Como trabalhar a opinião pública quando grande parte do jornalismo local é refém da superficialidade?

Quando se trata de temáticas relacionadas a Direitos Humanos, o jornalismo hegemônico em geral nutre a prática sintomática de falar sobre estes temas sem aprofundamento ou reflexão, não apenas oferecendo à população uma visão superficial dos acontecimentos, como também as impedindo de formar a própria opinião e desenvolver o pensamento crítico. 

Seja em grandes metrópoles ou em pequenas cidades, a cobertura jornalística das ocupações e lutas ligadas ao Movimento Sem Terra (MST) apresenta problemas que se repetem. Em Ponta Grossa não é diferente, desde que 200 policiais conduziram de maneira ilegal uma operação de despejo de 60 famílias em uma ocupação no bairro Cará-Cará, no dia 5 de fevereiro de 2021, o assunto começou a ser abordado por diversos veículos de comunicação do município. 

Foram analisadas matérias relacionadas às ocupações de Ponta Grossa nos dois principais jornais online, Diário dos Campos (DC+) e o portal A Rede. Optou-se por fazer um recorte temporal nos meses de fevereiro e março de 2021.

No que diz respeito ao portal A Rede, é notória a falta de problematizações na cobertura. Das 16 matérias analisadas, nenhuma trazia uma reflexão real acerca da falta de ações mais efetivas na garantia de moradia no município ou questões econômicas que permeiam as razões pelas quais estas famílias fazem parte de ocupações. Os problemas estruturais e de tratamento de fontes estão presentes em todas as reportagens, o uso da palavra “invasão” atua como forma de vandalizar as ações promovidas pela Frente Nacional de Luta (FNL), tanto no corpo da reportagem quanto nas manchetes. Um exemplo disso é o título de uma matéria veiculada no dia 11 de fevereiro: “Decisão da Justiça proíbe novas invasões em PG”.

 Além disso, grande parte das notícias não trazem um viés questionador com relação à posição do poder público. Comemorações e atos também foram veiculados, contudo, de forma bastante superficial. Outro ponto que vale salientar é o número considerável de matérias que falam sobre a ida de representantes nas ocupações, principalmente as relacionadas ao governo do estado e do município, atuando como forma de “reiterar” o comprometimento dos representantes com o movimento.

Em relação ao jornal Diário dos Campos, a cobertura foi similar à dada pelo jornal anterior. Ao todo foram coletadas 11 notícias que envolviam o termo “ocupação”. Percebe-se uma tentativa de argumentar acerca dos problemas sociais que a luta envolve, entretanto, a abordagem é perpassada por outras justificativas, tratando de armas de fogo e apreensão de entorpecentes. O uso de palavras como “desfazer”, “retirar” e “desmobilizar”, que amenizassem o ato de despejo por parte dos policiais, também marcou a cobertura. Em duas das notícias encontradas, o termo “invasão” foi utilizado na manchete.

De maneira geral, a cobertura dos dois portais foi bastante limitada, dando maior foco ao poder público. É importante refletir acerca do papel do jornalismo local na formação de opinião da população, uma vez que as 37 reportagens atuaram como pontes para reforçar estereótipos já existentes. Além dos problemas estruturais apresentados, a linha editorial dos jornais, seus patrocinadores e também o próprio posicionamento dos veículos ficam bastante claros.

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