Agrotóxicos: se não apresentarmos o problema, estamos fazendo jornalismo?

   

Diante de tantas discussões recentes a respeito do uso do agrotóxico e as diversas liberações realizadas pelo governo federal nos últimos meses, a cidade de Ponta Grossa foi palco, no mês de agosto, de audiência pública voltada para o tema. Os sites que registraram as discussões foram o Diários dos Campos, com apenas uma matéria sobre a ocasião, o portal aRede, com duas notícias e site Blog do Doc, também com duas. O mapeamento foi realizado através do sistema de busca usando os termos “agrotóxico”, “defensivos agrícolas” e “Ponta Grossa”. Além disso, no Diário dos Campos foram encontradas duas outras notícias relacionadas ao tema, mas comentando sobre a merenda de escola.

De acordo com o site Viva Sem Veneno (https://www.vivasemveneno.com.br), cada brasileiro consome, em média, 7,3 litros de agrotóxicos por ano. Ainda conforme o site, que utiliza dados dos dossiês da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e relatórios do Greenpeace, esses produtos podem causar sérias doenças neurológicas, distúrbios, baixa imunidade, parkison, câncer de diversos tipos, entre outros problemas à saúde. Anualmente, 790 pessoas morrem devido à intoxicação por agrotóxicos, eles “matam tanto quanto a zika, a dengue e chikungunya juntas”, relata o site.

Mesmo com a periculosidade e grande impacto na saúde das pessoas, vemos constantes matérias que tratam o assunto pelo lado dos agricultores. Na região, não é diferente. O site Diário dos Campos traz uma notícia sobre a audiência pública realizada nos dias 14 e 15 de agosto de 2019. O termo “defensivos agrícolas” é usado na manchete e é publicado um release simples com informações básicas sobre o que será o evento.

Assinada por jornalista, a notícia reforça o lado dos produtores, dando ênfase à citação do vereador Vinicius Camargo (que convocou a audiência): “Hoje o planeta só consegue alimentar todos os habitantes porque usamos defensivos agrícolas. Até o uso do termo agrotóxico é incorreto, porque dá uma conotação muito ruim e incorreta”. A explicação do porquê da audiência e o outro lado só são apresentadas nas cinco últimas linhas de forma indireta e sucinta.

Outra notícia apresentada no site é retirada das Assessorias e defende o uso eficaz dos agrotóxicos que, novamente, são apresentados pelo termo defensivos agrícolas. Com nove parágrafos, a matéria descreve “a segurança” e a importância do uso desses químicos para o equilíbrio da economia regional. Além disso, comenta que a aplicação é realizada por profissionais, o que evita o uso inadequado.

Em contraponto, com assinatura de outros dois jornalistas, o site traz duas notícias referentes à alimentação através de orgânicos, livres de agrotóxicos, que serão implementados, gradualmente, na merenda escola. Uma delas, sob título “Estado busca medidas para servir merenda 100% orgânica”, e blocada em subtítulos, traz os benefícios e a importância desse consumo saudável.

O site aRede traz duas notícias dentro do mesmo formato de release através de informações das assessorias. Apresenta as mesmas informações contidas no Diário dos Campos, inclusive as mesmas citações. A única problematização presente é sobre o uso considerado “errôneo” do termo agrotóxico, novamente sendo apresentado como defensivos agrícolas que não causam mal à saúde. Por último, o site Blog do Doc recicla as informações apresentadas pelas assessorias e pelos outros sites, com notícias do antes e depois da audiência.

Percebe-se que a cobertura jornalística sobre os agrotóxicos na cidade de Ponta Grossa permanece construída pelo direcionamento de assessorias posicionadas ao lado da sociedade ruralista fortemente presente nos Campos Gerais. Desse modo, observa-se que a falha do jornalismo local é presente quando, de âmbito público, devia-se discutir os reais impactos desses produtos químicos que, conforme indicam diversas pesquisas, provocam maleficências ao organismo humano.

O jornalismo sempre deve promover o debate sobre temas de relevância social na esfera pública, a exemplo da realização da audiência sobre os agrotóxicos que envolveu diferentes setores da sociedade. Assim, a falta de compromisso com a pluralidade na abordagem sobre a questão pode ser fundamental para uma incompreensão da população, se considerarmos os posicionamentos sem problematização postados nos sites.

 

Por João Pedro Teixeira

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