Direitos Humanos e o exercício do Jornalismo

A equipe do Elos entrevistou a jornalista colombiana Lina Manrique Villanueva. Doutora em Estudos Políticos e Relações Internacionais (Universidade Nacional da Colômbia), também é mestre em Tecnologia da Informação (Universidade Nacional de Educação à Distância/Espanha) e formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Javeriana (Colômbia).

Em entrevista, Lina conversa sobre liberdade de expressão, as influências que permeiam o jornalismo, os desafios das mulheres nessa profissão e a inclusão de discussões sobre Direitos Humanos na grade curricular da graduação em Jornalismo. A pesquisadora esteve na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em abril de 2019, para participar como palestrante do 18° Encontro Nacional de Professores em Jornalismo (ENPJ). Acompanhe:

Elos: De acordo com relatório referente a 2019 dos ‘Repórteres Sem Fronteiras’, apenas 24% do total de 180 países e territórios possui uma situação considerada “boa” a respeito da liberdade de imprensa. Existe um ataque à liberdade de expressão e imprensa?

Lina Manrique: Com a ascensão da internet tudo está mudando na sociedade. Todos estão livres para escrever o que quiserem, podendo ser verdade ou não. É um desafio para nós, trabalhamos com muitas informações e muitas dessas são falsas, como podemos ver as fakenews. A liberdade de expressão é uma das várias vertentes influenciadas por toda essa midiatização. Por outro lado, temos outros caminhos para criar movimentos sociais pela reivindicação de direitos e é muito importante que todos os cidadãos tenham consciência de sua existência para então reconhecê-los.

Liberdade é um sonho. Temos uma utopia idealizada sobre a liberdade de expressão, mas se analisarmos a vida real, os jornalistas não têm uma completa liberdade para escrever o que querem. Quando você é um jornalista jovem, você pensa que vai conseguir mudar o mundo, mas quando está trabalhando e existe um chefe, propagandas e empresas que financiam o trabalho, a censura e autocensura é direta. Antes da publicação da matéria seu chefe diz o que publicar ou não, se é bom para empresa ou não. Essa é uma realidade sobre a liberdade de imprensa. Na vida real não somos tão livres quanto desejamos.

Elos- Por quais influências e poderes perpassam o exercício da função em jornalismo?

Lina Manrique: No exercício do jornalismo temos poderes para proporcionar. O primeiro deles é você! Ter consciência e discernimento do que você pode escrever. O segundo poder é seu chefe, o editor do periódico diz qual pauta cobrir. Porém, existem diferenças entre cobrir pauta de cultura, economia, política, esporte e guerras. Se você é um jornalista que cobre pautas frias sobre cultura, tudo bem, não existe riscos pessoais ou para o portal. Mas se você é um jornalista que cobre conflitos de guerras, o risco é recorrente em várias situações, desde a cobertura até depois da publicação da matéria. No jornalismo temos diferentes tipos de fontes, dependendo da fonte, o nível de influência e riscos para a publicação de uma matéria é maior, como é o caso de pautar matérias negativas sobre líderes governamentais.

Elos- Qual a importância do debate sobre os Direitos Humanos na formação de um jornalista?

Lina Manrique: É bastante relevante. Não apenas para a discussão da liberdade de expressão, mas saber os direitos de outros grupos também. O que nós entendemos quando falamos sobre Direitos Humanos, direitos de quem? Dos jornalistas? Da audiência? Dos pobres? Há vários caminhos de aplicar os Direitos Humanos, mas quem é contemplado por esses direitos? Todos nós!

A formação em Direitos Humanos é importante para jornalistas, mas temos que tomar cuidado para não estigmatizar grupos. Quando estão cobrindo alguma pauta, conversando com alguma fonte ou escrevendo a matéria é muito importante que eles saibam os limites e os direitos. Estamos tendo muitos problemas éticos na produção do jornalismo(…), os jornalistas precisam ter responsabilidade sobre a informação a ser apurada, senão você pode causar diversos danos a vida pessoal de alguém ou da família. Há países que existem leis que não permitem as publicações de fontes e matérias se não houver provas. Não são só os meus (exercício da profissão em jornalismo) direitos humanos que são válidos, mas os direitos das minhas fontes também.

Elos- Quais as problemáticas que envolvem uma mulher exercendo a profissão de jornalista?

Lina Manrique: Assim como no Brasil, na Colômbia há mais mulheres exercendo a profissão do que homens. Porém, as mulheres possuem mais desafios do que os homens no exercício da profissão. Por que? O primeiro problema é ser mulher. As mulheres exercem a dupla-jornada de trabalho, são responsáveis pelos cuidados da casa e ainda trabalham, além de outras dificuldades não citadas. Mulheres precisam conciliar a maternidade e seus respectivos empregos. É difícil uma mulher ter uma casa, filhos, ser jornalista e conseguir harmonizar tudo isso.

Agora, na redação as coisas mudam se você tiver um homem como chefe de redação. É de costume acontecer abuso de poder dentro da redação por parte de chefes do sexo masculino, pelas relações de poder dentro da redação é comum os chefes mandarem as jornalistas fazerem coisas que elas não querem. Existem vários níveis de violência, homens tendo relações de poder sobre as mulheres é um problema.

Elos- Para finalizar a entrevista, existe algum movimento dos jornalistas para defender a liberdade de expressão e imprensa?

Lina Manrique: Temos alguns movimentos como FLIP, uma organização não governamental que rastreia violações contra a liberdade de imprensa na Colômbia, a Anistia Internacional, que defende os Direitos Humanos, com mais de milhões de membros. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) oferece pesquisas sobre esses temas e se dedica a defender a liberdade de expressão e de imprensa nas Américas. Os movimentos estudantis na Colômbia são presentes nas reivindicações por direitos, como o direito à educação. Além dos movimentos saírem para as ruas, a reivindicação por direitos precisa estar na mídia, esse é um dos papéis do jornalismo, mostrar que existem pessoas reivindicando direitos.

Entrevista realizada por Matheus Rolim e Paula Rocha, aluno e professora integrantes do projeto Elos – Jornalismo, Direitos Humanos e Formação Cidadã

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