Desemprego e preconceito racial levam grande parte dos artistas negros à informalidade

O número de artistas negros que não consegue se sustentar, parcial ou integralmente, com sua própria arte, é incontável. “Em Ponta Grossa não temos visibilidade, espaço e muito menos oportunidade” afirma Elis Rosa, cantora, 19 anos, negra e pontagrossense. Preconceito racial e falta de oportunidades dificultam o acesso ao mercado de trabalho, segundo a artista.

O Brasil chegou a 14 milhões de desempregados no primeiro trimestre de 2021, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Faz três anos que eu canto profissionalmente com meu irmão. O mercado de trabalho é complicado porque Ponta Grossa é conservadora. Eu canto reggae que deriva da cultura afro. Não é uma arte que todo mundo procura, consome ou gosta. Toda vez que fazíamos um show, antes da pandemia, rolava cachê, mas nunca foi uma renda fixa. Ainda não consigo viver só da arte” relata Elis. A cantora, também é estudante de técnica em enfermagem e revela que seu maior sonho é viver da música, mas aponta que não é tão fácil. Elis conta que seu plano para o futuro é se estabilizar como enfermeira para conseguir investir no futuro musical.

Profissões ligadas à arte exigem certa sensibilidade, reconhecimento de suas raízes culturais e talento por parte dos artistas, seja das artes visuais, músicos, poetas, dançarinos, escritores e grafiteiros. Elis teve contato com música e arte desde os seis anos. “Sempre que tinha coisas relacionadas a arte e música na escola, era eu que apresentava. Beyoncé e Rihanna são grandes referências artísticas, de representatividade e empoderamento; e meu irmão porque comecei a cantar com ele”, conta a cantora.

Questionada sobre o porquê de muitas pessoas não gostam e não consomem reggae, Elis diz que vê um certo racismo velado. “Pode ter a ver com o gosto, mas aqui em Ponta Grossa não temos visibilidade, espaço e muito menos oportunidade” afirma. “Ouvimos a frase ‘apoie artistas locais’ mas na prática é diferente. Sempre que me convidavam para tocar, antes da pandemia, era na parceira, não tratando minha arte como uma renda e emprego, considerando-a como hobbie”. 

A cantora de reggae conta que foi bem difícil lugares que ela e seu irmão não tiveram que se impor, algumas vezes, decidindo não se apresentar, por não ter o trabalho valorizado. “Representatividade importa. Aqui em Ponta Grossa temos nomes incríveis. Não adianta ser um bom artista se não temos espaço e oportunidades. É uma questão política e social” complementa. 

Instituições privadas e públicas:

O pesquisador Alan Ariê, 24 anos, atua como artista, curador, educador e produtor em São Paulo. Idealizador do projeto Negrestudo: mapeamento de artistas representades pelas galerias de arte de São Paulo, levanta questões como: quais mudanças efetivas podem ser geradas dentro das instituições de arte em pró da reparação racial? Pessoas negras, indígenas, trans e mulheres cis só entram em museus em grande quantidade quando existem questões tratando de suas ausências? A partir dessas reflexões, notou-se a necessidade de fazer um mapeamento que explicitasse esta iniquidade. 

De acordo com o estudo de Alan Ariê, publicado em outubro de 2020, pelo site Projeto Afro, uma plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros/as/es, dos 619 nomes levantados pela pesquisa, apenas 46 pessoas não são brancas. Destas, 27 são pessoas negras – 23 homens e apenas 4 mulheres; 14 são pessoas asiáticas – nove homens  e cinco mulheres; quatro são pardas – todos homens; e apenas uma pessoa é indígena, no caso uma artista mexicana chamada Mariana Castillo Deball, ou seja, não temos indígenas nascidos no Brasil na lista. A diferença racial entre as mulheres é expressiva, pois as quatro mulheres cis-negras representam somente 2,07% entre todas as mulheres, enquanto a única indígena presente representa 0,51%. Os homens cis-negros representam 5,39%, enquanto não há homens indígenas nas galerias de arte de São Paulo.

