Do papel ao território: a luta pelo direito à moradia digna

Projeto habitacional começa a se tornar realidade na Ocupação Ericson John Duarte

 

Por Amanda Grzebielucka, Gabriela Oliveira, Júlia Andrade e Victor Schinato

 

Há dois anos, no dia 4 de dezembro, 700 famílias ocuparam o terreno desocupado no Parque das Andorinhas. Designado pela Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar) para a construção de famílias cadastradas na instituição, a área permaneceu cerca de 10 anos inutilizada. A ocupação Ericson Duarte, atualmente, conta com mais de 20 mil metros quadrados e abriga aproximadamente 350 famílias. De acordo com a coordenadora do Movimento Popular de Luta (MPL) e moradora Isabela Bismaia, a população já resistiu a seis tentativas de despejo, conflitos com a polícia e a extinção da Prolar. Apesar dos enfrentamentos, a ocupação acumula uma série de conquistas que demonstram a luta pelo direito básico da moradia.

A Ocupação Ericson John Duarte, inicia as obras do Plano de Desenvolvimento Comunitário. O projeto conta com uma série de benfeitorias para o local como a promoção de saúde, educação, saneamento básico e a inclusão das Pessoas com Mobilidade Reduzida (PMR). Ele foi elaborado em 2022 pelo professor do departamento de História, Edson Armando Silva, e pelo professor do departamento de Engenharia Civil, Joel Larocca, ambos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em conjunto com a Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL). Todo o trabalho de construção da Ocupação é coletivo e busca envolver todas as famílias. Com o conciliamento de instituições públicas realizado, o congelamento legal do território foi obtido, o que determina que as famílias cadastradas no início da ocupação tenham sua permanência assegurada no futuro, sendo impossível a transferência de terrenos ou a entrada de novos moradores. Agora, o MPL, organização responsável pela coordenação da ocupação, deu início ao Plano de Desenvolvimento Comunitário, iniciativa de caráter sustentável que propõe diversas alterações ao território.

 

A construção do Plano de Desenvolvimento Comunitário

 

Um dos pontos principais do Plano é o loteamento e a autoconstrução de cerca de 400 casas pré-fabricadas com materiais recicláveis e resíduos de construção civil. O material é doado por estabelecimentos da cidade, o maquinário utilizado para as obras já está em fase de compra e a etapa do mutirão já iniciou. 

A moradora Ana Paula Teixeira de Miranda, comenta sobre a satisfação em vivenciar o começo dos mutirões para a autoconstrução das casas. “É uma honra e uma felicidade imensa. Estou aqui na Ocupação desde o primeiro dia, há dois anos. Então, é uma alegria ver o projeto saindo do papel”, diz.

As moradias irão respeitar as necessidades de cada família. A diretora e coordenadora do movimento Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), Isabela Bismaia Guimarães, explica que a construção será realizada por quadras. “Começamos o mutirão quadra a quadra. São 29 quadras separadas por setores. Cada setor possui quatro quadras. Vai depender de cada morador para que o projeto seja finalizado dentro do prazo estimado”. O trabalho coletivo compreende também as benfeitorias das ruas e calçadas.

O processo de implementação do Plano começou no ano passado com a fundação da Associação de Moradores para conseguir a concessão de uso da terra e passou pela etapa de aprovação da Prefeitura. A etapa seguinte incluiu sete reuniões com as famílias para explicar como seria a autoconstrução das moradias e para capacitá-las a fazer suas próprias casas e a audiência pública. Ainda nesta última etapa foi realizada a audiência pública Direito à moradia e vida digna, no dia 17 de agosto, às 19H no Grande Auditório da UEPG. O objetivo foi debater amplamente o Plano de Desenvolvimento na Ocupação Ericson John Duarte junto com moradores e comunidade antes de iniciarem o desenvolvimento das obras. 

 

À direita, o maquinário utilizado para a reutilização de material de construção civil. Foto: Amanda Grzebielucka

 

Uma iniciativa sustentável

 

O Plano de Desenvolvimento Comunitário tem como princípio desenvolver a solidariedade social, via para a superação dos obstáculos de desenvolvimento. Ainda há  parcerias com a Cáritas Diocesana, organização de cuidado a imigrantes, projetos de extensão e científicos da universidade e outras Organizações Não-Governamentais da cidade. 

