Jornalista encara desafios da educação na ONG Ensina Brasil

Formada pela UEPG, Thainá Kedzierski atua través da sala de aula para efetivar os Direitos Humanos

Thainá Kedzierski se formou em Jornalismo pela UEPG em 2014. Trabalhou dois anos em uma agência de publicidade em Foz do Iguaçu, com clientes do Paraguai, Argentina e Brasil. Em 2017 iniciou a pós-graduação em Relações Internacionais Contemporâneas, na Universidade Federal da Integração Latino-americana. Foi em Foz do Iguaçu que Thainá conheceu a ONG Ensina Brasil e mudou de estado e de profissão. Hoje ela trabalha com direitos humanos e educação. Em entrevista ao Elos a jornalista nos conta como foi essa virada em sua vida e como é trabalhar com direitos humanos em um país tão desigual como o Brasil.

 

Como você conheceu a ONG Ensina Brasil. Poderia nos contar melhor como foi sua trajetória até a ONG? O que você buscava?
Durante esses anos que estive em Foz, senti que comecei a perder tudo o que o jornalismo tinha despertado em mim. O sentimento que desenvolvi por gostar de trabalhar com gente, de fazer serviço para pessoas e de fazer parte da vida real. E é aí que o Ensina Brasil entra na minha trajetória: o Victor, amigo meu de Foz do Iguaçu, faz parte da primeira turma de Ensinas (como somos chamados). Eu acompanhava as publicações dele e sempre conversávamos sobre a rotina e as decisões que o fizeram ir parar em Cuiabá, no Mato Grosso. Acredito MUITO no ideal da ONG, que, para mim, é possível: “Um dia, todas as crianças terão uma educação de qualidade”. O objetivo é nos tornar lideranças na educação e para que possamos ser essas lideranças, o ponto de partida é o que chamamos de chão de escola. Hoje, trabalho como professora de língua portuguesa do ensino fundamental e médio e desenvolvo projetos com os alunos no contra turno. Eu não sabia exatamente o que eu buscava – e acho que até hoje vou descobrindo a cada dia – mas eu sabia que queria trabalhar com gente e queria fazer a diferença.

 

Como foi a preparação para dar aula? O curso de Jornalismo auxiliou em algum aspecto? Caso sim, quais?
Assim que fui aprovada, em dezembro, comecei uma formação obrigatória virtual. A formação era dividida em diversas áreas (didática, empatia e resiliência são algumas) e foram essenciais para que eu pudesse chegar em janeiro, para a formação presencial intensiva, com uma noção do que essa formação pretendia e o que a minha atuação seria. Fiquei o mês de janeiro inteiro em São Paulo tendo treinamentos com profissionais absurdamente incríveis da educação brasileira – Jana Barros e Gina Pontes são algumas. Discutimos ferramentas didáticas, estatísticas da educação pública, o papel da escola na vida do jovem de periferia e tivemos formação com várias instituições (públicas e privadas) que também colaboram de alguma forma para o desenvolvimento da educação brasileira.
Toda vez que alguém pergunta o porquê de eu ter saído do Jornalismo, faço o exercício de pensar nos propósitos das profissões que trabalhei até hoje: no jornalismo, minha função era informar de maneira objetiva, verdadeira, sensata e que fizesse sentido para o público que se informaria pelo meio de comunicação. Hoje, minha função é a mesma: informar, de maneira objetiva, verdadeira e sensata o conteúdo de língua portuguesa ao meu público – alunos do sétimo ano do ensino fundamental e do segundo ano do ensino médio. Toda vez que vou ensinar um conteúdo novo a eles, penso no ponto de partida dos alunos de onde atuo. Em qual das duas frases há mais sentido para esse aluno da cidade de Serra, no Espírito Santo, para que ele possa encontrar o sujeito da frase: “Fabrício caminhou pelo Jardim Carapina” ou “Princesa Charlotte mora na Inglaterra”?

Primeira vez que os alunos do segundo ano conheceram um meio de comunicação. Neste dia, conhecemos a Rádio Espírito Santo.

Quais projetos você aprendeu a desenvolver junto à ONG?
Na ONG, o objetivo é nos tornar capazes de guiar esses projetos e ainda mais importante que isso: que consigamos identificar situações e ter ideias a partir do que a nossa realidade nos oferece. Como trabalhei um tempo com conteúdo digital, seria mais natural e fácil para mim se desenvolvesse um projeto de conteúdo digital com os alunos. Mas o laboratório de informática da escola não funciona e boa parte dos alunos não tem celular, então o digital não é uma realidade tão comum. A partir dessas informações e dos equipamentos que a escola tem disponível, hoje temos a Rádio D Jovem Mix, que acontece nos intervalos da sexta-feira. Os alunos vêm no contra turno e decidem tudo, desde trilha sonora a blocos da programação e conteúdo. Além da rádio, a escola em que atuo também tem grupos de estudo, projeto focado em diálogos para o futuro (voltado para profissões e escolhas) e também trabalhamos na revitalização da biblioteca.

Primeiro dia de funcionamento da Rádio D Jovem Mix, desenvolvida por alunos e alunas da Escola
Estadual Dom Batista da Motta e Albuquerque.

