Oficinas sobre alteridade no jornalismo e desafios da maternidade preta encerram 9° Colóquio Mulheres e Sociedade

Por Amanda Grzebielucka, Emanuelle Nunes, Karen Stinsky, Leonardo Correia Lima e Pietra Gasparini
As atividades foram conduzidas por Márcia Veiga, Letícia Costa e Juliane Carrico

O evento Colóquio Mulheres e Sociedade realizou na última sexta-feira (04) duas oficinas no período da tarde. A primeira, intitulada “Existir, educar, transformar – ser mãe preta no Brasil”, abordou as vivências e a realidade da maternidade preta no país, e foi ministrada por Letícia Costa, do Coletivo Mães Pretas, e Juliane Carrico, da Coletiva de Doulas de Ponta Grossa. A segunda oficina, “Calçando o sapato do outro”, discutiu a habilidade do jornalista de se colocar no lugar do outro e foi conduzida pela jornalista Márcia Veiga, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A autora do livro “Masculino, o gênero do Jornalismo: modos de produção das notícias”, Márcia Veiga, ministrou a oficina “Calçando o sapato do outro”, que teve início com apresentações entre as participantes e um debate sobre gênero. A pesquisadora refletiu sobre como tudo é generificado em nossa sociedade, apontando que, mesmo de forma indireta, estamos constantemente falando sobre gênero. “Tudo que tem mais valor é convencionado como masculino. A força, coragem e resiliência são vistos como atributos masculinos, enquanto a sensibilidade é considerada uma característica feminina”, observou a professora. Ela ainda destacou que, na hierarquia masculinista das universidades, a docência é o “feminino”, enquanto a pesquisa é o “masculino”, sendo muito mais prestigiada.

Márcia Veiga fala sobre a capacidade do jornalista de se colocar no lugar do outro.
Foto: Pietra Gasparini.

Após o debate, as participantes foram divididas em grupos de três e receberam uma folha com “papéis” que deveriam interpretar, como deputados federais, madames e homens religiosos. Em seguida, foi exibida no telão a imagem de uma drag queen negra e os grupos foram solicitados a descrever a pessoa da foto de acordo com o pensamento dos papéis que estavam interpretando. As descrições foram em sua maioria adjetivos pejorativos, pois a ideia era entender como cada grupo identifica os indivíduos e grupos sociais. Márcia Veiga explicou que a intenção da atividade era levar as participantes a refletir sobre como frequentemente julgamos e estereotipamos as pessoas. A proposta era descrever e não julgar ou usar adjetivos, destacando que, ao “calçar o sapato do outro”, tendemos a reforçar estereótipos.

Participantes da oficina "Calçando o sapato do outro" fazem erxercício em grupo. 
Foto: Pietra Gasparini.

A oficina teve como objetivo convidar as participantes a refletir sobre como, especialmente os jornalistas, devem tentar entender o outro a partir dos valores dos outros, e não de sua própria perspectiva. A professora explicou que estamos constantemente julgando em vez de tentar compreender e que a solução para isso é escutar e descrever, citando a frase: “esvaziar-se de si e preencher-se do outro”. Essa escuta, no entanto, deve ser feita com a consciência de que somos etnocêntricos e influenciados por uma estrutura social preconceituosa. Ela enfatizou que, enquanto jornalistas, não estamos prontos e precisamos tomar muito cuidado com nossos julgamentos, pois a forma como construímos as histórias pode permitir que um grupo seja humanizado ou desumanizado.

Paralelamente, foi realizada a oficina “Existir, educar e transformar: ser mãe preta no Brasil”, com a jornalista Letícia Costa e a doula Juliane Carrico.  A atividade teve como objetivo debater as violências obstétricas e as vivências de ser uma mãe negra no Brasil. 

Letícia Costa e Juliane Carrico compartilham experiências e falam sobre questões
de gênero, raça e identidade. Foto: Emanuelle Nunes.

De acordo com Letícia, a mulher preta é a que mais sofre violência obstétrica no país. “Principalmente pelo mito que a mulher negra é mais forte. Existe o pensamento que ela não sente tanta dor, então não precisa de anestesia; deixa ela sofrer”, destaca. 

A jornalista também explica que a iniciativa de criar o coletivo “Mães Pretas” surgiu da necessidade de compartilhar vivências enquanto mãe negra, especialmente após ela e sua filha sofrerem racismo. “Eu fui conversar com uma amiga, que era mãe branca e contei a situação de racismo que sofri com a minha filha. Ela disse que não era para tanto”, desabafa. Ela ressalta que atualmente o coletivo cresceu e é um espaço para acolher mulheres. “Hoje o coletivo abraça as mulheres porque nasceu disso; tem situações que só as mulheres passam, que só as mães passam, mas também há situações que só as mães pretas enfrentam.”

Juliane também relatou os momentos de violência obstétrica que vivenciou em seu trabalho. Segundo ela, essa violência é recorrente na realidade das mães brasileiras, pois muitas vezes elas desconhecem e não percebem que estão sofrendo essa opressão. Ao iniciar a oficina com uma dinâmica que fez cada participante refletir sobre o que conhece acerca da violência obstétrica, a doula conduziu a discussão esclarecendo o papel informativo e de apoio à gestante oferecido pela doula. Além disso, destacou a importância de conhecer os direitos durante o parto como forma de enfrentar uma cultura profissional que restringe a autonomia das mulheres.

As oficinas fizeram parte da programação do 9° Colóquio Mulheres e Sociedade. O evento foi produzido pelo projeto de extensão Elos – Jornalismo, Direitos Humanos e Formação Cidadã, Grupo de Pesquisa Jornalismo e Gênero, Programa de Pós – Graduação em Jornalismo e Departamento de Jornalismo da UEPG, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília e a Rede Antonietas/SBPJor.

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