Injustiça e Feminicídio: a trajetória da violência contra a mulher no Brasil

Mulheres por todo o Brasil sofrem com os reflexos do patriarcado diariamente. Dados divulgados pelo Atlas da Violência indicam que em 2018, em média, a cada duas horas uma mulher foi assassinada no país, totalizando 4519 mortes e 68% delas eram negras. Estima-se que 30,4% dos casos se enquadram como crime de feminicídio. 

Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2019 ocorreram 1326 feminicídios, sendo 66,6% mulheres negras, e 89,9% das mulheres foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro. O Anuário também indicou que no mesmo ano, a cada dois minutos, uma mulher foi agredida fisicamente, e a cada oito minutos ocorreu um estupro. O total de vítimas foi 66.123 e cerca de 85,7% das vítimas foram mulheres. 

A equipe de reportagem realizou um resgate cronológico com casos de mortes e de violência contra as mulheres entre as décadas de 1980 a 2020, no Brasil, que tiveram grande repercussão na mídia. Traz uma sistematização com informações sobre o ocorrido e como se desenvolveu o processo no âmbito da justiça. Também apresenta uma cronologia de leis e políticas públicas que foram criadas ao longo desse período para combater a violência contra a mulher e reconhecer que as formas de opressão feminina estão associadas à cultura do machismo e precisam ser punidas. Em paralelo às leis, há os movimentos feministas que reivindicavam a equidade de gênero e organizam campanhas para estimular a denúncia contra os agressores e o registro dos casos de violência. 

 

CASOS DE FEMINICÍDIO E VIOLÊNCIA

  • Maristela Just(04/04/1989)/ local:Recife-PE= Assassinada pelo ex-companheiro aos 25 anos. Maristela foi morta com 3 tiros. O assassino, José Ramos Lopes Neto, foi preso em flagrante e após um ano conseguiu em Habeas Corpus. Em 2001, o Juiz Roberto Moreira determinou a sentença e disse que poderia ser marcada a data do júri, porém apenas em 2010 que foi marcado de fato o julgamento. O assassino e seu advogado não compareceram em nenhuma das duas datas previstas para o júri. Assim, a defesa de José foi feita por defensores públicos e, após 15 horas, ele foi condenado a 26 anos de prisão. E como no dia do assassinato ele atirou em mais três pessoas que estavam no local do crime, seus dois filhos e no ex-cunhado, ele recebeu mais 53 anos de prisão. O crime cometido contra a vida de Maristela Just se enquadrou como homicídio duplamente qualificado. 

 

  • Daniella Perez (28/12/1992)/ local: Rio de Janeiro- RJ = Daniela era atriz e fazia a personagem Yasmin na novela De Corpo e Alma, juntamente com seu par romântico na novela, Guilherme de Pádua. Ele a assassinou na Barra da Tijuca, juntamente com sua esposa Paula Thomaz. Seu corpo foi encontrado em um matagal, perfurado por 18 golpes de tesoura que atingiram o pulmão, o coração e o pescoço. Os dois foram presos no dia 31 de dezembro, o julgamento demorou 5 anos pois os dois envolvidos declararam versões sempre muito diferentes. Como desfecho o casal cumpriu 7 anos de pena e saiu em 1999. Por conta da repercussão desse caso e por iniciativa de sua mãe Glória Perez, o homicídio qualificado passou a constar na lista dos Crimes Hediondos. O assassinato foi motivado por conta de que Guilherme começou a sentir seu personagem diminuído na novela, iniciando uma onda de assédios a Daniella por ela ser a filha da autora da novela, contudo, a mesma ignorou esses atos e Guilherme incitou o ódio e o ciúme em sua emposa contra Daniella, arquitetando juntos o assassinato da atriz por se sentirem “ameaçados”. 

