Home Blog Page 3

Dia internacional pela eliminação da discriminação racial: reflexão e luta contínua

0

O dia internacional pela eliminação da discriminação racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 21 de março de 1966, relembra um dos episódios mais violentos da luta antirracista: o massacre de Sharpeville, ocorrido em 1960, na África do Sul. Naquele dia, cerca de 20 mil manifestantes negros protestavam pacificamente contra a Lei do Passe, um sistema que restringia sua circulação no país. A repressão policial deixou 69 mortos e 180 feridos.  

O episódio gerou indignação internacional e expôs a brutalidade do regime do apartheid, que só chegou ao fim em 1994. No entanto, o racismo ainda se mantém presente em diversos países, e a luta por igualdade racial segue necessária. No Brasil, movimentos negros continuam reivindicando direitos e políticas públicas eficazes.  

Para Cristiane Zelenski, representante do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais, a data simboliza tanto a memória quanto a resistência. “Essa data é muito importante para nós, pessoas inseridas nesse contexto de lutas raciais, pois, embora tenha partido de um episódio triste, o massacre de Sharpeville, essa data é para celebrar nossas conquistas e também nossas lutas por políticas afirmativas.”  

A atuação do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais 

Desde sua criação, o Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais organiza palestras, rodas de conversa em escolas, empresas e outros espaços para debater questões raciais. Além disso, acompanha a implementação da política de cotas raciais no município, garantindo que a lei seja aplicada corretamente.  

O acolhimento de vítimas de racismo também faz parte do trabalho do instituto. “Quando um caso de injúria ou racismo chega até nós, orientamos a vítima e tentamos acompanhar o andamento do caso.”

A valorização da cultura afro-brasileira é outra frente de atuação. A partir de junho, o instituto promoverá oficinas de turbante e abayomi, fortalecendo a identidade e a cultura da população negra.  

“Nossa luta é intergeracional”

A desigualdade racial no Brasil resulta de séculos de escravização e exclusão da população negra. Cristiane reforça a continuidade dessa luta: “Porque é uma pauta de lutas raciais, lutas que travamos todos os dias, pautas que defendemos, e aqui no Brasil, por conta dos séculos de escravização, nossa luta é intergeracional. Meus antepassados lutaram, eu estou em luta para que a próxima geração tenha a sorte de viver num Brasil justo e com igualdade.” 

Mesmo com avanços, algumas políticas públicas ainda enfrentam obstáculos para serem plenamente aplicadas. “A lei 10.639 tem 20 anos e ainda não está definidamente implementada aqui no município. Nossa luta é para que, além de que seja cumprida as diretrizes dessa lei de uma maneira robusta e eficaz, seja implementado aqui no município um protocolo de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de racismo nas escolas.”

A falta de representatividade também compromete o avanço das pautas raciais. “Um exemplo do quanto ainda precisamos lutar é o fato de a cidade nunca ter eleito uma vereadora negra, sendo assim, quem lutará pelos direitos dessa população que, ainda sendo o maior grupo social, segue sem representatividade?”

Desafios e a omissão do poder público

Além da ausência de representatividade, a população negra e quilombola ainda enfrenta dificuldades no acesso a direitos básicos. “Aqui no município temos duas comunidades quilombolas que, há pouco tempo, estavam sem água potável para beber. Minha indignação é sobre essas negligências, e isso é sim uma discriminação racial, o município não pode se omitir nessas questões.”

A implementação de políticas públicas para a população negra também segue atrasada. “Políticas sobre saúde da população negra e quilombola existem desde 2009 em todo Brasil, aqui estamos na luta para que seja implementada, olha o atraso.”

Apesar das dificuldades, Cristiane mantém a esperança na construção de um futuro mais justo. “Ainda estamos a passos lentos. Mas somos otimistas! Políticas públicas não acontecem de imediato, mas precisam acontecer e é nesse pensamento que vamos fazendo nossas reivindicações.”

Avanços e perspectivas para o futuro

Os movimentos negros conquistaram espaços importantes para dialogar com o poder público. No município, o Compir_PG (Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial) busca garantir que as demandas da população negra cheguem até a prefeitura. “Hoje nossas reivindicações são um pouco mais ouvidas, tudo luta dos movimentos. Temos o Compir, que é um conselho que cuida da promoção da igualdade racial junto à prefeitura, que é o órgão responsável por levar as nossas demandas para a Secretaria da Família e cobrar para que sejam atendidas.”  

Para marcar o dia internacional pela eliminação da discriminação racial, será realizada uma plenária na OAB, às 19h, com debates sobre temas urgentes. Entre os assuntos em pauta, está a violência de gênero. “Teremos nessa data uma plenária com várias mesas de discussões sobre feminicídio e violência contra a mulher, que tem a mulher negra como a maior vítima de todas as violências.” Outros debates abordarão as religiões de matriz africana e a educação, reforçando a necessidade de preservar a cultura afro-brasileira e garantir a aplicação das leis educacionais.  

