Entrevista com Kátia Belisário: Violências contra as mulheres na Política

Professora da Faculdade de Comunicação, Katia Maria Belisário da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista ao Elos, discute as violências contra as mulheres na política brasileira. 

Graduada em 1983 em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG), Kátia é mestre em Agronomia pela California Polytechnic State University, nos Estados Unidos, doutora em Jornalismo e Sociedade pela UnB e pós-doutora  pela Universidade de Leicester na Inglaterra. A professora, que é líder do grupo de pesquisa “Gênero, Comunicação e Sociabilidade” do CNPq, coordena pesquisas que discutem questões de desigualdades de gênero presentes nos meios de comunicação e difundidas na sociedade, principalmente em setores como política. 

                                                                              Kátia Maria Belisário

 

Entrevista: 

Valéria: Como e quando essa vontade de pesquisar as violências sofridas pelas mulheres na política surgiu?

Kátia Belisário: Eu sempre me interessei por política, desde nova quis ver como eram as eleições mesmo na época entre dois partidos MDB e Arena do Brasil, então quando iniciei meus estudos em comunicação, logo de início quis essa área dentro do Jornalismo.

Valéria: Qual era o cenário da época quando a senhora iniciou seus estudos na política (desafios, perspectivas, apoio de orientadores, a própria política da época) ? 

Kátia Belisário: Na época em que entrei na faculdade, a gente ainda vivia uma ditadura, aos poucos indo para uma democracia. O brasileiro estava participando muito politicamente, reivindicando melhores condições de vida, pedindo as “Diretas já”, entretanto, o papel da mulher não era tão abordado, havia uma lacuna na participação política que ainda hoje não foi preenchida.

Valéria: A importância de falar e pesquisar a violência contra as mulheres na política nos dias atuais, tem se mostrado cada vez mais. A senhora enquanto pesquisadora e também professora nota um maior interesse de jovens estudantes nessa temática? 

Kátia Belisário: Os alunos têm muito interesse nessa pauta, esse é um tema realmente que precisa ser estudado, é necessário buscar formas de valorizar o papel da mulher.

O Brasil ser quinto país que mais mata mulheres, é uma das principais razões para estudarmos violência contra a mulher. Debater este tema é primordial dentro do cenário brasileiro, temos índices altíssimos de feminicídio, de violência doméstica e de assédio sexual e moral, vivemos em uma sociedade patriarcal com uma cultura patriarcal. A mulher não tem voz, tanto na participação política quanto dentro de casa nos afazeres domésticos e nas divisões de tarefas. 

Valéria: No ano de 2020 apenas os jornais com enfoque de gênero em sua maioria falaram sobre os ataques a mulheres durante as eleições. Quais barreiras ainda precisam ser quebradas pela mídia hegemônica para que se fale dessa problemática?

Kátia Belisário: O enfoque maior em temáticas de gênero está muito nas pessoas que estudam gênero, nas revistas especializadas. Os jornais hegemônicos começaram a mostrar ao longo do tempo questões associadas, mas divulgam casos específicos apenas, por exemplo sobre violência doméstica e feminicídio, o que precisa mudar urgentemente. 

Eu fiz uma pesquisa muito grande em gênero e comunicação no meu Pós-Doutorado na Universidade de Leicester da Inglaterra comparando os jornais brasileiros e ingleses, os escolhidos foram a Folha de São Paulo e o The Guardian. Percebi ao longo da pesquisa que o enfoque nas mulheres ainda é muito pequeno, elas não se encontram em colunas de política, sempre em colunas de crimes, colunas de vida doméstica e sociedade. Nunca é dado muito mérito para o papel da mulher, elas nunca estão nas principais páginas do jornal, tanto na Folha de São Paulo quanto no The Guardian. 

A diferença é que nos jornais brasileiros os jornalistas lidam com a questão da violência doméstica por exemplo, de forma muito mais naturalizada, o que é prejudicial. Há uma banalização do tema, são poucas as falas das vítimas que sofreram violência, como citado anteriormente, essas poucas matérias não são ligadas a um questionamento de políticas públicas, elas se encontram em uma parte muito pequena sobre crimes. 

Valéria: Quais passos precisam ser dados para que a violência diminua e a política brasileira avance no sentido de uma maior igualdade?

Kátia Belisário: Primeiramente na política, é imprescindível a presença de mais mulheres em cargos eletivos, desnaturalizar essa prática de colocar candidatas mulheres como laranja de partidos políticos, mais participação das mulheres converge em políticas públicas adequadas para a nossa realidade. 

Com relação a violência contra mulher a primeira coisa é denunciar, existe muito esse dilema “é meu vizinho” é “meu parente” ou “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, a questão é que deve ser feita a denúncia sim! Seja por parte da vítima, por parte das pessoas ao redor ou das redes de apoio. 

Um dos passos que precisam ser dados é a criação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico da mulher, com a possibilidade de renda muitas delas podem sair do ambiente abusivo. Outro ponto que precisa ser modificado são as formas de denúncia. 

A educação de crianças é um exemplo muito interessante de mudanças mais profundas, vi muito essa questão quando estudei fora, o ensino com enfoque de gênero nas disciplinas escolares faz com que a criança já cresça aprendendo sobre igualdade de gênero e respeito perante as mulheres, esse processo educativo faz uma diferença enorme na sociedade.  

Valéria: Quais as maiores diferenças da violência à mulher na política no Brasil com relação a outros países, principalmente da américa latina?  Essa linha se mantém parecida?

Kátia Belisário: Comparando o Brasil com outros países latino-americanos e inclusive países desenvolvidos, a violência acontece da mesma forma, é uma questão de uma cultura patriarcal e de dominação masculina da sociedade. Entretanto, existe mais apoio para a banalização do papel da mulher e permissibilidade para que essas desigualdades aconteçam nos contextos latino-americanos. Acredito que no Brasil a violência seja uma das maiores, pois há facilitadores, um exemplo disso agora é a possibilidade das pessoas terem armas em casa. 

Valéria: Entrando na realidade do governo atual, que impactos os discursos dados pelo presidente da república trazem para as mulheres na política?

Kátia Belisário: Os discursos dados pela responsável pela Secretaria dos Direitos Humanos, da Família e da Mulher do atual governo já trazem muitos impactos negativos, como por exemplo acreditar que as mulheres devem vestir rosa e homens devem vestir azul, bem como, agredir verbalmente uma criança que fez um aborto por ter sido estuprada. 

Outro impacto negativo do governo é a distorção dos estudos de gênero, questões de gênero são deturpadas, ninguém pode ensinar gênero na escola, falar em gênero é falar sobre “kit gay”, o feminismo é considerado mimimi e mulheres podem ser dignas ou não de serem estupradas. Diante disso, não há lugar para se pensar políticas públicas sérias e eficientes para coibir a violência contra as mulheres. Nesse cenário, pesquisar feminismo e gênero é um ato de resistência.

Da mesma forma, existem pouquíssimas senadoras e deputadas, a mulher não é valorizada e nem bem representada, o diferencial dos outros países sempre vai ser as políticas públicas específicas e voltadas para as mulheres. 

 

A entrevista faz parte da divulgação do 7° Colóquio Mulher e Sociedade, que possui como tema deste ano “Desigualdades de gênero e interseccionalidade: os direitos humanos em tempos de crise”, o evento acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho, é promovido pelo grupo de pesquisa “Jornalismo e Gênero” do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, em parceria com o projeto de extensão Elos – Jornalismo, Direitos Humanos e Formação Cidadã e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, apoiado pela Parada LGBTQIA+ dos Campos Gerais. 

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe uma resposta