Eu, Nascimento Aguiar, vulgo formigão, sapatão preto y estudante de história me incumbi que escrever o texto sobre o 29 de agosto. Porque essa data só existe pela luta feita por lésbicas negras que vieram antes de nós e não vou passar meu célebre 29 de agosto em branco. Para quem não sabe, 29 de agosto é o dia que o movimento social lésbico convoca a sociedade a ver a história, organização e intelectualidade produzida por lésbicas, para se atentar às violências perpetradas contra lésbicas e chama as lésbicas para celebrar esta visibilidade e a luta política em nome de uma transformação social que nos beneficie.
Tendo como base o texto de Jéssica Ipólito, é sabido que o I SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas) foi realizado pelo COLERJ (Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro). Ipólito destaca o nome de Neusa das Dores Pereira, lésbica negra, como fundamental para a realização desse processo. Segundo Ana Carla Lemos, o foco do I SENALE era realizar uma articulação de lésbicas dentro do Brasil e fortalecimento de lésbicas como sujeito político, visto que nossas pautas não eram foco de movimentos como o feminista e homossexual. E de acordo com Cláudia Pons Cardoso, isso também era algo invisível dentro do movimento negro, embora algumas lésbicas negras se posicionassem em relação à sua sexualidade.
O primeiro SENALE teve como eixos temáticos saúde, visibilidade e organização. Estiveram presentes mais de 100 pessoas, mas nem todas assinaram seus nomes para preservar sua identidade diante da sociedade do lésbico ódio e do racismo. Além do COLERJ a feitura do I SENALE se deu com a colaboração do Centro de Documentação Coisa de Mulher – RJ. Rosangela Castro, lésbica negra, ativista e também candomblecista, em recente mesa no evento online (A)gosto das Lésbicas: origens do orgulho e visibilidade lésbica, realizado no dia 23 de agosto de 2020 e transmitido via Facebook da página Cine Sapatão, alega categoricamente o I SENALE foi construído por lésbicas negras, que com seus corpos por si só já traziam pautas sobre lesbianidade e negritude.
Ainda sobre o I SENALE, Núbia Carla Campos indica que as organizações tinham pouca estrutura, mas contaram com pequenos apoios institucionais – tanto estado do Rio de Janeiro como da União – ou seja, não foi um encontro autogestionário. Estiveram presentes lésbicas e bissexuais de diversos estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Distrito Federal e também participantes estrangeiras. Entre as propostas apresentadas na plenária final, para encaminhar aos governos estaduais e federal, estavam, por exemplo, pautas referentes ao HIV, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e ginecologia especializada na sexualidade lésbica. Campos ainda aponta que, neste evento, foi feita a declaração do dia 29 de agosto como dia nacional da visibilidade lésbica. Algo que a ativista Rosângela Castro sempre destaca como a primeira data de celebração do movimento lésbico. É uma data para comemorar nossa existência.
Há perguntas que podemos fazer para esse fato histórico que não temos respostas, mas essas lacunas apontam que há muito a ser feito para escrever a história lésbica das pretas. Eu, sapatão preto, futuro historiador, entendo que a história como ciência e teoria foi engendrada no seio da branquitude europeia como uma investigação que busca objetividade e neutralidade, acho estritamente necessário fazer o oposto dos patriarcas brancos, ou seja, colocar nossas subjetividades e posicionamentos na escrita da história, em especial nos poucos vestígios que temos sobre lésbicas negras porque, como bem ensinou a resistência negra da diáspora, a memória de nossas mais velhas são as raízes desse baobá.
Texto redigido por Formigão para o blog Clube Lesbos (confira o blog aqui). A imagem que ilustra foi cedida por Marisa Fernandes.
Fontes:
A lesbianidade como resistência: a trajetória dos movimentos de lésbicas no Brasil (1979-2001) – Núbia Carla Campos
Enegrecendo o 29 de agosto: negras lésbicas na construção da visibilidade – Jéssica Ipólito
Outras falas: feminismos na perspectiva de mulheres negras brasileiras – Cláudia Pons Cardoso
Rachas ou agregações? Uma análise sobre os movimentos de lésbicas e movimentos feministas no 8º SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas – Ana Carla da Silva Lemos