Barreiras no acesso à saúde mental e reprodutiva das mulheres rurais

Confira a segunda parte da série de reportagens “Roceiras”, produzida por Gabriella de Barros para seu projeto de conclusão de curso, finalizado em 2021.

 

Cibele Maffini foi uma das ginecologistas que passou por plantões na cidade de Palmeira, Paraná. Plantonista da obstetrícia na Santa Casa, atendeu casos da cidade e do interior. De acordo com a ginecologista, o número médio de nascimentos na maternidade era de dois a três por 24 horas e, entre as gestantes, havia as fumicultoras. Em seu consultório privado, em Palmeira, Cibele atende aproximadamente 10 pacientes fumicultoras. A médica explica quais são os principais problemas causados na saúde reprodutiva da mulher rural: “Primeiro, a cultura em si. O tabaco é por si só uma planta nociva e principalmente na colheita o contato com as folhas é grande. Nas estufas de fumo é ainda mais intenso, pois no processo de secagem existem substâncias possivelmente tóxicas liberadas pelo fumo que são inaladas e não é raro algumas pacientes relatarem enjoos e tonturas”. Segundo a médica, a literatura medica traz muito sobre os efeitos nocivos do tabaco fumado, mas ainda é pobre em evidências em relação aos efeitos do contato com a folha de tabaco na fumicultura. Existe uma associação com o trabalho de parto prematuro, maior incidência de depressão e suicídio, abortamentos e irregularidades menstruais, entre outros aspectos a serem investigados. Para ela, ainda são poucas as pesquisas sobre o tema e é preciso avançar nesses estudos. “Outro problema são os inseticidas e herbicidas utilizados”, explica.

De acordo com a pesquisa “Sintomas de depressão em mulheres rurais: fatores sociodemográficos, econômicos, comportamentais e reprodutivos“, de 2017, que produziu entrevistas com 280 mulheres da área rural do município de Uberaba-MG, alguns fatores que levam as mulheres rurais a serem mais propensas à depressão e à ansiedade estão relacionados à exposição a determinadas circunstâncias, condições e comportamentos que podem torná-las mais vulneráveis à depressão. Alguns fatores são: aumento da idade, baixa escolaridade, divórcio, violência física, pequena rede social, pouco apoio social, relacionamento regular com familiares, estresse e intenção suicida. “Existem fatores estressores que são únicos do ambiente rural, como isolamento, pouco contato social, limitado acesso aos serviços de saúde e profissionais de saúde, a distância, estradas em más condições, despesas de transportes, declínio da economia agrícola, renda irregular e desvantagens financeira e educacional”, descrevem as autoras do estudo.

Como visto no gráfico abaixo, a região Sul possui um percentual alto de pessoas diagnosticadas com depressão. De acordo com o IBGE, a prevalência é de 10,7% na área urbana e 7,6% na área rural. Também foi verificado que as mulheres são o maior alvo da depressão, 14,7% no sexo feminino e 5,1% do sexo masculino. A pesquisa de 2017 constata também que, das 280 entrevistadas, em média 8,6% moravam com os companheiros, mas classificavam sua convivência como ruim, chegando em média a 20,6%.
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Assim como o problema da depressão, a pesquisa mostra que, das 280 mulheres, 10,6% delas já sofreram abortos. A ginecologista, Cibele, quando questionada sobre os riscos de abortos em mulheres rurais, observa: “Acredito ser possível um maior índice de abortos devido à exposição ao tabaco e aos inseticidas e herbicidas sem o uso de proteção adequada”.

Unidade de Saúde

A médica Kauana Soares, que é clínica geral na Unidade de Saúde que atende as comunidades rurais de Queimadas e Vileiros, analisa as principais queixas das mulheres no consultório.

A agente comunitária, Sônia Maria Marques, comenta sobre problemas de saúde cotidianos nas mulheres no campo: “Começamos a ver problemas de coluna, problema de útero e ovário, casos de mulheres que abortam e têm dificuldade para engravidar”. De acordo com a pesquisa realizada pelo IBGE, em 2019, além da depressão, o câncer é uma das doenças que mais aparece e que mais acomete as mulheres. “Foram destacados os seguintes tipos de câncer: mama (26,8%), próstata (16,0%), colo de útero (11,6%) e melanoma (9,9%). O câncer de mama foi relatado por 43,5% das mulheres nos casos de câncer no primeiro diagnóstico, e o de colo de útero por 19,0% delas”, estima.

Na Unidade de Saúde, alguns exames direcionados às mulheres estão disponíveis. Os exames laboratoriais que elas têm acesso são o preventivo e o o teste rápido que é feito para testagem de hepatites, sífilis e HIV, em que os resultados saem na hora. Para as gestantes também é feita a coleta do teste da mãezinha – é um exame que tem como objetivo detectar, prevenir e tratar doenças como a Anemia Falciforme e a Talassemia Major nas gestantes – e são realizados também os exames clínicos. Se houver necessidade de um exame complementar, é feita a solicitação.

“O que não for coberto pelo SUS, dentre os exames, elas precisam ir até Palmeira para pagar o exame, mas a coleta é feita na Unidade mesmo no dia especifico que o laboratório vai para realizar a coleta”, explica Kauana. Os exames de imagem são todos feitos em Palmeira, assim como os de gravidez.

 

Mulheres chegando na Estratégia Saúde da Família em Queimadas

 

Andréa Baggio precisou de consulta na Unidade de Saúde de Queimadas, no começo de 2020, para sua filha Ana Flávia, que apresentava uma mastite no seio. Andréa contou que a médica deu um remédio para a filha, mas não resolveu o problema. Em janeiro deste ano, a menina teve outro problema de saúde e precisou do atendimento da Unidade. Como sua filha estava com dor, Andréa não foi trabalhar no período da tarde e a levou para consultar, mas não foi atendida. A UBS alegou que naquele dia só era possível atender pessoas que já estavam agendadas. “Assim mesmo a enfermeira deu uma olhada nela e pediu para vir no outro dia cedo, só deu um paracetamol e um ibuprofeno para ela tomar. Mas ela estava com muita dor e ai, dali mesmo, eu levei para um médico particular em Palmeira”, relata Andréa. Em Palmeira, a filha de Andréa conseguiu fazer os exames necessários.

 

 

Para ela, é importante que a comunidade tenha uma UBS e que o atendimento seja bom para aqueles que precisam de um acompanhamento, mas segundo a moradora, o serviço falha quando é para atender casos que chegam sem hora marcada ou sem ficha. “Minha sogra uma vez estava ruim e foi até lá para consultar, mas não tinha ficha porque você tem que ir só de manhã e ficar lá esperando. Se vai depois do almoço só atendem os agendados, às vezes passa mais de ano sem você ir lá, mas quando precisa não é atendido”, relata.

Andreia do Nascimento, que é moradora de Vileiros, mas utiliza a UBS de Queimadas, também relata que o principal problema da saúde na comunidade é a demora no atendimento. “A gente tem que ir de madrugada pra conseguir uma ficha e só são atendidos dez pacientes por dia, quando falta médico aqui tem que ir em uma unidade mais próxima”. Outra questão levantada por Andreia é sobre os problemas causados pelo plantio de fumo, pois entende que é o que mais prejudica a mulher física e psicologicamente. Para ela, mesmo o fumo estando muito presente na cultura do campo, traz muitos malefícios às mulheres, como intoxicação por tabaco, tremores, tontura, dor de cabeça, náusea, cólicas, dores musculares, insônia, depressão, ansiedade e suicídio.

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