Estudantes secundaristas e professores estaduais são contra implantação dos Colégios Cívico-Militares no Paraná

Além do Modelo Militar, outros métodos de escolarização conservadores cresceram no Brasil nos últimos anos

União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) e Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP) são contrários a implantação dos Colégios Cívicos-Militares no estado. Na região dos Campos Gerais, o sistema pode ser implementado em 21 colégios de 12 cidades, com pode ser observado no infográfico, que se encaixam nos padrões apresentados pelo governo, uma vez que já foi aprovado em votação o funcionamento do ensino Cívico-Militar. “A militarização das escolas separa a gestão da prática pedagógica, impossibilitando um trabalho amplo que articule questões administrativas, financeiras e pedagógicas”, defende a pesquisadora em Gestão e Política Escolar, Simone de Fátima Flach. Ela explica que o gestor escolar é o profissional responsável pela organização administrativa, financeira e pedagógica da instituição escolar. “Por isso, o gestor precisa ter conhecimentos específicos na área educacional”, argumenta.

Número de Colégios nos Campos Gerais que podem aderir ao modelo Cívico-Militar. Infográfico: David Candido

Em nota, a APP sindicato afirmou que a militarização dos colégios não considera o trabalho realizado pelas direções, equipes pedagógicas, professores(as) e funcionários(as) das escolas, pois a justificativa do governo com o programa é de colocar o Paraná em melhores níveis de qualidade educacional. Simone lembra que os militares têm formações específicas para atuarem em situações de conflito nas quais o uso da força, do controle e da hierarquia são fundamentais. “Os espaços democráticos, duramente conquistados na educação brasileira, serão substituídos por regime autoritário e hierárquico, que tem por objetivo formar pessoas subservientes à uma sociedade autoritária”, completa a pesquisadora.

Em 30 de novembro deste ano, após ocupação da SEED, a presidente da UPES, Taís Carvalho, e o presidente da APP, Hermes Leão, realizaram uma reunião com o Secretário de Educação, Renato Feder, e o Diretor Geral da SEED, Glaucio Dias. Na ocasião foi discutida a militarização dos colégios e a prova para os professores PSS (professores temporários). “Foi uma reunião extensa, de três horas, na qual pautamos a prova do PSS e a militarização

das escolas”, conta Taís Carvalho. Segundo a presidente, Feder se comprometeu a fiscalizar o caso de 117 colégios que deixariam de ofertar o ensino noturno com a implantação do Ensino Cívico-Militar. “Se não houver outra escola que também ofereça o ensino noturno a menos de dois quilômetros, essa escola não será militarizada, ainda que tenha encerrado a votação e dado positivo a implantação”, comenta TAÍS sobre o resultado da reunião.

Educação Cívico-Militar é um projeto estadual e nacional

Em 5 de setembro de 2020, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. A proposta quer implantar 216 Escolas Cívicos-Militares em todo o país até 2023, sendo 54 escolas por ano. Em nota, o MEC fala que a participação dos militares será nas áreas educacional e administrativa. O texto coloca que “em parceria com o MEC, o Ministério da Defesa vai destacar militares da reserva das Forças Armadas para trabalhar nas escolas levando mais disciplina e organização”.

Já em 26 de outubro TAMBÉM DESSE ANO, o Governo do Paraná anunciou, apoiado pelo projeto do MEC, uma votação para implantação do ensino cívico-militar em 215 colégios do estado, em 117 cidades. Segundo a Agência de Notícias do Paraná, será investido R$ 80 milhões e o Paraná é o estado com o maior projeto no país. O governo promoveu uma votação presencial, durante a pandemia, para que os professores, funcionários e responsáveis pelos estudantes matriculados nos colégios selecionados votassem se eram contrários ou a favor da implantação do ensino cívico-militar.

