Era terça-feira, 3 de novembro. O mundo olhava atento para os EUA, onde milhares de pessoas iam às urnas para decidir entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden. No Brasil, as notícias circulavam entre a eleição americana, o velório de Tom Veiga – intérprete do personagem Louro José – e a primeira etapa das operações do PIX, um novo sistema de pagamento eletrônico.
Mas nos sites de notícias e nas emissoras de rádio e TV não era possível encontrar reportagens sobre o caos instalado no extremo norte do país: o início de um apagão no Amapá.
A crise no sistema de fornecimento de energia elétrica no estado durou mais de 20 dias e – até o fim da primeira semana – pouco ou quase nada se repercutiu sobre o assunto no noticiário nacional.
Quase 90% da população amapaense – nos 13 municípios atingidos – passou cinco dias sem energia elétrica e com problemas para ter água nas torneiras, além dos sinais das operadoras de celular e internet. No dia 7 de novembro o fornecimento foi restabelecido, embora de forma precária. A energia permanecia nas casas por, no máximo, 4 das 24 horas do dia.
Dormir na região era quase impossível. O Amapá tem um clima quente e úmido e, à noite, a temperatura passa dos 30 graus. Por isso, ar-condicionado é um artigo de necessidade para os moradores, que não conseguem ter uma noite de repouso sem um ambiente refrigerado.
A falta de energia elétrica gerou uma série de problemas: filas quilométricas se formaram nos poucos postos de combustível com gerador, moradores corriam atrás de cubas de isopor e gelo para armazenar os alimentos perecíveis e a busca por garrafões de água mineral se tornou um desafio no comércio local por conta da escassez do produto.
Com tantas dificuldades, os moradores se questionavam sobre os motivos de o assunto não ter ganhado repercussão em todo o Brasil. Nos portais de notícias mais respeitados, uma ou duas matérias retratavam o tema. Os grandes telejornais dedicavam no máximo 2 minutos da programação para a região, que representa menos de 1% da população do país. Mas, ainda assim, é um dos estados da nação.
Os questionamentos foram parar nas redes sociais. No Twitter, centenas de amapaenses criticaram os jornalistas que abordaram o problema de forma insatisfatória. Alguns profissionais chegaram a discutir com os internautas. Um deles escreveu: “vocês não querem notícias, vocês querem reclamar”.
Mas as menções e as críticas não diminuíram e tornaram-se tão frequentes que o apagão ganhou o topo do noticiário. Contudo, em qualquer bate-papo de esquina ainda era comum ouvir comentários como “se fosse em São Paulo, por exemplo, iria demorar tanto assim?”.
A mobilização da mídia nacional refletiu na atenção dos governantes. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) visitou o estado para ligar os geradores termelétricos e marcar o término da crise. Não aconteceu. Os problemas continuaram apesar de o Ministério de Minas Energia divulgar o “fim do apagão”.
A situação só foi normalizada no dia 24 de novembro, após a instalação de um segundo transformador na subestação que pegou fogo e deixou a população no escuro. Outras questões, no entanto, vieram à tona: a falta de saneamento básico, a rede precária de distribuição de energia elétrica, as deficiências da saúde pública e as consequências da privatização de serviços essenciais.
A energia gerada para o Amapá é responsabilidade de uma empresa contratada pela União por meio de licitação. A Companhia de Eletricidade do Amapá – organização de economia mista – é quem distribui. Mesmo com o fornecimento precário e a falta de fiscalização, os governos federal e estadual não fizeram mea-culpa e responsabilizaram apenas o setor privado.
Porém, a região dependeu do poder público para voltar aos dias normais, mesmo que a ajuda não tenha sido rápida e eficiente.
Tudo isso aconteceu em meio a um novo pico de casos de covid-19 no estado. Aumento de mortes e internações, além de fake news e disputas políticas marcaram esse período. Dias que mostraram a reação do sistema político aos holofotes acesos da mídia e a inércia dele quando as luzes permanecem apagadas.
Dyepeson Martins
O autor é jornalista e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.