O dia internacional pela eliminação da discriminação racial não se limita à lembrança do massacre de Sharpeville. Ele representa um chamado à luta, reforçando a necessidade de combate ao racismo e promoção da igualdade.  

A luta contra o racismo acontece todos os dias e precisa do envolvimento de toda a sociedade. Somente com a garantia de direitos, políticas públicas eficazes e representatividade será possível construir um país verdadeiramente igualitário.

Texto por Maria Gallinea e Bruna Sluzala.

Arte por Maria Gallinea.

Programa de Pós-Graduação em Educação tem aula inaugural sobre as diferenças dentro de sala de aula

A pesquisadora Letícia Carolina Nascimento fez apontamentos sobre os estudos transfeministas 

 

A aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) aconteceu no dia 13 de março, no grande auditório da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O evento contou com a presença de estudantes e professores do Departamento de Pedagogia e Letras e a convidada palestrante foi a doutora em Educação, Leticia Carolina Nascimento.

Leticia Carolina se autodeclara como mulher travesti, é professora na Universidade Federal do Piauí (UFPI), referência nos estudos sobre gênero e autora do livro intitulado Transfeminismo, na Coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro e publicado em 2021. Também é autora do livro infantil Leca, lançado em 2024.  

A aula ministrada por Letícia teve o título: “Por uma educação que se pergunta pelas diferenças: apontamentos transfeministas”. Durante a palestra, Leticia abordou as pautas: O que é educação? e O que é escola?. A pesquisadora iniciou a palestra dizendo que “na maioria das vezes, não conseguimos compreender que o aluno tem uma identidade”. Letícia também falou sobre as diferentes abordagens do multiculturalismo, chamadas de multi assimilacionista, diferencialista e a perspectiva intercultural. 

A acadêmica de Pedagogia, Milena Souza, participou da aula inaugural e disse que já refletia sobre o tema das diferenças encontradas dentro da sala de aula, mas que com Letícia conseguiu se aprofundar mais no assunto. “Muitas vezes, as desigualdades não são apenas visíveis, mas também estruturais, e sem suporte adequado da escola, acabam fazendo com que algumas crianças possam se sentir excluídas”, comentou.

A professora também contou diversas experiências pessoais vividas durante sua infância e adolescência para contextualizar sua aula, como as violências sofridas durante a época da escola por se identificar como homem gay e depois como travesti.

Texto por Maria Eduarda Leme.

Foto: Larissa Didres.

Violência institucional contra mulheres ainda é comum nos julgamentos

0
“Quem deveria proteger, também pode violentar?” , indaga a promotora Melissa Cachoni durante palestra na Universidade Estadual de Ponta Grossa

 

“O estado atual do enfrentamento da violência contra mulher no sistema jurídico-penal brasileiro” foi o tema da palestra ministrada pela Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), Melissa Cachoni. O evento foi organizado pelo Centro Acadêmico Carvalho Santos (CACS) do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no dia 10 de março. 

A violência institucional é a violência sofrida dentro dos julgamentos pelas mulheres que foram vítimas de crimes de violência doméstica, familiar e sexual. Ela pode ser praticada por qualquer pessoa, autoridade ou servidor nos ambientes de investigação. Segundo a promotora Melissa, é diferente a investigação e a instrução criminal nos crimes que envolvem violência doméstica, e que é muito comum jogar a culpa na vítima. 

Há artigos que falam sobre a violência institucional, como o Art. 400 A  do Código de Processo Penal (CPP), que aborda sobre a integridade física e psicológica da vítima, e o Art. 15-A da Lei n° 14.321/2022, que penaliza a violência institucional. Além da aplicação de multa, a detenção do praticante pode ser de três meses a um ano.

Apesar da legislação, de acordo com a palestrante, perguntas inadequadas durante os julgamentos são comuns e culpabilizam as vítimas. “A pessoa já tem uma tendência por natureza em se revitimizar e se sentir culpada”, completa a promotora. 

Além de perguntas, qualquer manifestação de circunstâncias e acontecimentos alheios ao crime, ou uso de linguagem agressiva e materiais que ofendam a dignidade da vítima ou das testemunhas pode gerar responsabilização civil, penal e administrativa em quem realizou, seja autoridade ou servidor. A promotora informou que esses procedimentos incorretos costumam ser feitos para cansar a vítima e fazer com que ela entre em contradição, através da repetição de perguntas e argumentos. 

“Cada vez mais temos cartilhas, manuais, recomendações e resoluções para barrar esse tipo de prática, que infelizmente é extremamente comum”, afirma a promotora. 

Outro exemplo de medida é  a Recomendação de Caráter Geral N°3, divulgada em 07 de março deste ano no Diário Oficial, que recomenda a adoção de medidas que fortaleçam a atuação Ministério Público da União e dos Estados com a incorporação da perspectiva de gênero. 

As violências contra mulheres

Crimes de agressão, estupro, violência doméstica e familiar são feitos na clandestinidade. De acordo com o Enunciado 45 do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), as medidas de proteção de urgência que foram previstas na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), podem ser deferidas de forma autônoma, só com base na palavra da mulher que foi vítima, quando os outros elementos probantes estão ausentes. 