 

  • Sandra Gomide (20/08/2000)/ local: Ibiúna-SP = Jornalista morta com dois tiros nas costas disparados por Antônio Marcos Pimenta Neves, seu ex-companheiro. Crime aconteceu em uma haras em Ibiúna. Quinze dias antes de Pimenta Neves matar Sandra, ele invadiu o apartamento dela, a agrediu e a ameaçou de morte. No dia do crime, o assassino estava no haras e quando estava a caminho de ir embora viu o carro de Sandra Gomide e assim, voltou para o local. Quando eles se encontraram houve uma discussão e quando a jornalista correu levou um tiro. Assim que ela caiu, Pimenta Neves se aproximou dela e deu mais um tiro no ouvido esquerdo da vítima. Depois do assassinato, o criminoso foi internado por overdose de sedativos e foi transferido para uma clínica psiquiátrica. Nos 10 dias que ele ficou internado a defesa dele tentou um habeas corpus, mas não conseguiram e 15 dias após o crime ele foi detido. O júri popular aconteceu apenas em 2006 e depois de 3 dias de julgamento, o culpado foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias de prisão, porém ele ainda teve o direito de recorrer em liberdade e saiu livre do fórum que foi julgado. Ele só foi preso em 2011, ano em que ele se entregou e que o  STF determinou a execução da sentença. E em 2013 ele passou para o regime semiaberto.  

 

  • Maria do Carmo Alves (24/01/2003)/ local: São Paulo-SP= Assassinada pelo médico Farah Jorge Farah, com quem Maria do Carmo teve um relacionamento. O crime aconteceu no consultório do médico. O corpo dela foi encontrado dois dias depois dividido em nove pedaços em sacos de lixo que estavam no porta-malas do carro de Farah. O médico confessou o crime e teve sua prisão preventiva decretada em 2003. Em 2007, ele conseguiu um habeas corpus. Em 2008, o criminoso foi levado a júri popular e condenado a 12 anos de prisão pelo homicídio e mais um ano por ocultação de cadáver. Farah pode recorrer em liberdade e o STF determinou que ele poderia ficar livre deste período por não oferecer risco à sociedade. Um novo julgamento ocorreu em 2014 e ele foi condenado a 16 anos de prisão por homicídio e esquartejamento.  

 

  • Eloá Cristina Pimentel (13-17/10/2008)/ local: Santo André-SP = Foi mantida refém junto com sua amiga Nayara Rodrigues, pelo seu ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves. Quando a polícia entrou no local em que eles estavam, houve uma troca de tiros e Eloá foi atingida e morreu. Lindemberg foi preso. O cárcere durou mais de 100 horas até a prisão de Lindemberg. Em 2012 o criminoso foi levado a júri popular e foi condenado a 30 anos de prisão por homicídio doloso qualificado por motivo torpe, contra Eloá, mais 10 anos por tentativa de homicídio contra Nayara e mais 10 anos pela tentativa de homicídio contra um dos sargentos presentes na ação. Ele ainda recebeu 4 anos e 2 meses por cada um dos cárceres privados e 3 meses por cada disparo. Em 2013 houve uma redução na pena de Lindemberg para 39 anos e 3 meses de prisão mais o pagamento de 16 dias-multa.    

 

  • Eliza Samudio (10/06/2010)/ local: Belo Horizonte-MG= Desaparecida desde junho de 2010, teve como principal acusado de planejamento de seu assassinato, Bruno Fernandes de Souza, pai de seu filho. O Ministério Público de Minas Gerais concluiu que Eliza foi morta no dia 10 de junho de 2010 em Belo Horizonte. Além do Bruno Fernandes ser o acusado, ainda existem mais cinco pessoas envolvidas. Segundo um dos envolvidos, ela foi estrangulada e esquartejada, porém o corpo da vítima ainda não foi encontrado.  Eliza já tinha denunciado o criminoso em 2009 por sequestro, agressão e ameaça e em outubro de 2009 ela registrou um boletim de ocorrência contra ele e mais dois amigos de Bruno que a ameaçaram com uma arma.  Em 2013 Bruno Fernandes foi considerado culpado e mandante do assassinato de Eliza e recebeu uma condenação de 22 anos e 3 meses de prisão. Em 2017 sua condenação foi reduzida para 20 anos e 9 meses. E em 2019 lhe foi concedido o regime semiaberto.  

 

  • Mércia Nakashima (2010)/ local: Nazaré Paulista, interior de São Paulo = A advogada foi baleada e seu carro foi jogado com ela dentro em uma represa. O acusado pela sua morte foi Mizael Bispo de Souza, seu ex-namorado e houve mais um envolvido Evandro Bezerra da Silva. Os dois tiveram suas prisões preventivas e foram soltos por meio de habeas corpus. Foi decidido que os dois iriam a júri popular , Mizael ficou foragido e em 2012 se entregou. Em 2013 Mizael Bispo foi condenado a 20 anos de prisão pelo assasinato de Mércia. O júri considerou o crime como torpe, com emprego de meio cruel e com a impossibilidade de defesa da vítima. E no mesmo ano o outro acusado foi condenado a 18 anos e 8 meses de prisão. Em 2017, a pena de Mizael subiu para 22 anos de 8 meses. 