Os dados da pesquisa de Alan Ariê foram coletados através de uma relação de artistas de 24 galerias de arte da cidade de São Paulo, em um total de 619 nomes listados em um conjunto de tabelas. A primeira tabela contém informações individuais de cada galeria com as especificações de cada artista. A segunda possui especificações gerais quanto ao local de nascimento e a terceira, dados integrais de artistas de todas as 24 galerias. 

Segundo Alan Ariê, nos últimos anos houve um aumento de artistas pretos, pardos e indígenas (PPI) nas universidades públicas e privadas, formando mais profissionais da cultura negros pelos cursos de artes visuais no país.  Esse aumento foi muito estimulado pela política de cotas raciais que reserva vagas para estudantes de escola pública e PPI, no começo dos anos 2000 e tem sua consolidação com a lei nº 12.711  em 2012. A partir do mapeamento de Alan Ariê foi possível levantar outras questões como: será que a presença destes estudantes negres que entraram na universidade estão tendo uma proporcional inclusão no mercado de trabalho e no circuito institucional de arte depois de formados?

O cenário desenhado por Ariê quanto à formação e ocupação de PPI no meio acadêmico também pode ser visto em PG. “Trabalhar como artista independente em Ponta Grossa é complicado, mas há um crescimento da rede de apoio entre os artistas pontagrossenses que nos fortalece”. explica Sava, 21 anos, negra, artista visual e estudante de licenciatura em artes visuais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). “Acredito que assim como eu consegui muito suporte dentro da academia com a bolsa e com o contato que tenho com professores e outros alunos, fora dela, a rede de apoio dos artistas independentes consegue ajudar pessoas que vêm de outra realidade, que não frequentam o espaço acadêmico”. Sava ressalta que essa rede acaba abrangendo muito mais pessoas, de diversos gêneros e raças.

“Eu tive contato com um coletivo que já não existe mais, o Cru Colab. Fiz exposição em eventos delas. Agora muito do apoio que eu vejo, vem da internet, tanto pelos artistas, músicos, donos de brechó. Então é uma coisa mais informal que eu participo e que eu conheço” conta Sava. O Cru Colab foi uma colaboração de produção, divulgação e organização artística de artistas mulheres pontagrossenses, que tinha como visão, cultura e resistência. Muitos grupos de apoio não conseguem continuar seu trabalho por falta de apoio governamental e até mesmo de público. O coletivo Cru Colab encerrou suas atividades em fevereiro de 2020.

“Eu acredito que é um problema estrutural o baixo reconhecimento e apoio da cultura afro. Dentro do Paraná existe uma abordagem que valoriza muito a presença dos imigrantes europeus e acaba por tentar esconder as pessoas de outras etnias, por exemplo, a negra dos ambientes mais institucionalizados”. Sava explica que essa ausência dos artistas negros no mercado vem do processo de embraquencimento da nossa população, que nos acompanha há muito tempo. Esse processo busca mostrar no Paraná e em Ponta Grossa, uma comunidade branca, sendo que desde o início do povoamento existia pessoas negras, e elas são uma grande parcela da população

.A partir do século 17 e até o fim do século 18 a população de pretos e pardos na capital paranaense era superior a 40%, segundo estimativas. Conforme pesquisa de autodeclaração do censo de 2010, feito pelo IBGE, 3,15% da população paranaense se autodeclara negra e 25,35% parda. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE do segundo semestre de 2019, 57,05% da população brasileira é afrodescendente e a classe média negra já existe há mais de sete décadas. “Mas isso foge dessa estética criada pelo estado e toda região, refletindo nas mais diversas áreas, principalmente nas artes plásticas, onde o que vai ser mais valorizado é a extradição, retratar o imigrante, paisagens e os pinheiros. Deixando de lado outros assuntos e artistas” exemplifica Sava.