A promotora Melissa conta que quando as vítimas são esposas, mães, irmãs e avós, muitas delas não denunciam porque não querem desfazer a estrutura familiar. Ela traz as características da mulher como vítima, testemunha e informante, são elas: a manutenção da família, a drogadição dos jovens, alcoolismo dos companheiros, abuso financeiro, codependência emocional e econômica, medo de taxação e receio de institucionalização. 

No último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2024, mostra que foram 258.941 registros de agressões decorrentes de violência doméstica e 540.255 medidas protetivas de urgência concedidas em 2023. 

 

Foto e texto por Bruna Sluzala

 

 

 

Coletivo Feminismos em Luta promove atividades durante o Mês Internacional da Mulher

Por Maria Eduarda Leme
No Dia Internacional da Mulher aconteceu a marcha 8M em Ponta Grossa

O Coletivo Feminismo em Luta começou a ser mobilizado em dezembro de 2024, com a intenção de reunir diversas entidades feministas atuantes na cidade de Ponta Grossa para construir atividades no mês de março. O coletivo promove ações de luta contra diferentes formas de violência de gênero, racismo, capacitismo, entre outros. 

Diversas pessoas integraram-se nas reuniões semanais do projeto 8M, entre elas estiveram presentes professoras da Universidade Estadual de Ponta Grossa(UEPG), estudantes da UEPG e a comunidade LGBTQIAPN +. 

A atividade de abertura dos eventos programados foi a marcha do dia 8 de março, que iniciou na Praça Barão de Guaraúna e foi encerrada no Parque Ambiental. A marcha, que contou com a presença de mais de 100 pessoas, trouxe falas e manifestos sobre o Dia Internacional da Mulher e apresentações culturais com artistas da cidade. 

Marcha 8M em Ponta Grossa. Foto: Victor Schinato.

As marchas 8M acontecem em todas as partes do mundo, e na cidade de Ponta Grossa, não acontecia desde o ano de 2018. Uma das organizadoras do Coletivo Feministas, Ronna Freitas, comenta sobre a volta de uma manifestação como o 8M e em como se sente com a iniciativa. “Acho que a gente viveu um esvaziamento da ocupaçao das ruas, e conseguir iniciar um movimento de retomada  com uma mobilizaçao feminista parece algo simbolicamente importante”, pontua.

 Ligiane de Meira, também organizadora do Coletivo, comenta que após o final de março, o Feminismos em Luta pretende continuar promovendo atividades com o objetivo de conquistar e garantir direitos. “Queremos que as leis e direitos já conquistados sigam sendo cumpridos”, afirma.  

Até o final do mês de março, outras atividades serão realizadas, dentre elas, oficinas e rodas de conversa programadas para os dias 12,13,18,22 e 28 de março. Para se inscrever, é só acessar o Instagram @feminismos.emluta. 

Banco de leite materno do Hospital Universitário atendeu as demandas neonatais de 2024

0

Somente no mês de outubro, 605 mulheres procuraram o HUMAI para fazer doações

 

O banco de leite materno do Hospital Universitário Materno Infantil (HUMAI) de Ponta Grossa conseguiu atender todas as demandas da UTI neonatal no ano de 2024. Atualmente, o hospital tem em média  60 doadoras fixas mensais e, no mês de outubro, 605 mulheres fizeram doação para o estoque do hospital. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil existem 222 bancos de leite e 217 postos de coleta distribuídos entre os estados.

A coordenadora do banco de leite do HUMAI, Claudia Cancian, explica como funciona o processo para mulheres interessadas em doar. “Toda mulher em fase de lactação é uma potencial doadora, quando ela procurar o banco de leite será realizada uma avaliação de saúde para certificar sua aptidão como doadora”, explica.

A coordenadora também explica o que pode impedir a doação. “O uso de medicamentos incompatíveis, uso de drogas e transfusão sanguínea no último ano”, conclui Cláudia.

Após o leite ser doado, ele passa por um processo de seleção, classificação e pasteurização que promove a inativação de 100% dos patógenos (bactérias) presentes no leite. A pasteurização representa uma alternativa eficaz e se trata de um tratamento térmico eficiente aplicável no leite humano para a inativação dos microrganismos causadores de doenças.

Maria Gisela Aguilera foi doadora de leite do HUMAI por nove meses em 2006 e relata como se sentia colaborando com outras mães e bebês. “Ter sido doadora pra mim foi como retribuir um gesto, um apoio e acolhimento que recebi durante a fase da amamentação”. Maria também conta que o maior incentivo veio de sua prima, que era enfermeira e a ensinou a como esgotar leite.

No dia 19 de maio, todos os anos, o HUMAI promove uma campanha do Dia Mundial de Doação de Leite Humano e durante o mês de agosto participa da campanha Agosto Dourado que simboliza a luta pelo incentivo à amamentação.

Para mães interessadas em fazer doações de leite e aumentar cada o estoque do banco é só entrar em contato através do telefone (42) 3311-8414 ou do whatsapp (42) 3311-8527 para fazer o cadastro. Após a aprovação para ser doadora, é distribuído um material com informações para a coleta do leite.