 

  • Estupro coletivo e assassinatos (12/02/2012)/ local: Queimadas-PB =10 homens estupraram 5 mulheres e em seguida, assassinaram duas delas. As mulheres assassinadas foram, Isabela Pajuçara Frazão Monteiro e Michelle Domingues da Silva. Isso aconteceu no aniversário de Luciano dos Santos Pereira. O mandante dos crimes foi Eduardo dos Santos Pereira, irmão do aniversariante. Segundo o criminoso isso faria parte de um presente para o irmão. Dez homens encapuzados invadiram a festa, renderam os convidados e estupraram as 5 mulheres. Michelle foi morta com 4 tiros ao tentar fugir, ela foi levada ao hospital, mas morreu no caminho e Isabela morreu com outros 3 disparos dados. Eduardo e Luciano foram detidos e presos. Os dois já estavam foragidos por outros crimes quando foram detidos. Outros 10 homens, sendo 3 de menor estavam envolvidos no crime e em outubro de 2012 seis dos maiores foram condenados pelos crimes de cárcere privado, formação de quadrilha e estupro. Luciano dos Santos foi condenado a 44 anos por estupro de quatro mulheres e participação em outro abuso sexual, feito anteriormente. E o condenado como mentor do crime, Eduardo dos Santos, em 2014 foi levado a júri e foi condenado pelos assassinatos de Michele e Isabela, por estupro, por cárcere privado, lesão corporal, formação de quadrilha, porte ilegal de armas e corrupção de menores, totalizando mais de 106 anos de prisão. 

 

  • Amanda Bueno (16/04/2015)/ local Nova Iguaçu-RJ = a modelo e dançarina do grupo Gaiola das Popozudas, Cícera Alves de Sena (Amanda Bueno), 29 anos, foi brutalmente assassinada pelo então noivo, Milton Severiano, o Miltinho da Van, na residência em que viviam na Baixada Fluminense (RJ). Milton foi condenado a 40 anos, 10 meses e 20 dias de prisão por homicídio duplamente qualificado, (feminicídio e asfixia). Após uma discussão, seu noivo bateu sua cabeça onze vezes em uma pedra no jardim de sua casa e lhe deu dez coronhadas na cabeça, não satisfeito, atirou em Amanda com uma pistola e em seguida bateu com uma espingarda no seu rosto. As imagens foram registradas por uma câmera de segurança do local. Amanda deixou uma filha de 12 anos que foi alvo de ataques na época. O caso tornou-se ainda mais emblemático por conta da viralização do vídeo do assassinato de Amanda nas redes sociais e a onda de culpabilização da vítima como merecedora da própria morte por ter sido dançarina de funk e stripper. Além disso, fotos da necrópsia de Amanda vazaram na internet e foram enviadas a seus familiares. 

 

  • Renata Muggiati (12/09/2015)/local: Curitiba-PR = Morta asfixiada e jogada do 31º andar de prédio na cidade de Curitiba. O acusado foi seu namorado Raphael Suss Marques que tentou simular o suicidio de Renata. Ele foi detido e em agosto de 2017 foi solto usando tornozeleira eletrônica. Em janeiro de 2018 ele foi detido novamente e em outubro do mesmo ano, foi determinado que ele vá a júri popular. Ele está sendo acusado por feminicídio por motivo torpe, lesão corporal e fraude processual. A sentença do acusado ainda não foi determinada e ele continua preso.  

 

  • Tatiana Spitzer  (22/07/2018)/ local: Guarapuava-PR = O caso ainda não foi finalizado, porém a suspeita que corre é que o marido de Tatiana, Luis Felipe Manvailer, jogou ela do quarto andar de um prédio em Guarapuava- PR. Ele ainda teria levado o corpo de Tatiana para dentro do prédio, antes de fugir. Ele foi preso e o julgamento chegou a começar em fevereiro de 2021, porém durante o processo a defesa de Luis Felipe quis utilizar um vídeo como prova e o juiz da sessão não permitiu, então a defesa do réu alegou “trabalho cerceado” e “indeferimento do direito da defesa” e abandonou o julgamento. 

