Por Lorena Santana
Segundo relatórios da World Press Photo, menos de 20% dos profissionais atuantes na área fotográfica são mulheres. Apesar de notáveis avanços, ainda há muito para progredir quando o assunto é a valorização do olhar feminino na fotografia. Indo na contramão desse pensamento, fotógrafas ganham destaque ao atuarem nas mais diversas áreas da fotografia, como jornalismo, publicidade e mercado artístico. O que prova a capacidade feminina de criar registros em qualquer situação.
Tais Maria Cruz, técnica do laboratório de fotografia do departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, enfatiza que esteve presente na transição do analógico para o digital na fotografia. Ela expressa satisfação em ter participado dessa história e relata com orgulho sua trajetória.
Tais conta que seu contato com a fotografia começou despretensiosamente. Ela lembra que em um dia de trabalho, ao notar o baixo movimento do estabelecimento, a patroa da loja de tecidos em que ela trabalhava, a colocou para tirar os matos que se encontravam em frente a calçada. Tais obedeceu. Enquanto exercia tal atividade, Tais foi abordada por “Seu Carlos”, proprietário do laboratório “Foto Carlos”, da cidade de Ponta Grossa. Ele afirmou que “aquilo” não era serviço para ela e logo propôs que ela se juntasse à sua equipe e trabalhasse no seu laboratório. Tais aceitou o convite de imediato e desde então constrói a sua vida ao redor das fotos.
Com essa narrativa, Tais conclui: Desde a parte laboratorial, como revelação e ampliação, até os registros se tornaram de domínio da fotógrafa. No fim dos anos 90, já em outro laboratório, ela começa a trabalhar mediante contratos e relata não ter tido problema algum em relação à hostilidade, pois eram os clientes que a procuravam a empresa, logo o interesse era deles.
A fotógrafa relembra que dentro da realidade empresarial, era nítida a preferência em contratar homens. E se quando contratada, a mulher se casasse, ela era automaticamente desligada da empresa, tendo como justificativa, o prejuízo que uma futura gravidez ou a dupla jornada pudesse trazer à firma.
No ano de 2002, Tais inicia seus trabalhos na Universidade Estadual de Ponta Grossa durante o dia e durante a noite ela atua como fotógrafa oficial da Secal. Fora as duas atribuições, ela também trabalhava de forma autônoma fazendo registros. E dentro dessa realidade, Tais enxerga com precisão o preconceito em relação à figura feminina dentro da fotografia. “Como eu sabia que a fotografia era tida como uma profissão masculina, eu tinha o hábito de me vestir com calça, sapato mais baixo, cabelo preso, como uma estratégia para minimizar o preconceito e para que terceiros não diminuíssem as minhas execuções simplesmente por se tratar de uma mulher”. relata a jornalista.
Ela conta que apesar do machismo estrutural, nunca foi vítima de assédio sexual por parte de contratantes ou terceiros, mas que suas colegas que fotografavam campos de futebol, por exemplo, eram constantemente assediadas.
Tais se formou em 2013, no curso de Jornalismo, na mesma universidade na qual já era fotógrafa oficial. Seu TCC foi sobre pioneiros da fotografia em Ponta Grossa. Ela se define como um “rolo compressor”, passa por cima de tudo que precisar para chegar ao seu objetivo e reconhece que tal personalidade se dá como uma espécie de defesa por ser uma mulher em ocupando um lugar majoritariamente masculino. Já ouviu durante sua trajetória que uma mulher nunca teria capacidade de liderar um laboratório de fotos e que isso era serviço de homem. Mas provou o contrário e hoje conta essa história, ocupando a posição de técnica do laboratório de fotografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Heloise Nichele, fotógrafa e jornalista, apesar de já ter iniciado a carreira profissional na era das digitais, não foi poupada dos preconceitos presentes na área.
Durante o ensino médio técnico que Heloisa realizou, surgiu o desejo pela fotografia. Dentro desse meio de produção, ela inicia, em 2014, sua graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo na Universidade Federal do Paraná. Em 2016, juntamente com seus colegas da Universidade Federal do Paraná, levou o prêmio “Jovem Jornalista”, do instituto Vladmir Herzog, na modalidade multimídia, o produto de título “Do outro lado do rio tem uma história – as mulheres e o zika na Tríplice Fronteira”
Seu trabalho de conclusão de curso em 2018 teve como título “Livro-reportagem: a mulher no fotojornalismo paranaense”. Em 2022, fruto desse estudo, ela lança o livro “Elas em foco” onde a jornalista busca resgatar e documentar a presença das mulheres no exercício da profissão fotográfica. “O fato de eu realizar uma pesquisa que busca os dados sobre jornalistas mulheres e custar a achá-los, já escancara um constrangimento, visto que houve uma carência, uma necessidade em relação a esse assunto”. declara a jornalista.
Heloisa também fez uma pesquisa sobre capas dos principais veículos de imprensa feita por homens e mulheres e pôde concluir que pautas como de política, economia e esporte, por exemplo, eram vinculadas em sua maioria a homens. O que, segundo ela, escancara o estereótipo de que lugares a mulher deve ocupar.
Quando feito o questionamento determinada vez para um jornalista sobre a ausência de mulheres no fotojornalismo, recebeu a resposta de que era ‘porque as mulheres não conseguiam carregar muito peso no dia a dia’. “O machismo é tão naturalizado e aceito pacificamente que as pessoas realmente acreditam no preconceito que propagam”, lamenta a fotógrafa.
Heloisa assume a felicidade em perceber a crescente das mulheres dentro do ramo fotográfico, mas afirma que o caminho a ser percorrido ainda é longo.
A socióloga Valéria Lopes, analisa a situação com entusiasmo e nutre esperança de que no futuro, os dados de mulheres ocupando o lugar que por tanto tempo lhes foi impedido, aumente cada vez mais. Valéria entende que não basta apenas ocupar os lugares, mas derrubar o machismo através do campo de atuação: “Assim como acontece em diferentes mercados e segmentos, na fotografia também existe alguns estereótipos sobre as áreas de atuação consideradas femininas. Por exemplo, quando as mulheres são as mais indicadas para produzir imagens familiares ou relacionadas à maternidade, de família ou de gestante”.
A plataforma on-line Women Photograph (WP), fundada pela fotógrafa documental Daniella Zalcman, acompanha desde 2016 as fotos consideradas “Foto Principal”, ou seja, que receberam destaque na capa dos principais jornais internacionais, com o intento de comparar o número de fotos feitas por homens, mulheres e não-binários. A intenção da plataforma é expor e comparar os trabalhos a fim de uma visão mais justa e equiparável em relação a gênero e prestação de serviço.