Por Maria Eduarda Leme
Foto: CCOM

Numa Javert, há uma Madureira

0

Por João Pimentel


A capital do leite é uma cidade majoritariamente conservadora. Não por acaso, o agronegócio  influencia o posicionamento político de Castro a cabresto. Nesse contexto machista, ser da comunidade LGBTQIAPN+ significa vivenciar experiências constantes de preconceito. Já presenciei, embora apenas verbalmente, cenas nas quais o desprezo tomou conta da situação. Lembro de uma vez que meus familiares, em um almoço comum de domingo, começaram a falar de um
traveco com as unhas compridas e sujas. Nunca dei muita atenção a esse tipo de comentário, mas esse ficou na minha cabeça por um tempo. 

Mas nada nessa vida tem um lado só. Mayka Wogue Carneiro Rodrigues, uma mulher transgênero, é a madureira da cidade. A palavra madureira pode ter inúmeros significados. Um deles é: pessoa feminina amadurecida de forma íntegra, dura na queda, sábia; o outro é: derivação de madureiro, lugar usado para amadurecer frutos. Na cidade do interior do Paraná, todos conhecem Mayka, que, assim como madureiros reais, colhe dos mais belos frutos e exala sabedoria e conhecimento.

Ela é escritora, diretora, produtora, cineasta e até política. A trans se candidatou pela primeira vez à vereadora nas eleições municipais deste ano e garantiu 160 votos. Ela tem o poder de transformar tudo que toca em arte e não se deixa levar pela falta de apoio da Prefeitura. Mayka batalha diariamente pela cultura, sendo uma figura cativa na área, que é desvalorizada pelos próprios moradores. Ela não tem medo de “bater de frente” e fala que isso sim, é trabalho de vereador.

Apesar de nunca ter ocupado um cargo eletivo, atua no cenário político e cultural de Castro. Ela já elaborou o projeto de lei (PL) 3176/2015, que prevê a denominação e preservação do bosque Romeu Rolim Carneiro, nome do avô de Mayka – a PL foi aceita pelo prefeito Reinaldo Cardoso; formou o Gapa (Grupo de apoio à prevenção da AIDS), que ajudou, em média, mais de 60 soropositivos a cada seis meses – o Gapa atuou de 2001 a 2003; e, por fim, publicou cinco livros, 12 filmes, uma minissérie e mais de 50 peças de teatro nos mais de 35 anos trabalhando com cultura.

Mayka transacionou há apenas 10 aninhos. Ao se descobrir, ela descreve a sensação de não caber nas caixinhas criadas pela comunidade LGBTQIAPN+ da época (2014). Após muito pensar, ela se entendeu como  seu verdadeiro eu. Depois de um ano, realizou uma conquista e um marco na história de Castro: foi a primeira mulher transgênero a ter os documentos retificados. Angela Almeida Lopes foi a primeira mulher trans a mudar o nome do registro civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual do Brasil. A vitória, como descreve Angela para a G1, completa 19 anos em 2024.

Nos primeiros dia de Mayka, a produtora ficou receosa em sair de casa. Mas, em pouco tempo, abriu-se para a cidade. Porém, ainda sente o preconceito por parte dos castrenses, principalmente no mercado de trabalho. Mayka conta que já enviou seu currículo para inúmeros mercados e estabelecimentos da cidade. A resposta é sempre a mesma. “Você não se encaixa no perfil da empresa”. Atualmente, sobrevive do aluguel de uma kitnet ao lado de sua residência, que fica em frente ao terminal de ônibus, na Rua Javert Madureira. Os anúncios no seu canal do YouTube, Língua Solta, também são uma forma de ganhar uma renda extra.

Uma das principais mudanças para a trans foi a relação com a mãe, Nerci Carneiro Rodrigues. Para ela, se sentiu amada pela mãe só depois que nasceu. Ela conta que brigas e desentendimentos eram constantes da relação, porém, depois de nascer, ganhou uma amiga. Ela contou com emoção no olhar. Pude captar o amor e carinho que ela sente pela figura materna, agora, sua melhor amiga.

Como sua tia e vizinha, Cleiri Rodrigues, diz, Mayka é uma “enciclopédia humana”. Durante a conversa, me senti em uma aula de história e geografia. Por exemplo, ela me contou sobre a história do Bento Mossurunga, que foi um importante músico e compositor castrense. Que, por sinal, dá nome ao único teatro  da cidade. Uma pena que o estabelecimento esteja abandonado há aproximadamente cinco anos. A diretora luta muito pela revitalização do local. As reformas tem previsão para começar ainda este ano.

Mas nem só de flores e rosas vive a madura. Logo que se assumiu, Mayka começou a trabalhar na rua como profissional do sexo. Ela conta com muito orgulho, e um pouco de saudades, sobre a experiência na profissão. Antes de começar seu expediente, tomava uma dose de conhaque em um bar próximo da esquina em que ficava. Enquanto profissional, já atendeu de tudo durante os nove anos de atuação. Desde empresários até motorista de carro funerário, acredite se quiser. “Depois da meia noite, todos os gatos são pardos”, exemplifica.

