Casamento homoafetivo volta a ser discussão na Câmara dos Deputados

 

Ideia de estrutura familiar baseada em reprodução é argumento usado para proibição

 

Por Joyce Clara, Victor Schinato, 

Gabriel Aparecido, Iolanda Lima e Livia Souza

 

Em 2004 dois homens do Rio Grande do Sul conseguiram uma liminar que autorizava o casamento civil, desde então vários avanços e retrocessos marcaram a situação jurídica do casamento homoafetivo. Desde 2011 o Supremo Tribunal Federal (STJ) reconhece a união estável de pessoas do mesmo sexo como família. Dois anos depois, a resolução do Conselho Nacional de Justiça proibe que cartórios recusem a realização do casamento civis entre pessoas do mesmo sexo, e por unanimidade do STJ é autorizado oficialmente em todo o país. Em 2018 foi garantido que casais homoafetivos e heterossexuais tenham o mesmo direito e em 2021 a Procuradoria-Geral da República defendeu o direito à adoção para esses casais.

A religião é um dos principais fatores que levam indivíduos à se posicionarem contra o casamento homoafetivo, é o caso do Pastor Eurico (PL), deputado federal que  propôs a mudança no Código Civil que não permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O projeto foi aprovado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família por 12 votos a 5, e segue para votação na Comissão dos Direitos Humanos.

 

Anna Luiza e Clara Lemos

 

Anna Luiza Soares, advogada e pesquisadora sobre o tema LGBTQIAP+, e Clara Lemos Mendes são um casal homoafetivo, que planejam se casar, e explicam que o principal preconceito que passam é quando são vistas de mão dadas e são abordadas por homens, assim como os sofridos dentro da família. “Quando eu assumi o relacionamento com a Anna a primeira coisa que minha mãe pediu é que eu não contasse para meus irmãos mais novos, porque eles não entenderiam, como se fosse um crime” expõe Clara. Quando elas contaram de se casarem, a família de uma mostrou certo apoio, enquanto a de Anna ficou apática.

Sobre o projeto de lei do pastor, elas o definem como um completo retrocesso. “Em 10 anos querer proibir agora, fere completamente a sociedade, os direitos que cada um tem como pessoa, colocando religião acima da liberdade individual, é complicado”, coloca Anna. Clara complementa que se deparar com a ideia de talvez ser privada de se casar por conta de crenças de outros é um sentimento péssimo, e conta que há anos elas falam de um casamento entre elas. 

“Claramente inconstitucional” a advogada declara sobre o projeto. “É querer impor a religião em um Estado laico, não tem argumentos jurídicos para fundamentar isso, e fere a constituição”, ela complementa que vários artigos definem que a homofobia foi pautada como crime, o que tranquiliza em parte Anna, que considera que existe uma proteção jurídica que impede a aprovação total desse projeto. 

“Muitos casais heterossexuais não podem reproduzir por diversos fatores, então seria proibido o casamento nesses casos também?” Para Clara, a justificativa do deputado para a proibição do casamento, relacionando a impossibilidade de reprodução com a não constituição de uma família, trata-se apenas de olhar com um viés homofóbico. Elas ainda ressaltam que muitos casais não querem ter filhos, e que a família não deve ser colocada nesses moldes.Clara encerra dizendo que a comunidade LGBTQIAP+ deve se unir para buscar e garantir os direitos. 

 

Mapa dos registros de casamentos  em cartórios 

 

 Apesar do primeiro registro de casamento homoafetivo ser de 2004, a Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-BR) só começou a contabilizar as uniões a partir de 2013, quando tiveram 3.700 registros. Em comparação com 2022, foi o ano em que mais foram registrados casamentos, houve um aumento de 28,74%, com 12.987. Até setembro de 2023, foram 9.924 registrados, sendo 393 no Paraná, o quinto estado com maior número.

Ao todo, durante os 9 anos da contabilização somaram mais de 76.400 uniões entre pessoas do mesmo sexo, com cerca de 82 mil famílias homoafetivas oficilizadas no cartório, incluindo casamentos e uniões estáveis. Já Ponta Grossa, desde o começo da contagem, contabilizou 112 casamentos, em média 11 por ano. Considerando a separação por gênero, no Brasil foram 56% mulheres e 44% homens. Já no Paraná a separação não foi realizada. Em Ponta Grossa, 60,7% são mulheres e 39,3% homens. 

 

Ser LGBTQIAP+ em Ponta Grossa

 

 Andressa Rodrigues de Mello é designer em Ponta Grossa e namora uma mulher. Ela relata que a cidade não é uma das melhores cidades para viver como LGBTQIAP+  “As vezes quando eu saio de mãos dadas com a minha namorada na rua, as pessoas ficam olhando com olhares ruins, você consegue ver que a pessoa não gosta daquilo, sente repúdio.” relata. Para ela, a proibição do casamento homoafetivo não faz sentido ser pautada agora. “Tem tantas coisas para serem feitas do Brasil, leis que podem realmente ajudar a população”. Andressa ainda expõe que a motivação do projeto de lei é totalmente o ódio, além da contradição bíblica. “A regra que eles [cristãos] dizem que Jesus ama as pessoas como elas realmente são, por que então eles tem que julgar e segregar as pessoas?”

“O ódio tá desde sempre, mas ele tem alguns momentos de pico”, pontua a designer. Para ela, as ondas de preconceito podem ser influenciadas por atos e candidatos políticos que motivam a realização dos crimes de ódio contra homossexuais. 

 

Parada LGBT+ e a homofobia 

 

Durante a Parada LGBTQIAP+ de Ponta Grossa que aconteceu dia 12 de novembro deste ano, alguns fundamentalistas cristãos estavam entregando panfletos às pessoas que estavam participando do evento. No panfleto contava a frase “Se você morrer hoje, aonde sua alma passará a eternidade?” junto com a imagem da representação de um ‘diabo’ cristão no inferno ao lado de demônios. Discursavam que por ser um espaço público, a presença era permitida, considerando “a liberdade de expressão”.

O artigo “Discurso de ódio homofóbico nas redes sociais: uma análise a partir das falas públicas da família Bolsonaro”, da pesquisadora Marluce de Moura Lopes e Roney Polato de Castro, da UFBA, afirmam que o discurso de ódio em plataformas públicas, como redes sociais, funcionam como amoladores de faca, que potencializam o discurso de ódio e podem acarretar em ações de violência física por parte de seguidores que “recebem o aval” para perpetuar a violência. A questão de governador e prefeita eleitos também é um fator a se considerar. Em junho de 2023, Ratinho foi acusado de homofobia depois de comparar a Parada Gay de São Paulo ao ‘carnaval dos infernos’, seu filho Ratinho Jr. não se opôs às falas problemáticas do seu pai. Já a prefeita Elizabeth Schmidt não faz questão de atender às demandas da população LGBTQIAP+ da cidade. Os dois fatores, mais a onda de conservadorismo da cidade e a cultura cristã fundamentalista da região, cria um ambiente perfeito para ataques de ódio contra minorias. Visto que Ponta Grossa foi a cidade paranaense que  mais votou em Bolsonaro, com 55% dos votos segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

 

Mesmo em ambiente supostamente seguro, a população LGBT está sujeita a violências. Foto: Victor Schinato

 

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