“Embora eu não seja apenas a minha raça ou meu gênero, eles são parte de quem eu sou, eles moldam muito das minhas experiências pessoais” responde Sava quando questionada sobre representatividade nos seus trabalhos. A artista visual relata que começou no desenho e na pintura e dentro da universidade teve contato com outras pessoas e outros tipos de artes, e seu trabalho se voltou para estudar a gravura e a pintura principalmente.

Dentre os temas mais abordados pela artista está a visão de Sava sobre a sua própria vida e onde ela se conecta com a de outras pessoas. “Apesar de eu, Sava, ter minha própria história e retratar ela, trabalho com esse espaço de ligação, onde eu sei que o que eu passei, embora seja só meu, é o que outras pessoas passam, já passaram ou vão passar”. explica.

As artes de Sava tratam sobre identidade e reconhecimento de quem somos e quando nos conectamos com o próximo. A artista faz gravuras de artistas negros que tem como referência, sátiras ao governo Bolsonaro e uso de frases como “Comigo Ninguém Pode”, uma afirmação de identidade de Sava. “Eu tento tratar minha arte de uma forma mais leve digamos assim, trazendo não de forma de mostrar minha dor, mas mostrar que eu consegui me tornar essa pessoa e esse crescimento é importante, valorizar meu próprio crescimento é o que faz com que eu amadureça e meu trabalho amadureça também” relata a artista.

Artistas Negros Históricos

Segundo informações do site e jornal Bem Paraná, em pesquisa realizada por Adegmar Silva Candiero, assessor de Promoção da Igualdade Racial de Curitiba, o primeiro negro representado nas artes plásticas foi um negro trabalhador em uma obra de Debret, em 1827. A pesquisa de Candeiro se estende ao apresentar outras representações e artistas que compuseram o cenário de artes no Paraná, ao todo são 10 personalidades negras que compõem o cenário construído pelo autor da pesquisa

João Pedro, o Mulato, considerado como o primeiro cartunista do Brasil. Não se sabe se João Pedro, o Mulato, nasceu em Curitiba ou Paranaguá. Foi, entretanto, na capital paranaense que trabalhou e morou a maior parte de sua vida, no início do século 19. As caricaturas que produzia retratavam de forma satírica a vida colonial do Paraná e de Santa Catarina. Algumas de suas telas foram descobertas pelo filósofo curitibano Newton Carneiro, em Lisboa, Portugal. 

Maria Nicolas foi professora, escritora, poetisa, historiadora, contista, dramaturga, teatróloga, novelista, biógrafa, pesquisadora e pintora. Publicou os livros Almas das Ruas, Porque me orgulho de minha gente e Cem anos de vida parlamentar e ainda recebeu vários prêmios como de Professora do Ano, da Academia Feminina de Letras do Paraná, do Centro de Letras do Paraná, do Centro Paranaense Feminino de Cultura, também Medalha de Ouro, nos VII Jogos Florais de Curitiba e o Título de Vulto Emérito da Câmara Municipal de Curitiba. 

Na poesia Laura Santos (1919-1981) tinha um estilo peculiar, sensível, pendendo entre o tom romântico e o erotismo. Foi uma das fundadoras da Academia José de Alencar, em Curitiba, palco de vários encontros e saraus de poesia. Publicou diversos de seus textos nos jornais da capital e lançou três livros: Sangue tropical, Poemas da Noite e Desejo. Seu jeito independente e o estilo poético vanguardista lhe renderam o apelido de Pérola Negra.

Já na música, Saul da Silva Bueno, teve uma carreira de mais de 50 anos dedicados ao trompete e à divulgação do estilo que amava. Foi proprietário do ‘Saul Trumpet Bar’, onde se apresentaram os ícones da cena instrumental. Tocou com diversos músicos, entre eles Waltel Branco, Mauro Senise, Hermeto Pascoal, Leny Andrade, Arismar do Espírito Santo, Proveta, Hélio Brandão, Maurílio Ribeiro, sendo convidado a integrar o naipe de metais do renomado Ray Charles. 

 

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