A importância de alguém como Mayka para Castro é um exemplo de resistência e força, visto que o Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, foi o país que mais assassinou pessoas trans pelo 15º ano consecutivo. A política, e sim, mesmo sem cargo, ela é política, batalha pela população e pela cidade em que cresceu. Ela deixa o preconceito que sofre por causas maiores. O incômodo com o que está errado é parte dela, que ninguém nunca será capaz de tirar. Sendo assim, admiro a Mayka, mesmo ela fumando um cigarrinho de vez em quando.

Ainda estou aqui, para que nunca mais se esqueçam

0

21 anos, 5 mandatos, 210 desaparecidos, 191 mortos e 33 corpos localizados. Estes são alguns dos dados Levantados, que registram um dos mais importantes marcos da história do Brasil e da luta pelos direitos humanos, a Ditadura Militar. O filme “Ainda Estou Aqui” de Walter Salles, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva que leva o mesmo nome do filme, é o recorte fiel desse período que marcou a identidade do nosso país. O longa, que estreou em 7 novembro, conta a história da família Paiva. Rubens Paiva, político, engenheiro, pai e marido, foi um desaparecido político, preso pelos militares durante a ditadura e morto. Em um dia comum, os oficiais da Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão subordinado ao exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura militar, invadiram a casa dos Paiva e Rubens foi levado para nunca mais voltar.

Salles cria o retrato perfeito da família, ele consegue trazer aquele sentimento de pertencimento e sensação de casa sempre cheia. As músicas, as cores, o envolvimento entre os atores e atrizes e tudo o que compõe a cinematografia do filme é capaz de te levar de volta para o Brasil da década de 60 e 70. Assim como a angústia que se perpetua ao decorrer do filme, caracterizada pelo problema que é ter um desaparecido na família: a incerteza. Quantas vezes um desaparecido morre, até ser comprovado que, de fato, ele morreu? Este sentimento de familiaridade, construído durante a evolução do filme, nos possibilita entender a dor e indignação de cada um desses personagens, que, invadidos pela repressão, tem parte de sua história marcada pela brutalidade. E, tem arrancados de si, aqueles que, por algum motivo, mostraram-se contrários a aquilo que, um dia, viria a os matar.

É impossível não falar de Eunice Paiva, que soa como um grito de resistência, de quem tende sempre a continuar a escrever sua história. Ela é a peça central que representa as pelo menos 434 famílias que viveram o mesmo que a sua. Eunice luta e vive o luto em silêncio, a cena em que ela está chorando no escritório ao descobrir a morte de Paiva, e sua filha caçula entra chorando falando que o irmão arrebentou o braço da boneca, reflete a força de Eunice Paiva, ao perceber que a preocupação da filha é a boneca, e ela tem o direito da sua preocupação ser só e apenas aquela. Eunice luta por seu filho e filhas, luta para que nunca mais se esqueçam e para que nunca mais se repita. Eunice é aquela que Ainda Está Aqui.

Não se pode ignorar o trabalho de atuação de Fernanda Torres e Selton Mello. Fernanda e Selton são o elo que amarra uma trama sensível e real a um trabalho de direção igualmente afetivo e verdadeiro. Cada um que está presente no elenco cumpre com maestria seu papel, mesmo aqueles que são peças sutis da trama, fazem parte de um todo que impõem uma experiência e talento que só complementam ainda mais a qualidade da obra. A relação criada pela interação de cada um dos personagens é capaz de transmitir um carinho que ultrapassa as telas e o tempo. Dentre tantos nomes de renome, como: Humberto Carrão, Valentina Herszage, Marjorie Estiano, Olívia Torres, quem não pode passar batida é Fernanda Montenegro, que faz um trabalho excepcional. A atuação de Fernanda é algo impressionante, a maior atriz do Brasil mostra apenas com o olhar o motivo desse título pertencer a ela. As atrizes de primeira mão, Bárbara Luz e Luiza Kosovski, que fazem duas das filhas mais velhas dos Paiva, entregam um papel sensacional que contribui ainda mais para a construção da sensibilidade que é palpável a qualquer um que assiste ao filme.

Fernanda Montenegro, interpretando Eunice Paiva na fase final de sua vida. Imagem: Reprodução

O que nos resta após assistir a Ainda Estou Aqui, é o que Fernanda Montenegro nos revela em seus poucos minutos de tela: um grito de silêncio, pesando em seus olhos e em seu quase sorriso. Um grito de liberdade, que ultrapassa o tempo e a história, para relembrar o que nunca mais pode se repetir.

Entenda quem foi Rubens Paiva e o que o levou a ser um preso e desaparecido político 

*A história de Rubens foi escrita tendo como base o capítulo 7 “As várias mortes de Rubens Paiva” do Livro “Habeas Corpus que se apresente o corpo”

Engenheiro civil e ex deputado federal, Rubens Paiva morava no Rio de Janeiro com sua esposa Eunice e seus 5 filhos. Foi eleito deputado federal em 1962, 2 anos antes do início do regime ditatorial. Participou da CPI sobre o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que promovia propagandas anticomunista e conspirava a favor da queda de João Goulart.

