Sobre direitos e humanos em 2018

Foi-me requerida, para o ELOS, uma retrospectiva dos Direitos Humanos em 2018. Tarefa nada fácil, porém necessária. Ainda mais no septuagésimo aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos. Adotada pela ONU em 1948, aquele documento preconizava direitos iguais para todo o mundo. Se, na época de sua criação, a declaração soava um tanto quanto eurocêntrica e liberal – vide o seu artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” –, hoje é a sua utopia o que mais se destaca.

Afirmo isso, porque, para além de sua origem eurocêntrica do pós-guerra, a declaração traz em si a profunda crença numa tríade valorativa, desde então propagada como remédio para o mundo (especialmente para o terceiro mundo), qual seja: Estado, democracia e capitalismo. Com uma soberania estabelecida, o Estado promoveria a democracia que, com a liberdade como seu direito fundamental, sustentaria o capitalismo globalista e neoliberal. Resultado? Direitos humanos garantidos para todos.

Mas, na verdade, o que esta trindade fez nascer nos últimos anos? Poderíamos listar Trump nos Estados Unidos, Brexit no Reino Unido e ascensão da extrema direta na Alemanha. Isso sem mencionar a continuidade das políticas de Putin na Rússia e Erdogan na Turquia. Em se tratando do Brasil de 2018, impossível não fazer referência à eleição presidencial de Jair Bolsonaro.

Tais exemplos confirmam, de forma abrangente, a derrocada daquela tríade antes bem estabelecida (pelo menos, no discurso). O capitalismo voltou-se à sua face protecionista (como o próprio Trump declarou na última Assembleia Geral da ONU); a democracia encontra-se dominada pelo senso comum disseminado pela internet; e o Estado tem sua soberania reduzida para o mínimo possível. Não que tudo isso já não estivesse em voga, mas, como dito, o discurso era diverso. Em 2018, nem isso. Resultado? Direitos humanos para humanos direitos, ou seja, apenas para os que possam pagar por eles, fornecidos pelos automóveis, planos de saúde e escolas particulares.

No Brasil de 2018, Marielle Franco – representante política, negra, bissexual e ativista dos Direitos Humanos – foi assassinada em março e, até agora, nada foi solucionado e ninguém foi preso. O Atlas da violência de 2018 indica que, em 2016, pela primeira vez na história, o número de homicídios no Brasil superou os 60 mil em um ano. A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro só fez aumentar a violência, especialmente na periferia. A reforma trabalhista do ano passado começou a surtir seus efeitos, em sua maioria negativos, diminuindo garantias jurídicas sem elevar o nível de emprego formal; ainda assim, o presidente eleito afirmou que, no Brasil, “é horrível ser patrão”, pedindo uma reforma mais aprofundada. E, por fim, boa parte dos ministros do próximo governo têm aversão ao tema dos Direitos Humanos.

Contudo, ainda que o cenário acima descrito seja desolador, há também todos os avanços que devem ser relembrados, para que possamos continuar acreditando. A morte de Marielle exemplifica bem a frase “quiseram nos enterrar, não sabiam que éramos semente”, pois nestas eleições as candidaturas de transexuais e travestis bateram recorde, sendo que três assessoras da deputada foram eleitas para a ALERJ. Ademais, o Dia Internacional das Mulheres foi marcado por manifestações em todo o Brasil e, especificamente em Ponta Grossa, vimos acontecer tanto a marcha pelas mulheres, como a 1ª Parada Cultural LGBT+ dos Campos Gerais! Tais movimentos relembram os que estarão ao nosso lado nas trincheiras, o que, como diria Hemingway, importa mais que a própria guerra. E, culturalmente, nunca se viu tanta diversidade no cinema, música e literatura. São visibilidades que, há alguns anos, seriam impensáveis e devem ser celebradas.

Diante de tudo isso, impossível analisar a conjuntura atual dos Direitos Humanos de forma binarista, apenas pelos seus (inegáveis e infelizes) retrocessos, de forma a reconhecer possíveis novos avanços, nos guiando pelo que Rudolf Von Ihering já havia deixado claro, em 1872, no seu livro A luta pelo Direito: “A finalidade do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos. Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta”.

Boa luta para todos nós em 2019.

Pedro Fauth Manhães Miranda

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