Hoje você trabalha como professora no Espírito Santo, em uma região vulnerável. Poderia nos detalhar melhor como é essa parte do Brasil em que você está atuando? Por que é classificada como vulnerável? Quais são as demandas e em que sentido seu trabalho atende parte dessas demandas?
Recorri a uma fonte oficial para defender o que acredito ser uma região vulnerável: alto índice de crimes (assalto, roubo, homicídio), violência contra a mulher, alto índice de evasão escolar, distorção idade-série e problemas de mobilidade, transporte e segurança pública. Isso é o que eu vejo no bairro em que atuo e nas falas de alunos meus que moram próximos ao bairro. Segundo o IPEA, Serra é a 29ª cidade mais violenta do país e essa realidade que vejo é compatível com o índice. Muitas crianças e adolescentes vão para escola não porque enxergam a necessidade de estar nela, mas porque lá é o único lugar que podem comer ou porque a escola é mais segura que a própria casa. Por isso, é mais que necessário que os professores desses alunos tenham essa ideia e tornem o momento da sala de aula o mais relevante para a vida de cada aluno que está ali – e é isso que eu busco. Quando leio ´meu trabalho´, me coloco num espaço que tem vários professores (tanto os do Ensina Brasil quanto outros professores temporários e efetivos) buscando a mesma coisa que eu e acredito, que a educação pode ser um pouco mais igualitária.

 

Quais projetos você desenvolve junto aos alunos?
Como projeto individual é a rádio da escola, mas junto aos meus colegas da escola desenvolvo também o Grupo de Estudos em Língua Portuguesa e Matemática para todas as séries (sexto ano do fundamental ao terceiro ano do ensino médio) e o Pré-Enem (português, matemática, redação/atualidades e biologia/química). Cada um (professor) desenvolve projetos diferentes e tanto no estado quanto na rede, dependendo do que a escola e os alunos pedem, os materiais disponíveis e a formação de cada um dos professores. É mais natural que eu desenvolva uma rádio e a minha colega, que é bióloga, desenvolva um projeto de reciclagem, por exemplo – mas isso não impede que os projetos sejam interdisciplinares.

 

Estamos em um ano eleitoral. A partir dessa sua vivência, você acha que as propostas dos candidatos contemplam acabar com as situações de vulnerabilidade que acometem grande parte da população?
Acho que muitas propostas são necessárias e podem ajudar auxiliar nesse processo, mas não sei se é tão rápido… Num país onde a memória do brasileiro é muito instantânea e a educação política é confundida com doutrinação, parece um pouco difícil que as propostas cheguem onde é necessário. Não só por atuar diretamente na educação hoje, sempre acreditei na educação como fator essencial para promover mudança. Sempre mesmo. Por isso acho que as propostas de segurança pública e assistencialismo podem remediar um problema social que o Brasil reproduz há anos, mas é só a inserção (e permanência) das crianças na escola que as tornarão conscientes para que, no futuro, consigam decidir os melhores governantes e as propostas. O que me amedronta é a defesa de que a escola deve ser 100% conteudista e não deve debater temas como desigualdade de gênero ou a produção de notícias falsas.  Quer espaço melhor para desenvolver pensamento crítico que o local que você está para aprender?

 

Como você vê o respeito aos direitos humanos a partir da realidade que você está presenciando?
Eu não vejo. Sabe todas as estatísticas de mortalidade, roubo, assalto, gravidez na adolescência e evasão que a gente vê em relatórios formais disponibilizados em pdf no site de organizações? Aqui tudo isso tem RG e rosto. Se chove e alaga uma casa, que forças essa pessoa terá para “lutar” contra o sistema e pedir mudanças ao governo se no dia seguinte ela tem que bater ponto às 8h no trabalho?
Acontecem vários problemas sociais que não têm solução óbvia nem a partir de governo. É comum ouvir “ah, podemos fazer o quê? É assim mesmo, com a irmã dela também foi assim”. Existe um condicionamento a naturalizar certos problemas que não são naturais. Eu não consigo naturalizar o fato de acharem que é normal uma aluna abandonar a escola aos 15 anos, porque a irmã dela também ficou grávida nesta idade. É como se já fosse esperado, como se o fluxo fosse tão natural que ninguém mais se impressiona ou tenta mudar isso.

 

Você busca trabalhar nesse sentido em melhorar nossa sociedade, qual conselho você daria a um jovem brasileiro que está buscando uma profissão ou àquele que está saindo da faculdade?
Nossa, eu diria tanta coisa… a primeira é para focar no que essa pessoa acredita. Sei que crenças não pagam contas, mas elas te levam em caminhos que podem te tornar uma pessoa ainda mais consciente. Confesso que a minha falta de certeza, me coloca num lugar desconfortável (risos) mas acho que equilibrar calma e ansiedade é crucial para essa fase não ser um mar de tristezas. Diria para fazer tudo que tiver a mão: é possível fazer uma pós-graduação gratuita? Tente. Tem um curso perto da sua casa que você tem condições de fazer? Faça. Por mais que estejamos saturados de estudos ao final da graduação, são só esses estudos que podem abrir portas para o mercado de trabalho. E só a experiência do mercado de trabalho pode te levar a um caminho que seja trabalhar com o que você acredita.

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