 

LEIS PARA O COMBATE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

 

  • Lei Maria da Penha (7 de agosto de 2006): A lei define que casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, é crime. A lei Maria da Penha também incentiva a efetiva criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Casas-abrigo, Centros de Referência da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e também políticas públicas que previnem a violência contra a mulher. E ela ainda define:  “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.”

 

  • Lei do Estupro (2009): A lei define o conceito de estupro como “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” e estabelece a pena dos estupradores, sendo reclusão de 6 a 10 anos. Caso a vítima apresenta lesões corporais graves ou seja menos de 18 anos e maior de 14 anos, a pena pode ser de 8 a 12 anos e ainda, se a vítima for morta, o estuprador fica em reclusão de 12 a 30 anos. A lei do estupro define o crime como hediondo, ou seja, tem alta gravidade e é inafiançável.

 

  • Lei do Minuto Seguinte (1 de agosto de 2013): Torna obrigatório o atendimento e a assistência para vítimas de violência sexual. Os profissionais de segurança pública e do Sistema Único de Saúde (SUS) devem atender e acolher as vítimas de violência. No decreto que estabele os direitos da vítima está o “acolhimento em serviços de referência, atendimento humanizado, observando os princípios do respeito da dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade e a identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de garantia de direitos.”

 

  • Lei do Feminicídio (9 de março de 2015): Define feminicídio como assassinato praticado contra mulheres em razão das condições de ser do gênero feminino e torna o crime de feminicídio hediondo. 

 

  • Lei da Importunação Sexual (24 de setembro de 2018): Define como crime a ação de praticar atos libidinosos, ou seja, de cunho sexual, perante outras pessoas sem consentimento e autorização. A lei estabelece como punição de 1 a 5 anos de prisão para o culpado. 

 

CAMPANHAS DE COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

 

Campanha Chega de Fiu Fiu/ surge em 24/07/2013:  é uma campanha contra o assédio sexual em espaços públicos criada pela jornalista Juliana de Faria, fundadora do projeto feminista Think Olga, em 24 de julho de 2013. A ação conta com o apoio da Open Knowledge Brasil da ONU Mulheres e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 

 

Campanha He for She/ surge em 20/06/2014: iniciada em 2014 pela ONU Mulher, a campanha tem como objetivo defender os direitos das mulheres de forma inclusiva, colocando o papel de homens e meninos como necessários na luta contra desigualdade de gênero e na remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingir seu potencial, para juntos moldarem uma nova sociedade.

 

Campanha Dia Laranja/ surge em 25/11/2015: a ação da ONU e do Clube Soroptimista Internacional acontece todo o dia 25 de cada mês e luta pela eliminação da violência de gênero contra mulheres e meninas no mundo todo. A iniciativa consiste em usar uma peça ou acessório laranja neste dia e disseminar informações e meios de denúncia para a população. 

 

Campanha #Meunãoimporta/ surge em 03/12/2016: Lançada pelo CAMTRA e o Núcleo de Mulheres Jovens, visa combater a cultura do estupro no mês de novembro desde 2016, a mesma foi construída com a participação de diversas mulheres jovens, que diante da persistência dos altos índices de violência sexual no Brasil.

 

Campanha Mexeu Com Uma Mexeu Com Todas/ surge em 02/04/2017: a campanha contra assédio sexual, se iniciou pelas atrizes da Globo em 2017 após as acusações de assédio contra o ator José Mayer. 

 

Campanha Respeita As Mina/ surge em 03/02/2018: criada no carnaval de 2017 em parceria com a ONU, a campanha busca levar mensagens de respeito e combater a violência contra mulheres aos foliões. 

 

Campanha Juntas somos mais fortes/ surge em 13/03/2020: tem como objetivo conscientizar e chamar a atenção da sociedade para este problema. Além disso, a campanha tem como foco divulgar o canal de denúncias do Governo do Paraná, o Disque 181.

 

Campanha Sinal Vermelho contra a violência doméstica/ surge em 10/06/2020: A ação é voltada para as redes de farmácias de todo o país e tem o objetivo de combater a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio da denúncia. A ideia é incentivar a vítima a desenhar um “X” na mão e exibi-lo ao atendente ou farmacêutico. Assim, o balconista acionará as autoridades competentes.

 

Campanha #ElaNãoPediu/ surge em 20/11/2020: promovida pelo Catraca Livre, a iniciativa busca além de combater a violência de gênero, desmistificar frases reproduzidas pela sociedade, mas que são prejudiciais às próprias vítimas. 

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