Entrevista Dia da Mulher em PG com Jennifer Dias

Na última semana foi comemorado o dia da mulher, que para muitos representa uma comemoração, mas que para o movimento feminista significa luta e resistênica. A entrevistada desta semana é Jennifer Dias, graduada em história pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e integrante da Frente Ampla Democrática da cidade. Ela discorre sobre a movimentação em PG e sobre os últimos acontecimentos nacionais. 

 

1) O que o dia da mulher, que foi na última semana , representa para a luta feminina?

Jennifer: Acredito que existem duas leituras que mais se sobressaem. A primeira delas, enormemente difundida, é a de um dia da mulher comemorativo, em que se exalta qualidades como “força” e “empoderamento”. Os locais de trabalho preparam um café diferenciado ou entregam algumas caixas de bombom, o marido entrega flores, e por aí vai. O grande problema dessa leitura vendida pelo mercado é de estabelecer qual o padrão de mulher que deve ser exaltado. E geralmente é a mulher que nos outros 364 dias do ano, precisa mover moinhos e enfrentar todas as dificuldades estruturalmente impostas para sobreviver. O conceito de empoderamento é muito perigoso, pois surgiu a partir de um contexto onde as mulheres precisavam individualmente se responsabilizar por questões de saúde ou de política pública. Então, nesse sentido, quem é a mulher forte? É aquela que, pela ausência de políticas públicas, enfrenta duplas ou triplas jornadas de trabalho para dar conta daquilo que uma sociedade não é capaz de se responsabilizar. É a mulher trabalhadora, mãe, que cuida da família e que passa por uma vida absurdamente difícil. Mas será que realmente deveria ser assim? A vida sempre precisará ser mais difícil para as mulheres para que em apenas um dia do ano, nós tenhamos a decência de se importar com as mulheres? É claro que não existe apenas um padrão de mulher, somos muito diferentes entre nós e cada uma sabe o que enfrenta dia após dia. Mas meu ponto sobre essa leitura romantizada do sofrimento é de que (e aí entra na segunda leitura, mais crítica, sobre o dia da mulher), é muito danoso para a mulher. Pois a vende uma narrativa de que ser forte faz parte do seu “instinto maternal” e de que ela deve continuar lutando sempre, muito mais do que os homens, para conseguir viver tranquila. O verdadeiro significado do 8m é de que 129 operárias estadunidenses de uma fábrica têxtil que morreram carbonizadas, vítimas de um incêndio intencional no dia 8 de março de 1957, em Nova York. E o mercado propositalmente dissociou o dia da mulher desse evento. Justamente para continuar construindo esteriótipos em cima de quem deve ser a mulher numa sociedade desigual. 

2) O que você achou da cobertura local sobre o dia da mulher?

Jennifer: Acredito que além da mídia hegemônica, houve muitos movimentos buscando construir uma leitura do dia 8 mais voltada pra esse lado crítico que citei na primeira questão. Mas creio que muito do que vi se refere ao próprio meio que convivo e as relações que nutro. No geral, mais do mesmo, comemorações irrisórias que não levam a conscientização real da luta feminista.

3) O que você acha sobre a transformação do feminismo em comércio na cidade? 

Jennifer: O 8M que é vendido pelo mercado não é feminista. É no máximo um liberalismo mesquinho disfarçado de feminismo, que vende insígnias prontas, com uma ou outra imagem completamente esvaziada de seu real sentido. É o caso, por exemplo, da Frida Kahlo, que acredito que grande parte do público que consome produtos ligados à ela, não tem real dimensão de quem foi essa grande mulher. É aquela imagem do empoderamento que citei também na primeira questão, em que muitas vezes o famigerado “meu corpo minhas regras” é vendido, mas sem nenhuma proposta concreta de libertação humana. Enfim, cabe a nós estarmos sempre conscientes desses movimentos que são realizados pelo mercado, pela mídia, e buscar abertura para dialogar com mulheres que acreditam em si mesmas, que constroem uma imagem de si positiva, e trazê-las mais próxima das lutas coletivas que buscam sobretudo construir uma sociedade em que todas sejamos livres. É também fundamental criarmos espaços em que mulheres reais falem sobre pautas reais. O feminismo não é uma criação acadêmica que deve chegar pronto às mulheres, mas sim uma luta construída a partir das nossas próprias demandas e que deve ser transformado em um conjunto de transformações que nos garantam equidade de gênero e liberdade.

4) Quais ações a cidade de Ponta Grossa deveria tomar para que as mulheres tenham seus direitos garantidos? 

Jennifer: Eu acredito que essa é uma questão bem complexa, mas acredito que em nível institucional, seria importantíssimo o foco nas políticas públicas pautadas democraticamente, que não se reduzissem apenas ao mês de março. Existem inúmeros movimentos sociais que estão constantemente cobrando dos poderes públicos políticas efetivas para assistir mulheres com suas inúmeras questões, que sofrem as mais variadas violências de gênero. É o caso, por exemplo, de ampliar e valorizar espaços como o conselho municipal dos direitos da mulher, que está ativamente pensando nessa questão.

5) Falando um pouquinho sobre o caso do Arthur do Val, como que ter deputados ou pessoas no poder que pensam dessa forma pode afetar a sociedade e principalmente as mulheres?

Jennifer: Arthur do Val é um homem que mobiliza inúmeros sentimentos enraizados na sociedade. Ele não é uma ferida ou um sintoma, mas sim o sistema patriarcal de sua forma mais pura e cristalina. Ele representa o que grande parte dos homens pensam sobre nós. O impacto disso é muito grave, pois estamos falando de homens que se sentem autorizados a ditar como nós mulheres devemos viver, pensar e agir. E se não seguirmos as regras, eles se sentem autorizados a nos violar, nos matar. Ver um homem como esse na política institucional, assim como ver o governo de Bolsonaro como um todo, é algo que precisamos derrotar através da nossa luta.

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe uma resposta