Para a mudança institucional dos colégios, são necessárias medidas burocráticas qe envolvem aprovação na Câmara e discussões públicas, mas, de acordo com representantes da UPES, esses procedimentos não foram realizados de modo satisfatório. “A Câmara aprovou o projeto de implementação e logo em seguida foi passado para votação pública, mas os pais e comunidade escolar votaram sem saber de fato os pontos positivos e negativos do projeto”, defende Matheus Bregenski, diretor de relações institucionais da UPES. Para o modelo ser aplicado, eraM necessárioS ter 50% mais 1 um dos votos. A data final para votação foi ampliada em dois momentos. No dia 29 de setembro DE 2020, a UPES entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Paraná questionando o procedimento de consulta e implantação dos Colégios Cívicos-Militares. Em nota, a União escreveu que “a consulta à comunidade escolar desrespeitou prazo legal, regras procedimentais, restringiu e deturpou direitos políticos de forma discricionária”.

Para Simone de Fátima Flach, a implantação dos colégios fere o princípio constitucional da gestão democrática previsto no artigo 206 da Constituição Federal. “A proposta de escolas cívico-militares, com um discurso de ordem, disciplina e qualidade explicita os reais objetivos de tal medida, pois colabora para a desvalorização da escola pública, laica, gratuita e de acesso amplo à todos”, afirma.

Tanto no caso nacional, como no estadual, o modelo de ensino foi justificado como forma de aumentar o nível de ensino nas escolas. “A proposta propõe que a gestão das escolas seja repassada para militares, especialmente policiais militares da reserva, com a falácia de melhorar o desempenho dos estudantes por meio da hierarquia, controle e obediência, pautados na lógica do medo, da punição, do castigo”, explica Simone.

Em novembro de 2019, após uma aluna ser vítima de racismo, estudantes do Colégio Estadual Regente Feijó organizaram uma manifestação. Para Simone, espaços democráticos nas escolas podem ser substituídos por regimes autoritários com a implantação dos modelos Cívicos-Militares. Foto: Thais Lima

Crescem os movimentos conservadores na Educação

Além da militarização dos colégios, outras modalidades de educação também ganharam destaque nos últimos anos. A doutora em Educação e Pesquisadora em Gestão e Política Educacional, Simone de Fátima Flach, fala que o movimento das Escolas Cívico-Militares pode ser relacionado com os movimentos da Escola Sem Partido e Educação Domiciliar. A pesquisadora explica que os movimentos fazem parte de uma agenda político-educacional defendida por grupos conservadores. “Creio que nos últimos anos há um processo de desmonte da escola pública capitaneado por grupos empresariais que buscam impor à educação pública uma lógica de mérito e desempenho que desconsidera as desigualdades sociais e econômicas que pautam a vida em sociedade”, explica. O Escola sem Partido é um movimento que se declara contrário ao ensino partidário e de ideologias nos ambientes escolares. O movimento atua em cidades como Ponta Grossa. Em março de 2020, um projeto de autoria do vereador Vinícius Camargo do PMB, pretendia proibir ações ligadas à ideologia de gênero no ensino público municipal. A votação foi adiada após manifestação de populares e até o momento não foi citada novamente em atas de sessões.

Protesto na Câmara de Vereadores de Ponta Grossa durante votação de projeto de lei que proíbe discussões relacionadas a gênero nos colégios públicos da cidade, em fevereiro de 2020. Foto: Daniela Valenga

Protesto na Câmara de Vereadores de Ponta Grossa durante votação de projeto de lei que proíbe discussões relacionadas a gênero nos colégios públicos da cidade, em fevereiro de 2020. Foto: Daniela Valenga

Um outro modelo de cunho conservador que ganhou destaque, foi a Educação Domiciliar. O movimento defende que as crianças e adolescentes realizem seus estudos em casa, com orientações dos pais, e sem acesso às escolas. Segundo a Associação Nacional do Ensino Domiciliar (ANED), o número de adeptos a modalidade cresce 55% a cada ano. Atualmente, segundo a entidade, são 15 mil estudantes brasileiros, entre quatro e 17 anos de idade, que são educados em casa.

Para Simone, na atual Gestão Federal, houve um fortalecimento de propostas conservadoras, influenciadas por grupos que, sob o argumento de resgate de valores cristãos e da família tradicional, desconsideram as desigualdades, diversidades sociais e desenvolvimento social. “Esses movimentos fazem parte de uma agenda política que pretendem instituir políticas públicas para a educação brasileira e expressam a ação dos grupos conservadores que se fazem presentes, tanto na administração pública quanto nas casas legislativas”, conclui.

Por Daniela Valenga

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