No Brasil, as cores e as vozes de abril exigem Demarcação Já!

Diferente da melancólica canção de Baby do Brasil que lamentava o 19 de abril como apanágio do destino de milhões de índios da “Terra Brasillis”, há cerca de 518 anos, a data comemorativa instituída pelo governo Getúlio Vargas, em 1943, vem se transformando em uma extensa agenda das demandas de reconhecimento dos povos originários brasileiros.

Uma das principais expressões públicas dessa agenda é o Acampamento Terra Livre, que, neste ano, reuniu mais de três mil indígenas, de 23 a 27 de abril, em Brasília.

Na base dessa manifestação está uma questão fundamental que é a necessária reflexão sobre a ideia de índio genérico que sustenta os estereótipos e reforça a invisibilidade de uma população de quase um milhão de pessoas (896.917 pessoas, conforme o Censo do IBGE 2010), congregadas em mais de 240 povos indígenas. A maioria vive em áreas rurais e uma parte significativa na cidade, configurando o que tem se chamado aldeias urbanas.  

Todos esses povos são falantes de mais de 150 línguas e dialetos, um número bem menor do que as cerca de mil línguas estimadas na época da chegada dos portugueses (Línguas/Instituto Socioambiental – ISA, 2018). Apesar dessa redução, as línguas, em seu dinamismo próprio, provocado pelo contato e por influências mútuas, estão emconstante modificação. Também são entendidas por suas origens comuns, integrando famílias e divisões maiores como os troncos linguísticos, entre eles o Tupi e o Macro-Jê, cujos vínculos fortalecem os processos de afirmação étnica.

A multiplicidade de povos e línguas com suas características geográficas e organizacionais traduzem uma riqueza cultural entendida como parte de uma memória e de uma herança étnica que anima os árduos embates do presente. Entre esses, a luta pela demarcação das terras e a luta contra a violência, contínua e crescente, que extermina, criminaliza e ataca os direitos constitucionais indígenas.

Em sua vitalidade de guerreiros modernos, ornados com seus grafismos ancestrais, lideranças, anciãos, mulheres, estudantes e jovens indígenas fizeram mais um ATL em Brasília, tendo em suas principais pautas a exigência de anulação do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), chamado pelos manifestantes de “Parecer do Genocídio”. A norma, considerada inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF), obriga toda a administração pública a aplicar medidas previstas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol, de 2009, a todos os processos de demarcação, inviabilizando, na prática, oreconhecimento das terras indígenas.

No Senado exigiram a rejeição do Projeto de Lei nº 168/2018 que prevê o desmantelamento do licenciamento ambiental. A proposta prevê que a Fundação Nacional do Índio (Funai) só se manifeste em processos de licenciamento ambiental de obras ou empreendimentos econômicos que afetem Terras Indígenas que estão com a demarcação finalizada. A reivindicação é amparada em nota técnica* que explicita a ameaça sobre pelos menos 223 Tls nesses estágios do procedimento de demarcação.

Somente esses dois instrumentos já demonstram osembates da mobilização indígena frente aos domínios ruralistas conjugados a interesses econômicos e a impostura de um governo omisso àviolência e violação de direitos, como mortalidade na infância, suicídio e assassinatos retratados noRelatório de Violência contra os Povos Indígenas (CIMI, 2016).

Frente a esse cenário, agravado pela precarização dos direitos das maiorias, aumentam ainda seus desafios buscando ocupar novos lugares de comando, através de candidaturas compromissadas com a defesa de direitos coletivos, ambientais e humanos, numa época ansiosa pela valorização darepresentação política.

* https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/terras-indigenas-na-mira-do-licenciamento

Carmem Rejane Antunes PereiraGraduada em Jornalismo e Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos.

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