, a garantia dos referidos direitos foi um marco jurídico, criando a figura do Estado de Direito. Outrossim, foi um passo importante no desenvolvimento do capitalismo, afinal os altos impostos cobrados no absolutismo impediam o livre comércio. Vale notar que a burguesia passou a exercer as liberdades (econômica, de circulação, de expressão, dentre outras) sem freios, mas tal possibilidade não foi concedida aos escravos, mulheres e indigentes, que permaneciam à mercê das vicissitudes da época.

– 2ª dimensão: pela influência da Revolução Francesa sobre outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, bem como pelas novas tecnologias da Revolução Industrial, o capitalismo amplia-se substancialmente, alicerçando-se nas péssimas condições de trabalho, e na concentração de renda nas mãos da burguesia. Tal conjuntura leva, em 1848, à publicação do Manifestado do Partido Comunista, por Marx e Engels, denunciando os males do capitalismo. Para se ter uma ideia, idosos, crianças e mulheres grávidas faziam jornadas de 12 horas diárias ou mais. E até mesmo a Igreja Católica, em 1891, publica a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que denuncia a concentração de renda e aponta a exploração como algo desumano, mas refuta o socialismo. A partir de então, não apenas trabalhadores, mas outros grupos vulneráveis, como mulheres, consumidores, negros, crianças – e, posteriormente, LGBTQ e deficientes – passam a ter direitos específicos, de forma a ascender tais indivíduos, promovendo uma igualdade material destes para com os demais. Tal é o nascedouro do Estado de Bem-estar Social, que passa a ser adotado por vários países, inclusive os EUA, com seu programa New Deal, depois da quebra da bolsa de NY em 1929. Hoje, tal proposta é concretizada com os programas de redistribuição de renda, como o Bolsa-Família.

– 3ª dimensão: o final da 2ª Guerra Mundial deixa claro que não basta apenas alguns países buscarem a paz, mas é preciso um esforço global que busque tal objetivo. Assim, em 1945 é criada a ONU, que também estabelece, além da paz mundial, outros direitos como supranacionais, como o meio-ambiente e a democracia. Em 1948, é publicada a Declaração Universal da Nações Unidas, que sofreu resistência do bloco soviético por, entre outros temas, considerar a propriedade privada como direito humano.

Deste modo, os Direitos Humanos foram um todo indivisível, com inúmeros direitos de natureza diversas, que serviram, historicamente, tanto à políticas de esquerda como direita. E, assim, eles são exercidos, diariamente, por pessoas cujas ações são totalmente diversas, a depender de seus objetivos. Se, por exemplo, uma mulher exige a pensão alimentícia do filho, está garantindo seu direito à alimentação. Por outro lado, se um cidadão se manifesta contra o governo, ao bater panelas, exerce seu direito à livre expressão. Ademais, diversos países, segundo sua própria história e cultura, têm políticas que garantem Direitos Humanos, inclusive de modos opostos. O Brasil, por exemplo, limita severamente a venda de armas de

fogo, para garantir o direito à segurança pública, enquanto que os EUA a possibilitam de modo amplo, argumentando a favor dos direitos à liberdade e propriedade privada.

Se, no Brasil de hoje em dia, há a impressão de que os Direitos Humanos estão mais voltados à esquerda, é porque a dominância do sistema capitalista faz com que tais direitos tentem minimizar seus reflexos negativos, tentando promover uma igualdade entre diferentes. Porém, como os exemplos referenciados demonstram, mesmo as políticas e cidadãos “de direita” se beneficiam igualmente deles, comprovando que tais direitos buscam, em resumo, concretizar a dignidade humana, conforme a compreensão deste conceito segundo o país e época onde são aplicados.

Pedro Fauth Manhães Miranda

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