Resultado da CPI

A CPI descobriu, naquele ano, que o IBAD, junto com o seu braço eleitoral, A Ação Democrática Popular (ADEP), movimentaram entre 12 a 20 milhões de dólares em suas atividades conspirativas.

Paiva foi um dos deputados que ajudou a identificar a origem e o destino do dinheiro, que vinha de empresas como Shell, Coca-Cola, Bayer, IBM. Descobriu também o envolvimento de militares da direita favoráveis ao golpe. Após a comprovação das descobertas, o IBAD e a ADEP foram dissolvidos por ordem da justiça em dezembro de 1963.

A Cassação de Paiva 

Quatro meses após a CPI e oito dias após o golpe de abril de 1964, Paiva foi cassado. Exilou-se na embaixada da Iugoslávia e depois seguiu para o leste europeu.

A volta para o Brasil 

Antes do fim do ano, Paiva retornou ao Brasil, foi quando se mudaram para o Rio de Janeiro. No livro “Habeas Corpus que se apresente o corpo”, capítulo sete, existem relatos dos filhos de Rubens, onde contam que no final da década de 60, com o endurecimento do regime, a casa da família serviu de abrigo para diversos militantes da ditadura, e Paiva fazia a movimentação de cartas dos exilados. “Ele fazia essa ponte entre o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e essas organizações clandestinas. Conhecia as famosas rotas de fuga que o PCB tinha. Então, a partir daí, se envolveu com o pessoal para ajudá-los a sair do Brasil. Aí ele caiu”. Conta Marcelo Rubens Paiva no livro.

A Prisão

20 de janeiro de 1971. Seis homens invadiram a casa de Rubens e o levaram para o quartel da 3ª Zona Aérea. A partir disso, tudo o que existe pelas próximas duas décadas e meia seguintes são relatos de pessoas que dizem o ter visto.

O médico do DOI, Amílcar Lobo, que acompanhava as vítimas de tortura, na madrugada do dia 21 para o 22, relatou para a revista Veja, 15 anos depois, ter sio acordado em casa e levado para o quartel, quando chegou na cela viu um preso deitado e sem roupa. ‘“Era uma equimose só. Estava roxo da ponta dos cabelos à ponta dos pés. Ele havia sido torturado, mas, quando fui examiná-lo, verifiquei que seu abdômen estava endurecido. (…) Suspeitei de que houvesse uma ruptura do fígado ou do baço, pois elas provocam uma brutal hemorragia interna’, O preso só repetia o nome: Rubens Paiva. “Eu nunca havia presenciado um quadro desse tipo. Aquele homem levara uma surra como eu nunca vira”, disse o médico. Ao sair, aconselhou um oficial que o levassem para o hospital. No dia seguinte foi avisado de que o paciente falecera.

O atestado de Óbito

Depois de quase 25 anos, no dia 4 de dezembro de 1995, o atestado de óbito de Rubens Paiva foi finalmente expedido. Nunca foi comprovado como, quando e onde Rubens Paiva Morreu, ninguém jamais foi punido por sua morte.

*Os dados do início do texto são da comissão nacional da verdade

 

Por Natalia Almeida e Julia Almeida

 

 

 

Novembro Azul: Uma iniciativa para a saúde masculina sobre o câncer de próstata

0

O Novembro Azul surgiu como uma iniciativa que chegou ao Brasil em 2011, para alertar os homens sobre o diagnóstico do câncer de próstata. O câncer que afeta a próstata, glândula abaixo da bexiga, é o mais frequente em homens acima dos 55 anos,sendo o quarto maior em número de casos no Brasil, e o segundo com maior mortalidade em homens.

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) fez uma estimativa de 71.130 casos em 2023, e 16.429 óbitos em 2022, no Brasil. Na região sul do país, o Paraná tem 3.430 casos, ficando atrás do Rio Grande do Sul, com 3.510 casos. A taxa de óbitos na região dos três estados é superior a 2.800 mil.

O Doutor Urologista Eduardo Bisinella comenta informações importantes sobre prevenção e cuidados.“Os pricipais fatores que afetam são os riscos de idade, histórico familiar e raça. Para a saúde prostática é necessária uma alimentação saudável evitando gordura saturada e fazendo exercícios regularmente” disse.

O urologista ressalta a importância dos exames regulares.“Aos 40 anos já começamos a acompanhar com o exame de sangue chamado PSA anualmente. O exame do toque é feito a partir dos 50 anos porém pode variar, se o paciente tiver fatores de risco se inicia aos 45 anos”

O médico também enfatiza as campanhas feitas em Novembro “Campanhas como a do Novembro Azul são excelentes, informação é a nossa melhor arma contra o preconceito e os medos que o homem tem do exame de próstata”. Por fim, o médico deixa a dica de procurar um médico de sua confiança e iniciar o cuidado com sua saúde.