Devido à falta de apoio público e com a ideia de um orçamento baixo, as implementações serão feitas pela própria comunidade, portanto o consenso entre os moradores é condição para que o projeto avance sem maiores dificuldades.

O projeto se baseia em 9 diferentes eixos de atuação, estes abrangendo planejamento de espaço, educação e saúde permanentes, apoio jurídico, direitos trabalhistas, entre outros. Estima-se que as obras sejam concluídas em até 8 anos. Com a realização sucedida de todas as frentes, a Ocupação Ericson John Duarte se tornaria destaque nacional na criação de blocos habitacionais sustentáveis de baixo-custo, e portanto um marco para a luta pelo direito à moradia digna.

De maneira efetiva, a frente de maior destaque do projeto é a reurbanização do ambiente. Já estão em vias de acontecer a construção de concreto sustentável, reutilizando materiais de construção civil descartados e com menor impacto ambiental, para a confecção de casas de baixo custo, com telhado verde, isolamento térmico e acústico, captação da água das chuvas e hortas. Também consta no planejamento a construção de centros de educação, espaços religiosos, área verde, comércios e unidade básica de saúde. 

Isabela afirma que atualmente o maior impeditivo para o desenvolvimento da comunidade é a prefeitura, ou melhor, a falta de apoio da mesma. O serviço topográfico, ofertado pelo serviço público e responsável pela distribuição igualitária de terrenos entre os moradores, demorou cerca de 5 meses para ser iniciado.

“É só o começo, tem a topografia das quadras, tem que refazer a das ruas, para poder construir as casas, pôr poste, pôr esgoto. O que mais atrasa é a prefeitura”, constata a coordenadora.

Além do serviço topográfico, a prefeitura se absteve de participar da construção do barracão, espaço vital para o início das obras e produção dos blocos de concreto. O galpão foi construído por conta própria pelos moradores.

 

Controvérsias na comunidade

 

Apesar da proposta já estruturada, todo o tema acende debates acalorados dentro da comunidade. Uma parcela da população se mostra contrária ao Plano de Desenvolvimento Comunitário, e uma das maiores razões para tal é a necessidade da demolição de todas as casas e barracões já presentes no assentamento. Apesar dos avisos nas reuniões periódicas feitas pelo MPL, alguns moradores construíram suas casas em alvenaria de maneira privada, o que se torna um impedimento para a estruturação da rede de saneamento, iluminação nas ruas e todo o plano técnico.

Caso o número de moradores exceda a quantidade de casas construídas, Isabela afirma que os critérios de desempate (necessidade, participação na comunidade e a inexistência de outro terreno no nome do morador) será analisado caso a caso, também influenciando nisso os moradores que não teriam tantas oportunidades fora da comunidade, como mulheres solteiras com filhos, pessoas que já estiveram no sistema prisional e ex-usuários de drogas.

“Ouve um falar aqui, outro falar ali, e aí tem um comentário que vai se prolongando. O problema é o telefone sem fio que fica girando na comunidade, e propaga a desinformação”, afirma Dayane, moradora há mais de um ano e meio. Em relação às casas de alvenaria já construídas, ela comenta, “não se trata do individual. Não se trata de querer melhorias só para mim. As casas vão ser construídas todas da mesma maneira, para criar o sentimento de igualdade.”

Jussara Dias, moradora e comerciante na ocupação vê o projeto como a possibilidade de ter a casa própria para morar. “O Plano é a chance que a gente, que é pobre, tem de construir uma casa de alvenaria.Tem muitas famílias que saíram e venderam suas casas, mas não era para vender”.

É válido lembrar que o direito à moradia digna foi assegurado pela Constituição Federal de 1988 como uma competência dos governos federais, estaduais e municipais. No século XXI esse direito foi amplificado com a Emenda Constitucional 26/2000. O texto incluiu a moradia no rol dos direitos sociais aos cidadãos e cidadãs.  https://www.gov.br/pt-br/constituicao-30-anos/textos/moradia-constituicao-garante-e-reforca-concretizacao-do-direito.

Acompanhe aqui as produções jornalísticas relacionadas a Ocupação Ericson John Duarte.

Confira abaixo o infográfico produzido por Joyce Clara, Iolanda Lima, Gabriel Aparecido e Victor Schinato.

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