A doença é o preconceito e não o HIV

Após 40 anos dos primeiros casos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (em inglês acquired immunodeficiency syndrome – Aids) nos Estados Unidos, muitas coisas mudaram. O que era tido como sentença de morte, hoje há remédios de tratamento contínuo que permitem uma vida e saúde normais.

Não muito distante da Covid-19, o início da epidemia da Aids na década de 1980 também causou medo na população e alvoroçou a comunidade médica. Demorou a se descobrir um exame médico que identificasse o diagnóstico. As formas de transmissão ainda não eram claras e a exclusão e preconceitos recaíram sobre cinco grupos de pessoas.

Os chamados 5H – homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (profissionais do sexo em inglês) – foram os mais acusados pela disseminação do vírus até se descobrir que heterossexuais, sejam crianças ou adultos, passaram a se contaminar. Mas a discriminação não acabou; não só a Aids levava à morte, o preconceito também. Eram assassinados aqueles que remetiam aos 5H, não por medo, mas por ódio.

Discriminação e mortes, esse é o saldo dos estigmas que ainda estão presentes em nossa sociedade. Pouco se testa a população devido à vergonha perante o assunto, pouco se fala sobre o Vírus da Imunodeficiência Humana (em inglês Human Immunodeficiency Virus – HIV) devido à necessidade de discutir sobre sexo seguro e pouco se fala sobre como as pessoas com diagnostico positivo para o vírus vivem atualmente.

Acontece que muitos se calam quando descobrem o diagnóstico por vergonha de serem julgados, pelo medo inicial da escassez de informações. A primeira coisa que ainda se pensa é “agora vou morrer” ou até mesmo “carrego veneno nas veias”, pensamentos que estão impregnados pela falta de conversação sobre o HIV.

Os soropositivos vivem normalmente, têm direitos de trabalhar como qualquer outra pessoa, ter relacionamentos afetivos, sair para se divertir e construir uma família. Isso é o que deveria ser dito à sociedade. Ninguém deve ser julgado pela sua comorbidade, todos devem ter seus direitos reconhecidos, inclusive o direito de uma vida sem preconceito.

O Brasil, mesmo com o desmonte do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, ainda é um exemplo mundial de assistência para pessoas que vivem com HIV e Aids. Há medições e exames disponíveis no SUS. Do antigo AZT – coquetel de remédios que muitas vezes causava hepatite medicamentosa – ao mais novo remédio de tratamento de um comprimido diário, o Dovato composto pelo Dolutegravir e Lamivudina. Há outra forma ainda mais promissora para o tratamento, o Cobenuva é o medicamento injetável com aplicação mensal sem necessidade dos comprimidos. Importante mencionar que, seguindo corretamente o tratamento, o soropositivo fica indetectável e intransmissível.

Os testes – ainda neste ano – de vacinas contra HIV não funcionaram. Continuamos sem cura para o HIV. Já se passaram 40 anos dos primeiros casos, a ciência evoluiu, os tratamentos evoluíram, mas os estigmas presentes na sociedade ainda permanecem. O HIV não mata mais, o preconceito sim, seja em desestimular os soropositivos em continuar com seus tratamentos, seja pela vergonha em realizar os testes disponíveis no sistema de saúde público, ou em impedir que as pessoas sejam felizes.

A normalização do debate sobre HIV não mostra gourmetização do tema, mas sim a distribuição de informação. No mês vermelho de combate ao HIV, à Aids e ao preconceito, esse assunto não pode passar batido e nem ser calado.

Coluna de Leonardo Duarte é graduando em jornalismo pela UEPG, é o G do LGBTQIA+ e portador do HIV.

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