Por Bruna Sluzala, Maria Gallinea e Roberto Indzejczak

Candidaturas negras apresentam condições desiguais na disputa eleitoral  

Para a prefeitura de Ponta Grossa não houve registro de nenhum/a candidato/a negro/a ou pardo/a

 

Das mais de 450 mil candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 80.645 são mulheres negras e 159.942 são homens negros. No Paraná foram mais de 9.400 candidaturas negras e pardas, destas, 3.225 são mulheres, para o cargo de vereador. Para as prefeituras foram 167 candidaturas no estado, sendo 22 mulheres e 145 homens negros e pardos. Em Ponta Grossa não houve registro de nenhum/a candidato/a negro/a ou pardo/a para a prefeitura.

Nessas eleições o percentual de candidaturas negras foi de 52,73%, e, apesar do número ser maior do que a de candidaturas de pessoas brancas, o dado chama a atenção para outro fato. Ele só é maior devido à diminuição de candidatos/as brancos/as. Enquanto a soma de candidaturas de pessoas brancas diminuiu em 21,34%, a de pessoas negras diminuiu 12,77% comparado às eleições de 2020. Os dados são do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que elaborou o perfil das candidaturas às eleições deste ano em parceria com o coletivo Commom Data.

Apenas 10,9% de mulheres negras foram eleitas nas Eleições Municipais deste ano. Mais do que o dobro de 2020, quando 4,5% foram eleitas no país. Para o próximo ano, a Câmara dos Vereadores de Ponta Grossa vai contar com apenas três mulheres, destas nenhuma é negra. A ex-candidata Jaciara Mello explica que o desafio também é financeiro para as candidaturas negras. “Os desafios de uma candidatura negra são romper com as candidaturas laranjas e melhorar a transparência na distribuição de recursos, pois algumas vezes os presidentes partidários não dividem a verba de forma igualitária, haja vista que existe lei que trata dessa divisão para mulheres negras”.

As eleições de 2024 foram marcadas pelo grande número de candidatos ligados a partidos de direita eleitos, ao todo são 2.673 prefeituras no país. O número de candidatos e candidatas negros ligados a partidos de direita e centro é menor comparado ao de filiados brancos. Para as candidaturas negras o percentual de filiados aos partidos de direita e centro é de 51,02% e 52,56%, respectivamente. Para candidatos brancos a média percentual é de 33,75% e 62,83%. Os partidos de esquerda possuem um percentual maior entre os filiados negros, são 57%, enquanto a média de filiados brancos é de 37,17% e 62,83% entre homens e mulheres, de acordo com o levantamento do Inesc e Commom Data.

Luciano dos Santos, ex-candidato a vereador pelo Partido Verde, avalia os desafios de ter sido um candidato negro nas eleições. “Para nós negros, o desafio é maior porque somos vistos como meio-candidatos ou até menos, só para começar temos que provar em dobro que somos tão capazes quanto um candidato branco”, revela.

Luciano é professor da rede pública de ensino e estudante do terceiro ano de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ele reflete sobre a destinação de verbas a candidaturas negras pelos partidos. “Existe também um grande problema do financiamento de campanha, os partidos são livres para direcionar o dinheiro para qualquer candidato, a cota do fundo partidário, e a maioria dos partidos não considera o recorte racial na distribuição deste fundo”, observa.

O ex-candidato a vereador julga também as barreiras que ainda precisam ser superadas para que mais pessoas negras sejam eleitas no país. “Não basta ser fenotipicamente negro ou mulher se não tiver consciência de classe, gênero e raça, pois acaba que os discursos e as práticas politico-partidárias e de elaboração de políticas públicas do opressor acabam sendo reproduzidas”, declara.

Na região Sul nenhuma mulher negra ou parda concorreu à prefeitura. A jornalista, conteudista para o Instagram e coaching Integral e sistêmica Jaciara Mello, que foi candidata a vereadora em Ponta Grossa nas eleições deste ano, explica o principal desafio da candidatura de uma mulher negra. “O desafio é enorme, pois a sociedade como um todo ainda não aceita que esses espaços de poder e tomada de decisão são nossos”, diz.

Segundo o resultado do Censo do IBGE de 2022, 45,3% (equivalente a cerca de 92,1 milhões de pessoas) se declaram pardas no Brasil e 10,2% (equivalente a cerca de 20,6 milhões de pessoas) se declaram pretas. Apesar disso, a porcentagem de mulheres negras nas prefeituras das capitais é 4,5%, enquanto por outro lado tem 49% de homens brancos neste espaço.

Apesar do número de candidaturas negras ter crescido nas eleições de 2024, ainda há barreiras. Em agosto foi aprovado pelo Congresso Nacional a popularmente conhecida como “PEC da Anistia” que é a Proposta de Emenda Constitucional 09/2023. A PEC exige a distribuição proporcional dos recursos do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidaturas negras, deixando fixo o limite de 30%.

Antes da PEC os recursos eram congruentes com a porcentagem de candidaturas negras, ou seja, se eram 52,73% de candidaturas negras, então seriam 52,73% de recursos para estas candidaturas. Só nesta eleição de 2024, segundo a projeção realizada pela iniciativa Pacto pela Democracia, as candidaturas negras perderam R$1,1 bilhão de recursos.

Por Amanda Ferreira e Karine Santos

Peça Desassossego retrata a falta de oxigênio em Manaus durante a pandemia

O espetáculo fez parte da programação do 52º Festival Nacional de Teatro

A peça também aborda questões de desigualdade, transfobia, violência e descaso com os povos indígenas. Foto: Pietra Gasparini

A peça Desassossego, apresentada pelo Grupo Jurubebas de Teatro no Festival Nacional de Teatro (Fenata), retrata a rotina de três jovens confinados em um apartamento no período pandêmico de 2021, em Manaus, quando milhares de pessoas sofreram com a falta de cilindros de oxigênio nos hospitais. A trama coloca como uma das histórias centrais a de Maria, que representa tantas mulheres contaminadas pela Covid-19, que pelo descaso governamental ficaram sem oxigênio. Ao longo da história surge a pergunta: “Quem tirou o ar de Maria?”. 

O grupo prioriza a atuação sensorial, começando com os atores no fundo do palco, dando ao público uma ideia de distanciamento, e durante as chamadas de vídeo na pandemia. Ao longo da encenação são utilizados outros elementos da virtualidade, como a luz de uma ring light.

Em roda de conversa após o espetáculo, o diretor, Felipe Maya Jatobá, conta como surgiu a ideia de elaborar a peça. “Minha mãe ficou internada por muitos meses por conta da Covid, quando começou a faltar oxigênio na cidade eu me vi desesperado para comprar. Eu vi minha mãe quase morrendo e é um sentimento de impotência gigante, eu não podia fazer nada porque o poder público deveria estar salvando a minha mãe e milhares de outras pessoas”, observa. O diretor explica que decidiu fazer essa denúncia não para falar só da sua mãe, mas de tantas pessoas que morreram, e se sente grato por poder transformar a sua dor e a dor de tantas outras pessoas em arte para que aquele momento não seja esquecido.

A atriz Nicka perdeu sua avó durante a pandemia e conta a dificuldade de retratar esse período em cena. “No início era muito difícil, lembrar da minha vó, lembrar desses lugares, era um lugar muito sentimental, mas a partir do momento que eu coloquei na minha cabeça que eu tinha a responsabilidade de contar a história dessas pessoas eu consegui lidar melhor”. A peça atravessa também outras questões que existiam no contexto epidêmico e fora dele, como a violência e descaso com os povos indígenas, a dificuldade de deslocamento, a desigualdade e a transfobia.

Nicka é uma atriz transexual e explica que durante a pandemia os efeitos da transfobia se intensificaram. “A maioria dos suicídios da pandemia eram de mulheres trans, e era sempre um viés igual, nós éramos expulsas de casa, e isso é algo que acontece anualmente, antes da covid, pós covid, só que na pandemia não tinha como ficar na rua, pessoas trans que se prostituem podiam ser contaminadas na rua, onde essas pessoas ficam?”, questiona.

A atriz ressalta a importância de mostrar que esses corpos existem e que é incrível para ela, como uma mulher trans de Manaus, representar esses corpos políticos em outras regiões do País. “A peça coloca essa personagem de forma afetiva, faz com que a gente possa ser vista de uma maneira humanizada. Eu me proponho a falar porque mulheres trans na pandemia, as que morreram, as que foram expulsas, as que não puderam respirar, não tiveram oportunidade de falar, então eu carrego esse lugar pra mim, esse lugar político, eu estou falando por essas pessoas e também estou falando por mim”.

O descaso e o genocidio que aconteceu durante a pandemia, e continua acontecendo com os povos indígenas, foi retratado na peça para não ser esquecido. O ator Leandro Paz, da comunidade indígena Kokama, desenvolveu cenas na língua originária Kokama prezando pela valorização da sua cultura. “Não é o meu papel traduzir o que está sendo falado, visto que é a língua que sempre esteve no nosso país. A população tem diversas formas de estudar e aprender a falar as línguas originárias. Mesmo não entendendo a tradução daquilo que falo em determinadas cenas, o público entende e sente empatia pelo sentimento que estou expressando”, conclui Leandro.

Marcia Regina Vansoski assistiu ao espetáculo e relata como foi relembrar o período pandêmico. “A encenação nos trouxe de volta aquele sofrimento das pessoas por terem que se isolar. Gostei muito da peça, achei que a forma como eles abordaram e representaram relembrou a angústia que vivemos na pandemia”, conclui.

O espetáculo com classificação indicativa para maiores de 16 anos fez parte da programação do 52° Festival Nacional de Teatro (Fenata). A encenação, ocorrida no dia 11, teve duração de 50 minutos e debate com os artistas ao final.

Por Amanda Grzebielucka e Pietra Gasparini

 

Foto: Pietra Gasparini

Foto: Pietra Gasparini

Foto: Pietra Gasparini

Foto: Amanda Grzebielucka